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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

As mudanças climáticas têm impacto na magnitude das inundações na Europa

A mudança climática afeta as inundações na Europa


inundação na Europa
Foto: European Commission

Um grande projeto de pesquisa internacional liderado por TU Wien (Viena) demonstrou pela primeira vez que as mudanças climáticas têm um impacto na magnitude das inundações dos rios.
Por Florian Aigner * **
Os rios transbordantes podem causar enormes prejuízos: em todo o mundo, o dano anual causado pelas inundações dos rios é estimado em mais de 100 bilhões de dólares – e continua a aumentar. Até agora não ficou claro como as mudanças climáticas influenciam a magnitude das inundações dos rios. Não havia padrões aparentes.
O especialista austríaco em inundação Prof. Günter Blöschl de TU Wien (Viena) liderou um grande estudo internacional envolvendo um total de 35 grupos de pesquisa que fornece evidências claras de que mudanças na magnitude dos eventos de enchentes observadas nas últimas décadas podem ser atribuídas à mudança climática. No entanto, as mudanças climáticas não têm o mesmo efeito sobre as inundações em todos os lugares: no noroeste da Europa, as enchentes estão se tornando cada vez mais severas, na Europa meridional e oriental tendem a diminuir, embora em pequenas bacias possam aumentar. Os resultados do estudo foram publicados na revista Nature .
A mudança climática é um fator crucial
“Nós já sabíamos da nossa pesquisa anterior que as mudanças climáticas estão mudando o tempo das inundações em um ano”, diz Günter Blöschl. “Mas a questão-chave é: a mudança climática também controla a magnitude dos eventos de inundação? Até agora, os dados disponíveis não foram suficientes para determinar se este é o caso ou não. Examinamos agora esta questão em grande detalhe e podemos dizer com confiança: Sim, a influência da mudança climática é clara “.
Para o estudo, os dados de 3.738 estações de medição de inundação na Europa de 1960 a 2010 foram analisados: “Por muito tempo foi assumido que a mudança climática está tendo um impacto na magnitude das águas da inundação porque uma atmosfera mais quente pode armazenar mais água” “explica Günter Blöschl. “No entanto, este não é o único efeito, as coisas são mais complicadas.”
Na Europa central e norte-ocidental, entre a Islândia e a Áustria, as magnitudes de inundação estão aumentando porque a precipitação está aumentando e os solos estão se tornando mais úmidos. No sul da Europa, por outro lado, os níveis de inundação estão diminuindo, já que as mudanças climáticas resultam em declínio na precipitação e as temperaturas mais altas causam o aumento da evaporação da água no solo. No entanto, para pequenos rios, as inundações podem realmente aumentar devido a frequentes tempestades e desmatamento. No clima mais continental da Europa Oriental, as magnitudes das inundações tendem a diminuir devido a pacotes de neve mais rasos no inverno associados a temperaturas mais altas. “Os processos diferem em toda a Europa – mas todos os padrões regionais correspondem bem aos impactos previstos das mudanças climáticas”, diz Blöschl, “Isso nos mostra que já estamos no meio das mudanças climáticas.
Grandes mudanças
A magnitude das mudanças é notável: elas variam de um declínio de 23,1% por década (em relação à média de longo prazo) a um aumento de 11,4% por década. Se estas tendências continuarem no futuro, podem ser esperados efeitos importantes sobre o risco de inundações em muitas regiões da Europa.
Günter Blöschl defende a inclusão desses resultados nas estratégias de gestão de inundações: “Independentemente dos esforços necessários para a mitigação da mudança climática, veremos os efeitos dessas mudanças nas próximas décadas”, diz Blöschl. “O gerenciamento de enchentes deve se adaptar a essas novas realidades.”
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* Com informações do Prof. Günter Blöschl, Institute of Hydraulic Engineering and Water Resources Management, TU Wien
** Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.

Referência
Changing climate both increases and decreases European river floods
Günter Blöschl, Julia Hall, […]Nenad Živkovi
Nature (2019)
DOI https://doi.org/10.1038/s41586-019-1495-6

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/08/2019
As mudanças climáticas têm impacto na magnitude das inundações na Europa, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/08/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/08/29/as-mudancas-climaticas-tem-impacto-na-magnitude-das-inundacoes-na-europa/.


Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos


“Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos”. Entrevista com Herve Kempf

IHU

poluição do ar

Herve Kempf é um jornalista francês especializado em meio ambiente. Trabalhou no jornal parisiense Le Monde e é atualmente editor-chefe da revista Reporterre, especializada em questões ecológicas. Algumas de suas obras tiveram grande repercussão, como: Para salvar o planeta, liberte-se do capitalismo (2010) e Como os ricos destroem o planeta (2011).
Mirador Provincial falou exclusivamente com esse notável pensador e referência em sua matéria a nível mundial. Kempf estava de férias no interior da França, no departamento de Lozera, no Sul desse país. Após tentativas frustradas via Skype e outra via WhatsApp, o jornalista nascido em Amiens (150 quilômetros ao norte de Paris) respondeu as perguntas por e-mail.
A entrevista é de Hernán Alvarez, publicada por Mirador Provincial, 26-08-2019. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Você escreveu vários livros. O último é de 2013. Quais foram as questões que mudaram de 2013 para cá, em relação ao capitalismo e ao consumismo?
O que é louco é que, apesar da crise financeira de 2008, que emergiu de uma incrível especulação bancária, o sistema capitalista permaneceu essencialmente inalterável e não é questionado de forma alguma. O que mudou é que as evidências de catástrofes ecológicas se tornam cada vez mais evidentes, ano a ano. O capitalismo se tornou cada vez mais autoritário e repressivo, com líderes como Donald Trump, nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro, no BrasilNarendra Modi, na Índia, mas também Emmanuel Macron, na França, que reprime violentamente movimentos de protesto, como os coletes amarelos.
As tensões sociais estão aumentando devido à degradação ecológica, desigualdades que estão se tornando insuportáveis e ataques à liberdade cometidos por regimes autoritários e capitalistas. Revoltas em Hong Kong, Rússia, França com coletes amarelos, Argélia. O movimento juvenil por uma política climática real está crescendo, pelo menos na Europa.
Você escreveu que o capitalismo não pode mais existir. Quais são as alternativas políticas ao capitalismo no século XXI?
Ou o capitalismo autoritário permanece em seu lugar e nos conduz ao caos ecológico, que nos leva a situações sociais muito duras, onde uma minoria dos ricos tentará manter seus privilégios, ao confinar o resto da humanidade à pobreza. Ou podemos sair desse sistema mortal reduzindo bastante as desigualdades e procurando uma economia de baixo consumo de material. A chave seria consumir menos e compartilhar mais.
As ondas de calor na França ajudam a aumentar a conscientização sobre o desastre que este modelo econômico está causando?
Sim, absolutamente. As pessoas estão se conscientizando de que são as mudanças climáticas. Não é mais uma teoria. Tornou-se um fenômeno que afeta a vida cotidiana.
Essas claras advertências ajudam as pessoas a ficarem mais conscientes?
Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos, como a onda de calor na Europa, neste verão de 2019, os gigantescos incêndios florestais na Sibéria (quando fizemos essa matéria, os incêndios na região amazônica não haviam sido deflagrados), inundações na Índia. A sociedade está mais consciente do fenômeno da degradação ecológica e climática, mas infelizmente as classes dominantes parecem surdas e cegas.
Na sua opinião, países como Índia e China devem estabelecer leis para reduzir o crescimento populacional?
Índia e China são grandes países e um europeu não deve lhes dizer o que devem fazer. O melhor que os países europeus têm a fazer é ser o mais ambientalmente amigável possível, para mostrar que a prosperidade e o respeito pelos limites do planeta andam de mãos dadas. Este seria um exemplo mais claro do que qualquer conselho que fosse dado por outros.
Você se considera um objetor do crescimento. O que é isso?
Isso significa que o crescimento econômico não pode continuar. Porque? Porque o que mede o aumento, o produto interno bruto (PIB), não leva em conta o ambiente natural, que se tornou exponencialmente frágil e que os seres humanos devem usar inevitavelmente. O PIB se tornou um instrumento enganoso do estado real da economia, que não pode mais esquecer a natureza. Portanto, buscar seu crescimento é perigoso e prejudicial.
Os meios de comunicação podem mudar a imagem positiva que o consumismo possui?
A primeira coisa que os meios de comunicação podem fazer seria … parar de publicar publicidade! A publicidade é realmente a primeira maneira pela qual o consumismo é imposto a todos. Sem publicidade, no entanto, o sistema dos meios de comunicação terá que ser transformado, porque a publicidade é atualmente uma das principais fontes de financiamento. Mas, é possível, e realmente traz mais leitores. Na França, somos alguns meios de comunicação, como Mediapart e Reporterre, o site que administro, que vivemos sem publicidade e somos financiados pelos leitores.
Este século é crucial em termos ecológicos?
É vital. E ainda mais as primeiras décadas deste século. Se falharmos em parar rapidamente o crescimento das emissões de gases do efeito estufa e a destruição dos ecossistemas, não tenho dúvidas de que a sociedade humana global entrará em problemas graves.
Como é possível romper o círculo do capitalismo de produção, vendas e consumo?
Não sei. Parece tão poderoso que não vejo uma saída. Mas, em 1988, quem teria dito que três anos depois a União Soviética deixaria de existir?
A classe média está silenciada e ontrcolada em muitos países?
Está muito fortemente influenciado pelos meios de comunicação, que estão em grande parte nas mãos de bilionários com interesses financeiros. Os meios de comunicação a fizeram sonhar com uma melhora no padrão de vida. Então, quando isso não é cumprido e as pessoas começam a desafiar o sistema, é onde se usa a repressão.
O que o cidadão comum pode fazer para mudar essa situação?
Cultivar sua liberdade de consciência e seu olhar crítico. Conseguir o máximo de informações possível dos meios de comunicação independentes das forças financeiras. E se comprometer com movimentos ecológicos, políticos e sociais. Ou pelo menos apoiá-los.

