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segunda-feira, 31 de julho de 2017

Estudo revela o ranking das melhores e piores empresas em sustentabilidade corporativa

Acumulação de escândalos empresariais erode confiança no mundo corporativo e muda o ranking das melhores e piores companhias em responsabilidade socioambiental


Após vários anos de denúncias na mídia e na justiça envolvendo ícones do capitalismo nacional, os brasileiros estão perdendo confiança no mundo empresarial local com impactos na sua valoração das iniciativas de sustentabilidade corporativa.
A 12da edição do Monitor de Sustentabilidade Corporativa, estudo realizado pelo instituto de pesquisa e opinião pública Market Analysis, revela que frente aos escândalos de corrupção e de evidências de desrespeito ao meio ambiente e aos consumidores, a credibilidade nas empresas nacionais despencou de 74,2% em 2010 para 43,8% em 2017.
Quanta confiança você tem nas seguintes instituições de agirem em benefício da nossa sociedade? Grandes empresas nacionais (% muita + alguma confiança)


Consequentemente, os brasileiros passaram a reagir com indiferença diante da ideia de sustentabilidade corporativa atingindo um número recorde de pessoas que não conseguem identificar bons exemplos de cidadania corporativa. Em 2010, apenas um em cada cinco entrevistados (20,3%) recusava reconhecer ou não conseguia lembrar-se de um caso exemplar de responsabilidade social ou ambiental; em 2017 essa proporção estourou para dois em cada três consultados (67,2%) – o maior percentual já registrado.
Essa mudança de humor diante do movimento de sustentabilidade corporativa foi acompanhada por uma radical alteração do ranking das empresas percebidas pela cidadania como melhores e piores no desempenho das suas responsabilidades sociais e/ou ambientais.
Por favor, me diga o nome de uma grande empresa que você lembra ou pensa como sendo uma empresa que cumpre com suas responsabilidades sociais ou ambientais melhor do que as outras, ou seja, uma empresa socialmente responsável. Mais alguma?
E agora me diga o nome de uma grande empresa que você lembra ou pensa como sendo uma empresa que não cumpre com suas responsabilidades sociais ou ambientais, ou seja, uma empresa que não é responsável. Mais alguma?


Hoje, a líder em sustentabilidade empresarial para o grande público, a Natura, detém perto de um terço da média das menções historicamente exibidas pela companhia que ficava colocada em primeiro lugar (3,7% de menções frente à média de 9,7% entre 2005-2016). É a primeira vez na história da pesquisa que a Natura alcança essa posição de vanguarda.
Também chama atenção que das 5 primeiras colocadas em cidadania corporativa, três são multinacionais estrangeiras (Coca-Cola, Nestlé e Unilever). Por outro lado, as 5 primeiras citadas como vilãs da responsabilidade empresarial são todas companhias nacionais.
Essa maioria de empresas não brasileiras no topo da liderança de sustentabilidade é também um fato novo em 12 anos do levantamento e aponta uma dissociação entre sustentabilidade e capitalismo nacional na cabeça dos consumidores.
Os gigantes da economia local envolvidos em escândalos e que ocuparam as manchetes nacionais comoJBS, BRF, Odebrecht e Petrobras foram automaticamente associadas às piores práticas de responsabilidade corporativa.
A JBS aparece em primeiro lugar com 5,2% e, no mesmo setor, a BRF ocupa o terceiro lugar com 3,2%. O setor agrobusiness nunca registrou semelhante crítica social nos 12 anos em que é feito o estudo. Mas essa crítica retrata não o efeito das delações premiadas no contexto da Operação Lava-Jato (que ocorreu posterior à coleta dos dados), e sim reflete as denúncias por adulteração de produto, más práticas de negócios e prejuízos aos consumidores que foram veiculadas em março.
A Odebrecht tinha aparecido timidamente entre as piores em sustentabilidade no ano passado com apenas 0,2% de menções espontâneas. Esse ano pulou para 3%, ocupando o quarto pior lugar no ranking das empresas vilãs.
A Petrobras, mesmo com mudanças na sua administração e práticas institucionais, continua sendo fortemente associada a um anti-modelo de empresa cidadã com 4,7% de menções negativas espontâneas. Comparativamente, apenas 1,7% a citaram como modelo de sustentabilidade corporativa – o percentual mais baixo registrado nos últimos 12 anos.
Como nos últimos anos, a atuação ambiental responsável é o principal fator de alavanca de boa reputação em sustentabilidade (34,1% das menções), seguida pelas evidências de comportamento ético e transparente (18,2%) e em terceiro lugar pelas iniciativas sociais (17%).
Em meio à crise de confiança institucional, a “imagem corporativa” (i.e., credibilidade pública, desempenho ético, visibilidade da organização) volta a ganhar força como fator de diferenciação e posicionamento em reputação sustentável.
Ficha Técnica
Monitor de Sustentabilidade Corporativa 2017  estudo realizado pela Market Analysis com base em 810 entrevistas com adultos entre 18 e 69 anos, residentes em nove capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Goiânia e Brasília. As entrevistas foram realizadas no domicílio dos entrevistados entre 20 de março e 19 de abril de 2017. A margem de erro da pesquisa é de 3,4% para mais ou para menos.
* Colaboração de Fabián Echegaray e Michele Hartmann Feyh

