Um quixote de bicicleta
Às 6h, Audálio Vieira Júnior está de pé. A rotina de pegar a bicicleta quatro vezes por semana para ir trabalhar já mostra uma mudança em sua vida no café da manhã. Se antes bebia só água ao acordar, agora ele também come frutas. Depois faz um alongamento antes de enfrentar a estrada. Desde janeiro, quando começou a pedalar, Audálio perdeu 14 quilos.
Dentro de Ingleses, em Florianópolis, onde mora, quase não há problemas. No bairro ele ainda passa por uma ciclovia, num trajeto curto. Na SC-403 e na SC-401 é que começa a aventura. Se Dom Quixote lutava contra moinhos de vento, Audálio enfrenta carros e ônibus.
Um dos desafios é passar pelas paradas. Ao ultrapassar os ônibus parados, o ciclista precisa entrar na rodovia. Muitas vezes fica espremido entre dois veículos.
Além da falta de ciclovias, Audálio sofre com a ausência de acostamentos em alguns lugares. Mesmo assim, nas 103 vezes em que pedalou entre a casa e o trabalho, nunca se acidentou.
– A bicicleta foi reconhecida como meio de transporte, mas ainda somos vistos como um estorvo – reclama.
Audálio trafega pela SC-401. Mas, no meio do caminho, entra no Bairro João Paulo, onde a velocidade do trânsito é menor. Não quer dizer que a aventura diminua de intensidade. A cena do carro saindo da garagem e cortando a frente do ciclista costuma acontecer seguidamente. Audálio, atento, freia.
Entre o João Paulo e o Itacorubi o percurso é mais calmo. Mas ao entrar na SC-404, a Rodovia Ademar Gonzaga, ele fica quase escondido no meio dos carros e fica ao lado deles para se defender.
Próximo à Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc), ele, finalmente, entra na segunda ciclovia do trajeto – são só 700 metros andando em plena segurança.
Cerca de uma hora e 10 minutos depois de sair de casa ele chega à Celesc. Encontra-se com os amigos, que também usam a bicicleta como meio de transporte.
Juntos, eles conseguiram que a empresa instalasse o bicicletário e reformasse um vestiário para tomarem banho. A volta é mais rápida – cerca de uma hora. E Audálio, no final do dia, encontra a mulher Maria e as filhas Sarah e Sofia.
Dom Quixote lutava, de forma imaginária, contra as injustiças sociais depois de enlouquecer com as inúmeras histórias de cavaleiros que lia. Em cima de seu velho cavalo, o personagem inspirou muita gente. Audálio – e os outros ciclistas de Florianópolis – também querem inspirar muita gente.
Número duplicou, mas ainda é pouco
Os carros poluem o meio ambiente. Além disso, há tantos veículos nas ruas que as cidades praticamente param nos horários de pico. Mas por que há pouco espaço para os ciclistas, que são uma alternativa para o problema em Florianópolis? Dois fatores podem explicar a contradição: a ausência de história de políticas para o setor e a pouca importância dada ao assunto pela população.
Nos últimos três anos, o número de ciclovias praticamente duplicou em Florianópolis. Hoje, são 41 quilômetros destinados aos ciclistas. O diretor da União dos Ciclousuários da Grande Florianópolis (ViaCiclo), André Geraldo Soares, reconhece a melhora na estrutura. Mas ainda acha que é pouco.
– Era insignificante e, talvez, estejamos pulando para muito pouco. O problema é que nunca recebemos um planejamento institucional com metas a serem atingidas. Algo como qual a percentagem que devemos aumentar em tantos anos. É o que os países avançados fazem: planejamento e execução de obras. Carecemos de uma pesquisa confiável – opina.
De acordo com o secretário municipal de Transporte, Mobilidades e Terminais de Florianópolis, João Batista Nunes, há mais de 50 projetos de ciclovias para a Capital.
– Nunca na história da cidade se investiu tanto em ciclovias. Tem projetos de mais 50 quilômetros, como a Ciclovia Universitária, que engloba os bairros próximos à UFSC e à Udesc. Infelizmente, a nossa cidade foi pensada para atender o carro e não as bicicletas. A gente precisa de uma grande quantidade de investimentos para resolver essa integração – afirmou.
Giselle Noceti Ammon Xavier, coordenadora do Grupo CicloBrasil, uma parceria entre UFSC e Udesc que reúne pesquisadores de diversas áreas, vê um outro fator para a falta de políticas para o setor: a participação da população.
– A culpa é do Executivo? Eu questiono. As ciclovias ficam em segundo plano na visão das pessoas. Quando a cidade e as pessoas começarem a ser valorizadas, a sociedade vai mudar.
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FONTE : Diário Catarinense, 12/12/2009
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