Argentina, agricultura, desigualdade …

Aqui, na Argentina, a agricultura é feita principalmente com muitos herbicidas. Quais são as opções para esse modelo?
A agricultura orgânica está progredindo cada vez mais. Está provando que é uma resposta confiável aos desafios agrícolas. Mas isso, obviamente, implica uma mudança no sistema. Muito menos produtos e máquinas e mais trabalho humano. Essa evolução implica que consideremos propriedades agrícolas com áreas menores, o que sem dúvida implica em reforma agrária. A agricultura orgânica não é adequada para grandes propriedades.
Como um país como a Argentina pode mudar seus problemas de pobreza, sem crescer economicamente?
Não conheço a Argentina o suficiente para dar uma opinião precisa. Mesmo antes da questão do crescimento, há um problema de distribuição de riqueza, porque o nível de desigualdade na Argentina é muito alto, embora menor do que no Brasil e Chile. Idealmente, se deveria buscar um crescimento moderado e estável, com uma distribuição muito melhor da riqueza e um movimento em direção a uma agricultura, transporte e política energética mais amigável com o meio ambiente.
(EcoDebate, 29/08/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

EcoDebate - Edição 3.273 de 29 / agosto / 2019


Desejamos a todos(as) um bom dia e uma boa leitura
Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Catástrofe: este é o cenário provável na Mina Guaíba (RS)


Projeto Mina Guaíba www.projetominaguaiba.com.br
Projeto Mina Guaíba www.projetominaguaiba.com.br