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 31/07/2017

Temer acolhe pleito dos ruralistas e reedita medidas que afrontam os direitos indígenas

Temer acolhe pleito dos ruralistas e reedita medidas que afrontam os direitos indígenas. Entrevista especial com Roberto Liebgott

IHU
O Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU, que sugere a demarcação somente daquelas terras indígenas que estavam sob posse das comunidades em 1988, em ocasião da promulgação da Constituição, recentemente aprovado pelo presidente Michel Temer, “retoma os argumentos anti-indígenas estabelecidos pela Portaria 303/2012 da AGU” e impõe “aos procedimentos de demarcação de terras a tese do marco temporal e as 19 condicionantes relativas ao julgamento da Petição – PET 3338/2009, conhecido como caso Raposa Serra do Sol, no qual se definiu pelos ministros da Suprema Corte que o procedimento de demarcação daquela terra era constitucional, e as condicionantes nele estabelecidas não se vinculariam a outras demarcações de terras”, diz Roberto Liebgott à IHU On-Line.
Segundo o secretário do Conselho Indigenista Missionário do Rio Grande do Sul – Cimi, o parecer impõe “a vontade e os interesses dos exploradores sobre os direitos indígenas e quilombolas e, na prática, faz o direito retroceder ao período da Lei de Terras de 1850”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-LineLiebgott diz que não tem como contabilizar exatamente quantas terras serão afetadas se o parecer for adotado, porque o governo federal não tem estudos de identificação e delimitação das terras indígenas. “No Rio Grande do Sul nem se pode afirmar ao certo quantas terras e quantos hectares estão sendo reivindicados pelos povos e comunidades indígenas porque a Funai não realizou todos os estudos de identificação e delimitação das terras reivindicadas. De acordo com os dados do Cimi, são aproximadamente 117.091 hectares de terras demarcadas ou em demarcação. Habitam em acampamentos improvisados e nas margens das rodovias 23 acampamentos de comunidades Kaingang e Guarani. Estima-se que mais de 900 famílias vivem nestas condições de vulnerabilidade e violência”, informa. Ele menciona ainda que as comunidades indígenas que vivem no Rio Grande do Sul estão pleiteando menos de 0,5% da área do estado e que “de forma recorrente, lideranças Kaingang têm indagado, em momentos de reflexão: se um estado não consegue se desenvolver com 99,5% de seu território, que diferença farão esses 0,5% que correspondem às terras indígenas?”.