Uma audiência pública promovida pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul (MP-RS) na noite de terça-feira (20), em Porto Alegre, debateu a viabilidade de implantação do projeto Mina Guaíba e teve a presença de autoridades e ambientalistas de vários lugares do país. Caso o projeto for autorizado, será a maior área de extração de carvão mineral a céu aberto do Brasil. Isso também acarretará em uma concentração de poluentes em Porto Alegre que pode ultrapassar em até 241% o permitido pela legislação ambiental – dados levantados pela própria Copelmi, dona do empreendimento.
Por Laura Moreira Sliva
Renan Andrade, gestor ambiental e consultor da 350.org Brasil, afirma que, caso a mina entre em funcionamento, o cenário pode sair do controle.
“Com a mina ativa, haverá contaminação do lençol freático e do Rio Jacuí. Fora outros acidentes que muito provavelmente acontecerão, pois a área onde pretende-se criar o empreendimento é muito grande e peculiar. Ela oferece serviços ambientais em ecossistemas complexos que deveriam ser estudados com mais seriedade. O cenário pode se tornar catastrófico”, alerta Andrade.
A futura mina de carvão ficará a menos de 17 km do centro de Porto Alegre, portanto, segundo especialistas, o empreendimento poderá afetar toda a população dos arredores. Luiz Afonso Rosário, consultor técnico ambiental e de comunidades tradicionais da 350.org Brasil e da Coalizão Não Fracking Brasil alerta: “o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), não estão prevendo as barreiras geoquímicas para conter os elementos particulados que virão pela força do vento, o que vai ocasionar chuva ácida e a piora significativa da qualidade do ar de toda a região”.
Além disso, o próprio Estudo de Impacto Ambiental para a Mina Guaíba teria diversas falhas e não levaria em consideração o verdadeiro bioma do local a ser explorado.
“Nós podemos identificar inúmeras falhas dentro desse procedimento de Estudo de Impacto Ambiental realizado pela Copelmi [empreendedora]. Dentre os quais, o primeiro e mais flagrante é que todo o estudo está voltado para o bioma Pampa. Mas a área da futura mina é uma região especificamente de transição entre o bioma Mata Atlântica e o bioma Pampa. Então, neste caso, há uma legislação muito mais severa e de muito mais cuidados adicionais. E isso não foi observado dentro do Estudo de Impacto Ambiental”, denuncia o consultor técnico ambiental.
Impacto no Aquífero Rio Bonito
A região na qual pretende-se criar a mina possui incidência de terrenos extremamente molhados, conhecidos popularmente como charques.
“A Copelmi não possui experiência em extrair carvão em terras úmidas, só em terras secas. Essa situação toda levará, como já foi comentado, à contaminação do Aquífero Rio Bonito, que é a salvaguarda de Porto Alegre em caso de uma crise hídrica. Ele poderá ser completamente comprometido”, alerta o consultor pelo meio ambiente.
Questionada em uma coletiva para a imprensa se o projeto poderá afetar a água que abastece a população de Porto Alegre, a promotora Ana Marchesan, que mediou a audiência, afirmou que “é uma reserva de água doce importante que podemos perder”.
Não há tecnologia segura
“Não há tecnologia segura”, afirmaram os ambientalistas durante a audiência. “Se, com o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, ambas pertencentes à poderosa Vale do Rio Doce, os resultados de indenização às vítimas e aos impactados até agora não foram alcançados passados mais de três anos, o que seria se o cenário fosse com a Copelmi, que é uma microempresa em relação à Vale do Rio Doce?”, questionaram.
Desapropriação de terra
O procurador do Ministério Público Federal, Pedro Mousa Saco, declarou para a imprensa , que uma das principais falhas da Copelmi foi não ter consultado as comunidades que serão atingidas pela Mina Guaíba e nem ter incluído essa população no Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima).
Para a Mina Guaíba ser colocada em prática, 107 famílias do loteamento Guaíba City serão removidas de suas terras. Além disso, os produtores de arroz orgânico do assentamento Apolônio de Carvalho também terão suas terras desapropriadas.
O consultor da 350.org Brasil, Luiz Afonso, critica essa ação: “nos dias atuais, não podemos falar em desocupação forçada de comunidades já estabelecidas a mais de cinquenta anos. Nem tampouco a premissa de remover os produtores do assentamento Apolônio de Carvalho, que são detentores da maior safra de arroz orgânico do país. Isso é inaceitável”.
Falta de comunicação com a população local
Outra falha considerada gritante pelos ambientalistas foi a falta de inclusão do povo indígena Guarani, localizado a menos de dois mil metros da futura mina, nos Estudos de Impacto Ambiental. O mesmo aconteceu com o povoado de mais de mil pescadores artesanais que exerce sua atividade no Rio Jacuí.
Quando a audiência abriu o momento para falas da população, o vice-cacique Alex, da aldeia guarani Guajyvi, de Charqueadas, falou sobre a falta de contato dos empreendedores com seu povo: “eu não sabia que tinha alguns brancos pensando assim. Lá na aldeia a gente não foi informado que ia ter mina. Digo alguns brancos porque vejo aqui também outros brancos combatendo os poderosos. Através dos deuses a gente acredita que a mina não vai sair”.
Pressa com a licença ambiental
Em coletiva para a imprensa realizada antes da audiência pública, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), declarou esforços do governo para facilitar o licenciamento ambiental, o que pode ser preocupante quando se observa a situação da Mina Guaíba, na qual há um embate entre população, mineradora e autoridades.
“Estamos aqui apresentando uma agenda importante na redução da burocracia especialmente ligada às questões de licenciamento ambiental, é uma questão de modernização do Estado à legislação nacional. Nós estamos propondo uma licença de adesão e compromisso, onde há regramentos claros. A gente acredita que, o empreendedor preenchendo o questionário e os documentos estiverem de acordo com o solicitado, em 24h ele já possa instalar e empreender”, declarou o governador.
Questionado se a Mina Guaíba entraria nesse novo processo de licitação ambiental, o governador não deixou claro, apenas afirmou que “o Conselho Estadual do Meio Ambiente vai fazer uma análise para resolver quais empreendimentos entram na licença de adesão e compromisso e quais não”.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/08/2019
Catástrofe: este é o cenário provável na Mina Guaíba (RS), in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/08/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/08/27/catastrofe-este-e-o-cenario-provavel-na-mina-guaiba-rs/.

Com aprovação de mais agrotóxicos à base de Sulfoxaflor, apicultores temem novo extermínio de abelhas


Última leva de aprovações do governo Bolsonaro incluiu seis produtos com Sulfoxaflor; pesticida é apontado como causador de morte de enxames

abelha morta

A Pública
Se o número de abelhas mortas desde o final do ano passado assusta – foram mais de 500 milhões em três meses –, apicultores brasileiros se preparam para uma realidade ainda pior este ano.
Isso porque, além dos agrotóxicos que já causam mortandade segundo diversos estudos, o governo de Jair Bolsonaro aprovou nada menos que seis produtos à base de Sulfoxaflor, ingrediente ativo que causa polêmica nos Estados Unidos e Europa devido ao potencial risco às abelhas.
“Estamos ainda mais preocupados agora devido à aprovação de tantos pesticidas neste ano”, conta Professora aposentada de química na Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidente e sócia-fundadora da Associação dos Apicultores do Estado de Goiás (Apigoiás), Maria José Almeida. “No Centro Oeste, mais mortes ocorrem na época da dessecação da soja, que começa agora. Aplicam venenos altamente tóxicos para as abelhas, e o resultado são apiários inteiros mortos. No último ano chegamos a pegar pelo estado entre 60 e 80 caixas com todas as abelhas mortas”. Cada caixa pode abrigar entre 30 mil e 100 mil abelhas. “Na nossa região são muitas as causas de morte de abelhas. A associação foi criada em 1980, e sempre foi algo comum termos casos onde morrem um enxame ou outro, mas nunca na proporção que vem ocorrendo nos últimos anos”, diz.
Em Pernambuco, a situação é semelhante. No começo do mês, o Ministério Público estadual recebeu denúncia de mortandade de abelhas no Vale do Rio São Francisco. Segundo a Associação dos Criadores de Abelhas de Petrolina, há três anos, os 32 associados retiravam anualmente cerca de 30 toneladas de mel, número que caiu para 20 toneladas.
Os apicultores ouvidos pela reportagem reclamam que os inseticidas relacionados ao massacre do último ano, o Fipronil e os neonicotinoides Clotianidina, Imidacloprid e o Tiametoxam, ainda continuam no mercado, sem a conclusão da Avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental (PPA) feita pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Além disso, a chegada de pesticidas à base de Sulfoxaflor ao mercado brasileiro também preocupa. Trata-se de um produto que faz parte do grupo químico das sulfoxaminas, desenvolvido pela Dow AgroSciences desde 2013. Rapidamente, o inseticida tornou-se um fenômeno de vendas, aprovado em mais de 80 países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e China.
No Brasil, o produto técnico Sulfoxaflor teve a aprovação publicada no 1º ato de 2019 da Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura. Segundo o governo, o ingrediente ativo foi aprovado no ano passado, pelo antigo Governo, mas a publicação no Diário Oficial ocorreu apenas em 10 de janeiro.
Já em 22 de julho, seis produtos agrotóxicos à base de Sulfoxaflor obtiveram a permissão para serem comercializados. Eles foram classificados como “medianamente tóxicos” e “perigosos ao Meio Ambiente” e liberados para as culturas de algodão, citros, feijão, melão, melancia, soja, tomate e trigo.
Os novos agrotóxicos chegarão às lojas com os nomes Verter SC, Exor SC, Closer SC, Exor, Verter, Closer, todos comercializadas pela Corteva Agriscience — empresa que antes pertencia à gigante DowDupont (fusão da Dow AgroSciences com a Dupont) mas que foi desmembrada e se tornou, este ano, um braço independente para cuidar apenas da área agrícola, incluindo agrotóxicos. No entanto, apesar de a comercialização ser feita pela Corteva, as patentes dos produtos são da Dow, que fez o pedido antes da fusão. A Agência Pública e Repórter Brasil perguntaram à Corteva quando os produtos chegarão aos prateleiras, mas, alegando motivos comerciais e estratégicos, a empresa não revelou a data de lançamento.
Estudos são sigilosos