Roberto Liebgott
Roberto Liebgott | Foto: Wilson Dias / Agência Brasil


Roberto Liebgott é coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi-Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Do que trata o parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União – AGU?
Roberto Liebgott – O Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU aprovado pelo presidente Michel Temer retoma os argumentos anti-indígenas estabelecidos pela Portaria 303/2012 da AGU – impor aos procedimentos de demarcação de terras a tese do marco temporal e as 19 condicionantes relativas ao julgamento da PET 3338/2009, conhecido como caso Raposa Serra do Sol, no qual se definiu pelos ministros da Suprema Corte que o procedimento de demarcação daquela terra era constitucional, e as condicionantes nele estabelecidas não se vinculariam a outras demarcações de terras. O presidente Michel Temer acolhe o pleito dos ruralistas e reedita as medidas que afrontam os direitos indígenas condicionando-as a uma negociação de apoio parlamentar ruralista contra o pedido apresentado pela Procuradoria Geral da República que autoriza a abertura de processo de crime comum, no âmbito do STF.
O parecer atual impõe a vontade e os interesses dos exploradores sobre os direitos indígenas e quilombolas e, na prática, faz o direito retroceder ao período da Lei de Terras de 1850
Portanto, o parecer atual segue na mesma monta da portaria arquivada, ou seja, impor a vontade e os interesses dos exploradores sobre os direitos indígenas e quilombolas e, na prática, faz o direito retroceder ao período da Lei de Terras de 1850. Essa é a estratégia. E pior, negociam com aqueles que se encontram na administração dos Poderes Públicos benesses e favores submetendo o direito a uma condição vulnerável, o qual vale apenas para os que detêm ou são os selecionados e acolhidos pelos interesses econômicos hegemônicos ou em disputa, transformando o direito num privilégio, como se vivêssemos num regime de exceção. Lamentavelmente é o que parece ocorrer no atual contexto político e jurídico em nosso Brasil.
IHU On-Line – Como o Cimi recebeu a notícia da publicação desse parecer?
Roberto Liebgott – O Cimi, o movimento indígena e as demais entidades que atuam em apoio e pela defesa dos direitos constitucionais das comunidades e povos originários e tradicionais receberam com indignação esse parecer. E ele foi editado num contexto em que o Supremo Tribunal Federal – STFanunciou que colocará em pauta, no dia 16 de agosto, o julgamento de três processos envolvendo terras indígenas demarcadas pelo Poder Executivo e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra decreto que regulamenta a demarcação de terras quilombolas. Serão portanto julgadas: Ação Civil Originária – ACO 469, que teve pedido de vistas pela ministra Cármen Lúcia e sem relator, que trata de discussão sobre a nulidade de títulos sobrepostos à terra indígena Ventarra/RS; ACO 362, que tem por relator o ministro Marco Aurélio e que discute pedido de indenização pelo Estado do Mato Grosso alegando que a União definiu indevidamente os limites do parque e se apropriou de áreas do estado, mas que na prática discute a demarcação do Parque Nacional do Xingu; ACO 366, que tem como relator o ministro Marco Aurélio e que discute pedido de indenização por desapropriação indireta de terras que teriam sido ilicitamente incluídas dentro do perímetro das Reservas Indígenas Nambikwára e Parecis e das áreas a elas acrescidas; e ADI 3239/DF, que trata da constitucionalidade do Decreto 4887/2013, que regulamenta as demarcações das terras Quilombolas e que teve por relator o ministro Cezar Peluso, e já com voto da ministra Rosa Weber.