Para evitar o impacto nas abelhas, o Ibama impôs regras para o uso do Sulfoxaflor. Entre elas, a restrição de aplicação em períodos de floração das culturas, o estabelecimento de dosagens máximas do produto e de distâncias mínimas de aplicação em relação à bordadura para a proteção de abelhas não-apis, sem ferrão funcional. Essas restrições constarão na rotulagem dos produtos e são estabelecidas de acordo com cada ingrediente e cultura.
“Do ponto de vista da saúde humana, o Sulfoxaflor está entre os inseticidas 20% menos tóxicos hoje aprovados. Há um possível impacto sobre insetos polinizadores, por isso a importância da avaliação do Ibama. Foram apresentados estudos técnicos sobre o impacto dos resíduos nas abelhas para determinar o que pode ou não ser aprovado. O Ibama tem a liberdade técnica de aprovar ou reprovar o produto ou estabelecer restrições de uso que garantam a segurança para os insetos polinizadores”, explicou à reportagem o coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins da Secretaria de Defesa Agropecuária, Carlos Venâncio.
Para entender melhor os potenciais impactos, a reportagem solicitou via Lei de Acesso à Informação ao Ministério do Meio Ambiente os estudos técnicos do Sulfoxaflor, mencionados pelo coordenador. O pedido foi negado pelo órgão, com base na Lei 10.603 de 2002, que estabelece que novos produtos aprovados para comercialização têm proteção de 10 anos de sigilo nas informações.
Tanto o Sulfoxaflor quanto pesticidas neonicotinóides funcionam atingindo o sistema nervoso central dos insetos. A professora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB), Cristina Schetino explica que, no caso dos neonicotinóides, o efeito nas abelhas ocorre alterando a capacidade de aprendizagem e memória. Algumas inclusive não conseguem encontrar o caminho de volta para a colmeia.
“O Sulfoxaflor, portanto, vem sendo considerado como uma alternativa aos neonicotinóides, que foram banidos de vários países, tendo em vista seu reconhecido impacto sobre polinizadores. Uma das vantagens atribuídas ao Sulfoxaflor está no fato de que ele apresenta residual mais curto: após 5 dias da aplicação, a concentração residual do chega a cair em até 20 mil vezes”, diz Cristina Schetino. Porém, diz ela, estudos recentes já mostram consequências do uso do Sulfoxaflor nas abelhas.
O principal deles é de 2018, feito por professores da Universidade de Holloways, em Londres, e publicado na revista científica Nature, alertando para os riscos do Sulfoxaflor para as abelhas. No experimento, abelhas Bombus terrestris, conhecida no Brasil como mamangaba-de-cauda-amarela-clara, foram submetidas ao inseticida, o que levou a uma redução da capacidade de reprodução e da taxa de crescimento das colônias.
A especialista acrescenta que existem riscos na aplicação mesmo fora da época de floração. “Há espécies vegetais, que também têm glândulas de nectário nas folhas, tornando-as atrativas para as abelhas até mesmo na época onde só há a planta”, explica.
Por meio da assessoria de imprensa, a Corteva Agriscience enviou nota à Agência Pública e Repórter Brasil garantindo que os produtos à base de Sulfoxaflor que chegarão ao mercado brasileiro passaram por todos os testes necessários. “Foram realizados pela companhia diversos estudos laboratoriais para avaliar a toxicidade aguda e crônica para abelhas adultas e larvas; estudos de resíduos em néctar e pólen; e análise sobre o impacto em colônias de abelhas. Os estudos conduzidos seguiram as normas de qualidade reconhecidas internacionalmente e comprovaram que não há efeitos sobre o desenvolvimento das colônias de abelhas quando expostas aos resíduos de pólen e néctar”, escreveu a companhia.
“A empresa enfatiza, ainda que, antes de solicitar o registro de qualquer um de seus produtos, realiza uma série de pesquisas para averiguar o desempenho de suas novas tecnologias, avaliando, inclusive, todo possível impacto ambiental. Dessa maneira, a companhia assegura que, quando usado de acordo com as recomendações da bula, Sulfoxaflor não representa risco para as abelhas”, afirma a nota.
Questionados na justiça, produtos da Dow Agrosciences voltam ao mercado durante governo Trump