Ocupação tradicional

Todas as ações relativas às demarcações de terras indígenas discutem aspectos relativos à ocupação tradicional indígena assim como no caso dos territórios quilombolas. Significa dizer que os ministros pretendem, em essência, discutir a tese jurídica do Marco Temporal da Constituição Federal de 1988 e conceituar o que, no entender deles, é área tradicionalmente ocupada. No caso das demarcações das terras Quilombolas se questiona a constitucionalidade do decreto e já se iniciou, nos dois votos anteriormente proferidos, a tendência de se discutir também o Marco Temporal para as terras de quilombo.
Tendo presente que os ministros do STF pautaram os julgamentos relativos às demarcações de terras indígenas e quilombolas, a Frente Parlamentar da Agropecuária, comandada pelos deputados federais Luis Carlos Heinze e Alceu Moreira, entre outros, decidiu se antecipar ao debate e propôs – de antemão – uma negociação exigindo que governo federal adotasse medidas no sentido de inviabilizar demarcações de terras indígenas.
IHU On-Line – O parecer recomenda que seja considerada para demarcação apenas aquelas terras que estavam ocupadas pelos povos indígenas em 5 de outubro de 1988. Se considerássemos esse cenário, quantas comunidades ficariam sem ter direito à terra e, por consequência, não teriam suas terras demarcadas?
Roberto Liebgott – Primeiro é importante destacar que a tese do Marco Temporal não foi pacificada pelos tribunais, por isso confiamos que o Supremo Tribunal Federal assuma, no julgamento das ações acerca das demarcações de terras indígenas e quilombolas, como eixo de interpretação, os preceitos constitucionais e não os interesses políticos e econômicos.
Se eventualmente for consolidada a tese do Marco Temporal, aniquilam-se os direitos indígenas e quilombolas, e como consequência as terras, mesmo aquelas demarcadas ao longo das últimas décadas, poderão sofrer um revés em função dos interesses econômicos e, por consequência, virem a ser revisadas.
A tese do Marco Temporal, que não se encontra entre as dezenove condicionantes – pois apenas é referida em votos de ministros no julgamento do caso Raposa Serra do Sol –, como as condicionantes não encontram guarida no texto Constitucional relativo às demarcações de terras. Em função disso, confiamos no STF, até mesmo porque o resultado do julgamento da ação popular contra Raposa Serra do Soldemonstrou, em certa medida, que, para além da legitimidade da demarcação, se pretendia impor limites às demandas indígenas e a Suprema Corte de pronto negou essa pretensão.
O voto-vista apresentado – na ocasião do julgamento pelo ministro Carlos Menezes Direito – no qual propôs as dezenove condicionantes e o marco temporal ao procedimento demarcatório daquela terra – deve ser analisado com cuidado para que não sejam generalizadas as decisões daquele julgamento. É necessário lembrar que sobre as condicionantes e o marco temporal foram interpostos vários embargos de declaração com o intuito de rejeitar as condicionantes, ou para vinculá-las às demais demarcações, e os Embargos (da PET 3338/RR ) [1] foram julgados e os ministros do STF, em sua maioria, se manifestaram no sentido de restringir – condicionantes e o marco temporal – ao caso concreto de Raposa Serra do Sol.
Os atuais estudos demarcatórios realizados pela Funai – no caso dos povos indígenas – e pelo Incra – relativo aos quilombolas – seguem o rito definido por normatizações administrativas já apresentadas – o Decreto 1775/96, Portaria 14/96 e o Decreto 4887/2003 – em que se preveem investigações históricas, antropológicas, arqueológicas, sociais, fundiárias e ambientais necessárias para avalizar ou rejeitar uma demarcação administrativa. O marco temporal, portanto, propõe a exclusão desses estudos e rompe com o que está expresso na Carta Magna de que “os índios têm o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. As 19 condicionantes e o marco temporal, definidos pelo STF, referem-se efetivamente a um conjunto de condições vinculadas ao caso específico da terra indígena Raposa Serra do Sol e, portanto, não deveria ser extensivo a outros procedimentos. Sobre isso, o jurista José Afonso da Silva declarou:
A decisão do Supremo diz respeito a um caso específico. Não criou jurisprudência geral coisa nenhuma… O que a AGU está fazendo é, a partir da sua própria interpretação do que os ministros decidiram em 2009, estender para todos os outros casos a decisão (Agência Brasil, 20/07/2012).
Com o julgamento da PET 3388/RR (DJe de 01/07/2010), o STF deixa evidente que o Art. 231, § 1º, da CF/88 não cria marco temporal vinculando as demarcações futuras, mas estabelece que no caso concreto da terra indígena Raposa Serra do Sol havia que se estabelecer não somente um delimitador para reconhecimento da demarcação, mas acima de tudo para dizer que ao longo da história os povos daquela terra foram esbulhados. Justifica-se, neste caso, a argumentação do renitente esbulho. O STF diz: “O renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada”.
IHU On-Line – De que modo esse parecer sugere ou altera as questões administrativas relacionadas às demarcações de Terras Indígenas e o usufruto dos povos sobre essas áreas? Quais demarcações, especificamente, podem ser bloqueadas por conta do parecer?
Se eventualmente for consolidada a tese do Marco Temporal, aniquilam-se os direitos indígenas e quilombolas, e como consequência as terras, mesmo aquelas demarcadas ao longo das últimas décadas
Roberto Liebgott – O parecer, como já referido acima, tem um intento muito evidente: condicionar a decisão do STF acerca das demarcações de terras indígenas e quilombolas aos interesses do agronegócio e da mineração, e os porta-vozes destes setores são os parlamentares da bancada ruralista. Concretamente não há nenhuma repercussão administrativa porque os procedimentos de demarcação permanecem os mesmos, podendo, evidentemente, ser alterados caso haja, do Supremo Tribunal Federal, uma decisão que acolha tais pretensões. Caso isso ocorra, então sim, no âmbito da administração pública serão alteradas as regras estabelecidas e que estão alicerçadas no Decreto 1775/1996Portaria MJ-14/1996 que regulamentam as demarcações de terras indígenas e o decreto que regula as titulações Quilombolas de número 4887/2013.
Mas, como já referido anteriormente, não há nenhuma justificativa jurídica que legitime uma decisão no sentido de reformar a Constituição Federal no tocante aos direitos indígenas e quilombolas através de decisões de nossa Suprema Corte, além do que ela é a guardiã de nossa Carta Constitucional. No entanto, se houver um retrocesso constitucional, impõe-se uma aberração jurídica sem precedente, semelhante apenas àquelas dos Regimes de Exceção.
IHU On-Line – Fala-se que o parecer pode afetar 28 processos de demarcação por terras indígenas no RS. Que terras são essas? Qual é a atual situação do processo de demarcação de terras no estado? Quantas comunidades existem no RS e quantas ainda aguardam o processo de demarcação de suas terras?
Roberto Liebgott – Não há, no momento, como precisar quantas terras serão afetadas se eventualmente essas medidas forem adotadas, porque o governo federal não tem atuado no sentido de proceder aos estudos de identificação e delimitação das terras indígenas. Mas é importante enfatizar que as demarcações das terras indígenas estão previstas no Art. 231 da Constituição Federal, e, portanto, não foram inventadas pela Funai ou por qualquer outro órgão de governo e muito menos pelas Organizações Não Governamentais nacionais ou internacionais, como os parlamentares ruralistas insistem em dizer. As terras indígenas demarcadas são, de acordo com a Constituição Federal, patrimônio da União, cabendo aos povos indígenas o usufruto exclusivo das terras. Portanto, ninguém mais pode usufruir delas. Contrapondo-se aos argumentos dos opositores dos povos indígenas de que as demarcações de terras são para atender interesses internacionais, a Constituição afirma o contrário disso: que as terras somente podem ser exploradas pela União em caso de relevante interesse, após as comunidades indígenas terem sido consultadas e mediante autorização do Congresso Nacional.