Desde 2015, o Sulfoxaflor está envolvido em polêmicas. Naquele ano, organizações que defendem abelhas levaram ao Tribunal de Apelações de São Francisco, nos Estados Unidos, a denúncia de que o uso do inseticida estaria ligado ao extermínio de abelhas, pedindo a suspensão da venda de produtos à base do químico. Segundo a Agência de Proteção Ambiental Americana (EPA), “o tribunal considerou que o registro não era apoiado por evidências que demonstrassem que o produto não era prejudicial às abelhas, e por isso retiraram o registro”.
Mas o produto não ficou muito tempo longe das prateleiras. Em 2016, a EPA aprovou uma nova licença, com requisitos adicionais para proteger as abelhas. A partir daí, o produto passou a ser proibido para culturas de sementes, e só pode ser utilizado em plantações que atraem abelhas após a época do florescimento.
Três anos depois, veio uma nova decisão. Em julho de 2019, já no governo de Donald Trump, a EPA expandiu a liberação de uso do Sulfoxaflor para mais culturas. A agência concluiu que o pesticida desaparece da atmosfera mais rápido do que as demais alternativas utilizadas, diminuindo assim os riscos para os enxames.
A nova decisão rendeu protestos de organizações da sociedade civil americana e levantou suspeitas – especialmente porque a Dow AgroSciences, que detém a patente do Sulfoxaflor e é ligada à Corteva, doou US$ 1 milhão para garantir as festividades da posse de Trump, segundo reportagem publicada pela Associated Press em 2017. A reportagem revelou também que o CEO da Dow, Andrew Liveris, é amigo pessoal do presidente americano.
Agrotóxicos demoram a sair do mercado
Em março, a reportagem da Agência Pública e da Repórter Brasil mostrou que uma das principais ações do governo para resolver o problema da mortandade de abelhas é a reavaliação de agrotóxicos relacionados aos casos.
O Ibama iniciou o processo em 2012, com a reavaliação do neonicotinoides Imidacloprid, o mais usado do grupo. Simultaneamente, o Instituto está reavaliando também os neonicotinoides Clotianidina e o Tiametoxam, e ao fim dos três processos iniciará os testes com o Fipronil.
Em outubro de 2017 o Ibama respondeu ação civil pública na 9ª Vara Federal de Porto Alegre, que dava o prazo de seis meses para a autarquia concluir as reavaliações. O Ibama respondeu ter dificuldade para concluir o processo no prazo. A equipe que realiza as reavaliações é composta por apenas cinco analistas ambientais: três biólogos, um químico e um zootecnista.
Cinco meses após a publicação da reportagem, os processos de reavaliação ainda não foram concluídos. Nem Ibama nem Ministério do Meio Ambiente deram alguma previsão de encerramento da reavaliação dos neonicotinoides.
Pressão do Ministério Público e da sociedade
Enquanto o processo de revisão dos agrotóxicos apontados como vilões das abelhas segue em andamento na esfera federal, há pressão nos demais poderes e da sociedade civil. A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre encaminhou no dia 14 de agosto pedido de suspensão para que o Governo do Rio Grande do Sul avalie a possibilidade de restrição do uso do inseticida Fipronil no estado, através da suspensão provisória do registro do produto no Cadastro Estadual de Registro de Agrotóxicos – 400 milhões de abelhas foram mortas no Estado em apenas três meses, conforme revelaram Agência Pública e Repórter Brasil.
Em junho deste ano o Ministério Público do Rio Grande do Sul estadual propôs que as empresas produtoras do inseticida suspendessem voluntariamente a comercialização de produtos à base de Fipronil no estado. As multinacionais Basf e a Nufarm concordaram. “O fato é significativo porque, mesmo que outras tantas não concordassem com a proposição ancorada apenas na questão de que o princípio ativo possui registro, duas das maiores produtoras reconhecem, especificamente pela mortandade de abelhas, os danos que a versão foliar do Fipronil representa”, destacou promotor de Justiça Alexandre Saltz no pedido de suspensão.
“Impõe-se avançar na limitação da sua comercialização e uso, especialmente às vésperas do início da safra”, concluiu.