Demarcações de terras

As demarcações de terras não são realizadas de forma fraudulenta e arbitrária como indica o relatório final da CPI da Funai e do Incra. Elas seguem um rito constitucional e um rito administrativo que é regulado por decreto presidencial e por portarias do Ministério da Justiça e da Funai – atualmente, como já referido anteriormente, as demarcações são regulamentadas pelo Decreto 1775/1996 e pela Portaria 14/1996 (editados no período do presidente Fernando Henrique Cardoso e do ministro da Justiça Nelson Jobim).
No procedimento de demarcação de terras está contemplado o direito do contraditório, ou seja, aquelas pessoas ou grupos que se sentem prejudicados ou que não concordam com as demarcações podem se manifestar e apresentar suas razões, que serão analisadas pela Funai e pelo Ministério da Justiça e, além disso, podem questionar as demarcações no âmbito do Poder Judiciário.
No Rio Grande do Sul há um maior tensionamento na região Norte do estado, onde demarcações de terras podem incidir sobre áreas concedidas a agricultores no processo de colonização do estado, especialmente no início do século XX, onde os povos indígenas foram expulsos e ou removidos de suas áreas com o aval ou a mando do próprio estado. Por isso, há a responsabilidade do estado do Rio Grande do Sul pelos conflitos e na busca de solução.
As soluções passam necessariamente pela indenização dos agricultores que estão sobre terras identificadas como indígenas – pelas benfeitorias (aqueles bens que eles constituíram sobre as terras) e pela inclusão no programa de reassentamento do Incra (em outras terras e de acordo com os módulos rurais, que no RS são superiores a 18 hectares) e devem ser indenizados pelo valor das terras, naqueles casos em que o estado tem responsabilidade na concessão dos títulos aos agricultores. Conforme a Constituição Federal, as terras indígenas são bens da União e os títulos que incidem sobre elas são declarados nulos. Isso significa que quando uma terra indígena é demarcada os ocupantes não indígenas devem ser reassentados em outras terras e para isso o governo poderá desapropriar áreas ou comprar terras e proceder o reassentamento das famílias dos agricultores. No Rio Grande do Sul, de acordo com dados do Incra estão à disposição 210 mil hectares para reassentamentos de famílias afetadas pelas demarcações de terras.
Por fim é necessário esclarecer que no Rio Grande do Sul nem se pode afirmar ao certo quantas terras e quantos hectares estão sendo reivindicados pelos povos e comunidades indígenas porque a Funai não realizou todos os estudos de identificação e delimitação das terras reivindicadas. De acordo com os dados do Cimi, são aproximadamente 117.091 hectares de terras demarcadas ou em demarcação. Habitam em acampamentos improvisados e nas margens das rodovias 23 acampamentos de comunidades Kaingang e Guarani. Estima-se que mais de 900 famílias vivem nestas condições de vulnerabilidade e violência.
IHU On-Line – Quais são hoje os maiores conflitos envolvendo agricultores e indígenas no RS?
Roberto Liebgott – Os maiores conflitos estão relacionados, em minha opinião, a três fatores: há interesses de grupos estrangeiros nas terras indígenas e isso explicaria o empenho de ONGs e entidades indigenistas (de assessoria aos índios) na defesa das demarcações; se trata de ter muita terra para os “índios”, porque estes “não trabalham” e/ou porque arrendam as terras que possuem; que não se pode, a pretexto de demarcar terras para índios, cometer injustiças com os agricultores que alimentam a população.
Em relação ao primeiro fator, de que nos movimentos em defesa das demarcações de terras indígenashaveria algum tipo de complô de interesses estrangeiros contra a nação, basta lembrarmos que as terras indígenas são bens da União, que devem ser protegidas e resguardadas ao uso exclusivo dos povos indígenas. Este dispositivo legal é suficiente para mostrar que, se há interesses estrangeiros sobre terras brasileiras, certamente as áreas indígenas seriam as menos suscetíveis, porque qualquer investimento sobre elas, que não possua a autorização do Congresso Nacional, é considerado ilegal.
O segundo fator que se sustenta na ideia de que “é muita terra para poucos índios” filia-se a um entendimento de que as terras são recursos necessários ao desenvolvimento nacional, regional, local e que, por isso, devem ser produtivas (dentro de uma lógica desenvolvimentista e unilateral). Nessa direção, indaga-se sobre o porquê de os índios quererem “tanta terra” acionando-se uma lógica racista a partir da qual se avaliam as formas de viver e de trabalhar de todos os povos e culturas a partir dos critérios ocidentais e de uma racionalidade neoliberal, tomada como universal. Por essa ótica racista, só trabalha quem efetivamente faz a terra “produzir”, quem atua sobre ela aproveitando seus potenciais; em oposição, aqueles que desenvolvem uma relação mais respeitosa com o ecossistema e uma atitude preservacionista são vistos como sujeitos que não trabalham, não têm ambição, não sabem dar valor (econômico) à terra.
Se um estado não consegue se desenvolver com 99,5% de seu território, que diferença farão esses 0,5% que correspondem às terras indígenas?
A alegação de que se trata de muita terra para os índios pode ser contestada com o seguinte dado: o total de terras pleiteadas pelos povos indígenas no Rio Grande do Sul não passa de 0,5% da área do estado. De forma recorrente, lideranças Kaingang têm indagado, em momentos de reflexão: se um estado não consegue se desenvolver com 99,5% de seu território, que diferença farão esses 0,5% que correspondem às terras indígenas?
O terceiro fator pode ser desnaturalizado, pois trata-se da ideia corrente de que, a pretexto de demarcar terras para índios, não se poderia cometer injustiças com os agricultores que produzem o alimento da população. Para entender essa questão, é necessário retomar alguns aspectos históricos que nos levam à situação atual, em que índios e agricultores disputam as mesmas terras.

Ocupação territorial

Nas primeiras décadas do século XX, sob argumentos positivistas e desenvolvimentistas, os governos empenharam-se em promover a ocupação territorial e a colonização de espaços considerados “devolutos”. Neste período, a literatura sobre o tema registra a ocorrência de inúmeras práticas de “limpeza étnica”, a partir das quais aldeias inteiras foram exterminadas. Centenas de outras comunidades foram expulsas de suas terras tradicionais e despejadas em outras localidades. Tais remoções forçadas ao longo da história originam os conflitos contemporâneos, posto que são estas as terras, loteadas e vendidas pelo governo do estado do Rio Grande do Sul em décadas anteriores, que agora estão sendo pleiteadas para demarcação. Tanto do lado dos povos indígenas e quilombolas, quanto do lado dos agricultores (que hoje residem sobre as terras), há muitos homens e mulheres que vivenciaram aquele período e que relatam os acontecimentos, indicando que nas terras pleiteadas para demarcação existem indícios materiais da presença indígena e de quilombos, como cemitérios, destroços de antigas moradias, restos de artefatos utilizados para caça, entre outros.
IHU On-Line – Como a discussão das demarcações de terras indígenas está sendo conduzida no STF?
Roberto Liebgott – Ao longo dos últimos anos os Povos Indígenas e suas organizações têm se movimentado intensamente no sentido de propor aos Poderes Públicos o respeito às regras constitucionais sobre demarcação de terras. Isso porque desde o julgamento do caso Raposa Serra do Sol ocorre um certo oportunismo político-jurídico daquela decisão, em que se propõe uma reinterpretação daquele julgamento, tentando, politicamente, fazer valer aquela decisão para outros casos, inclusive para os não judicializados. Há, portanto, no meu modo de entender, uma tentativa – inclusive de juízes de primeiro grau e de desembargadores, em função de suas concepções ideológicas – de subverter o direito dos povos indígenas impondo a tese do marco temporal e do renitente esbulho para atender reivindicações daqueles que fazem oposição aos povos indígenas tendo, como horizonte, a liberação das terras para a sua exploração econômica. Neste sentido é importante que o STF defina, de forma enfática, que nas demandas e discussões envolvendo demarcação de terras, a Constituição Federal é a orientadora e não o que (de forma anômala) se interpreta dela a partir de um julgamento que não teve efeito vinculante.
IHU On-Line – Qual foi a repercussão da publicação do parecer?
Roberto Liebgott – Há uma grande repercussão contra esse parecer, especialmente no campo indigenista. Entidades, juristas, como Dalmo Dallari, e as organizações indígenas estão se manifestando contra essa manobra do governo porque, mais uma vez, utiliza os direitos indígenas como moeda de troca no sentido de se sustentar no poder. Vamos lutar contra essa proposição e exigir que a Suprema Corte do país esteja – neste contexto sociopolítico e econômico conturbado do país – voltada para as garantias dos direitos fundamentais dos cidadãos e, no caso dos direitos indígenas, que a Corte se paute pela manutenção das garantias expressamente estabelecidas pela Constituição Federal de 1988. Nenhum direito a menos.
Nota: 

(EcoDebate, 31/07/2017) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]