O Fipronil age nas células nervosas dos insetos e, além de utilizado contra pragas em culturas como maçã, soja e girassol, é usado até mesmo em coleiras antipulgas de animais domésticos. Muitas vezes esse veneno é aplicado em pulverização aérea, o que o expõe diretamente as abelhas. Um estudo feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2018 analisou 30 casos de grandes baixas em enxames no estado. Os resultados mostram que cerca de 80% ingeriram ou tiveram contato com Fipronil antes de sucumbir.
“Estamos animados com essa movimentação judicial. O Fipronil é o maior matador de abelhas. Usar ele na época da florada é um grave crime ambiental”, conta o apicultor Salvador Gonçalves, presidente da Apicultores de Cruz Alta (Apicruz).
O município gaúcho foi um dos que mais sofreu com mortes de abelhas — mais de 20% de todas as colmeias foram perdidas apenas entre o Natal de 2018 e o começo de fevereiro deste ano. Cerca de 100 milhões de abelhas apareceram mortas, segundo levantamento da Apicruz.
Mas a repercussão das denúncias chamou atenção para o problema. Em maio, o Greenpeace lançou a #SalveAsAbelhas, um abaixo assinado contra o extermínio de polinizadores por uso de agrotóxicos — foram 10 mil assinaturas de apoio em uma semana.
Quase um ano depois, o sentimento é de esperança de que a repercussão traga mudanças efetivas. “Dentro de alguns dias começa a dessecagem nas lavouras de milho, então estamos muito preocupados. Mas houve uma sensibilização muito grande por parte dos produtores rurais que nos faz esperar uma diminuição da mortandade de abelhas neste período de primavera”, diz Salvador Gonçalves.
Em resposta, o setor de defensivos agrícolas, sob governança do Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), criou o Colmeia Viva, um movimento para incentivar o diálogo entre agricultores e criadores de abelhas. O grupo coloca como um dos objetivos promover o uso correto de defensivos agrícolas para diminuir o impacto na apicultura.
Por sua vez, em julho foi a vez dos deputados agirem. No dia 4, parlamentares lançaram no Congresso Nacional a Frente Parlamentar Mista da Apicultura e da Meliponicultura. O grupo irá acompanhar e fiscalizar as atividades de criação de abelha e produção de mel no país, além de propor alternativas para solucionar os problemas da categoria. 256 deputados federais e nove senadores assinaram o requerimento de criação. O presidente da frente é o deputado Darci de Matos (PSD-SC) e o vice é o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) — ambos também são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Membros da Frente Parlamentar da Apicultura reuniram-se neste mês com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para discutir as principais pautas do setor, incluindo a mortandade de polinizadores. “Passamos para ela a nossa preocupação em relação aos agrotóxicos que tem em sua base o Fipronil e os neonicotinoides. São agrotóxicos que já foram banidos na Europa, e aqui apareceram no caso de mortalidade de 500 milhões de abelhas no ano passado em quatro estados. Precisamos agir, pois sem abelha não tem alimento”, relata o deputado Darci de Matos.
A frente também pretende se reunir com Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente para falar da reavaliação dos agrotóxicos tendo em vista o perigo as abelhas. “Estamos estudando a possibilidade de fazer um projeto de lei propondo a proibição desses agrotóxicos. É um assunto bem complexo, e o PL seria a opção mais radical, mas adiante poderá ser possível, porque não podemos continuar deixando milhões de abelhas morrendo”, diz Darci. Além disso, o deputado acrescenta o interesse em criar um mapeamento de colméias no Brasil. “O objetivo é descobrir onde estão as colmeias, para quando você for autorizar um agrotóxico, o receituário mostre onde não é permitido fazer a aplicação”, explica.
Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/08/2019
Com aprovação de mais agrotóxicos à base de Sulfoxaflor, apicultores temem novo extermínio de abelhas, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/08/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/08/27/com-aprovacao-de-mais-agrotoxicos-a-base-de-sulfoxaflor-apicultores-temem-novo-exterminio-de-abelhas/.