Por Sucena Shkrada Resk* – Blog Cidadãos do Mundo –
Análise é feita pelo médico-patologista e pesquisador Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), em entrevista especial ao Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk
Não é por acaso que o sistema da Organização das Nações Unidas (ONU) elencou a poluição do ar como assunto prioritário na agenda mundial, neste ano, relacionado aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), com metas estabelecidas pelos países até 2030. Para subsidiar esta pauta, várias iniciativas estão ocorrendo, entre elas, a elaboração do documento “Poluição do Ar e Saúde. Uma iniciativa político-científica da Academia de Ciência da África do Sul, da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Nacional de Ciências da Alemanha Leopoldina, das Academias Nacional de Medicina dos EUA e Nacional de Ciências dos EUA.
As organizações propõem a implementação de um pacto global para o controle e redução da poluição do ar, que seja uma prioridade para todos (líderes de governos, empresas e cidadãos). Um exercício para se repensar e revitalizar as cidades, as regiões metropolitanas quanto ao aspecto de uso e ocupação do solo, mobilidade urbana, fonte de energia e saúde ambiental, entre outros. A proposta foi apresentada na sede da ONU, em Nova York, em junho deste ano.
Afinal, a sustentação na esfera da geopolítica internacional não falta. Como argumento, mencionam a já existência de diferentes acordos, resoluções, convenções e iniciativas. Entre essas, estão o Protocolo de Montreal, a Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância da Comissão Econômica para a Europa das Nações Unidas, e a resolução sobre os impactos da poluição do ar na saúde humana da Assembleia Mundial da Saúde (ligada à OMS).
No documento, ainda enfatizam que – “… O crescimento econômico que aceita a poluição do ar e ignora os impactos ambientais e na saúde pública é insustentável e antiético. A queima de combustíveis fósseis e de biomassa é a maior fonte de poluição do ar a nível global…”
No grupo de cinco pesquisadores brasileiros, que compõem a produção do documento internacional, se encontra o patologista e pesquisador Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), que é o entrevistado especial desta semana, do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk. Estudioso internacional em saúde ambiental, há algumas décadas, Saldiva explica de forma didática, como o nosso organismo retrata os impactos da poluição do ar nas grandes cidades e consegue traduzir como acontece essa relação no meio ambiente, por meio de constatações de mais um estudo recente que realizou com equipe, em São Paulo. Ao mesmo tempo, aprofunda sua leitura sobre a configuração transversal do tema, nos 17 ODS/ONU.
Também integraram este grupo seleto com Saldiva, os professores Maria de Fátima Andrade, Paulo Artaxo, Nelson Gouveia (USP) e Simone El Khouri Miraglia, da Unifesp.
Para multiplicar as informações e orientações sobre esta agenda, com gestores à sociedade, foram também lançadas aqui no Brasil, no contexto regional da América Latina e Caribe, a campanha “Respire Vida”, com a cartilha “16 Medidas pela qualidade do Ar nas Cidades – um Chamado pela Saúde e pelo Meio Ambiente”, organizada pela Organização Pan-Americana de Saúde e pela ONU Meio Ambiente. O material destaca sugestões nas áreas de mobilidade urbana, geração de energia, processos industriais, ambiente doméstico, ambienta rural, gestão de resíduos e saúde humana. Um dos motivos cruciais: nesta região um percentual estimado de 80% da população vive em cidades.
Confira a entrevista de Paulo Saldiva sobre poluição do ar e saúde:
Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – Professor Saldiva, no estudo sobre os efeitos da poluição do ar na saúde, que realizou com equipe de pesquisadores, na Faculdade de Medicina da USP, financiado pela Fapesp e publicado na revista científica Environmental Research recentemente, foram autopsiados 413 cadáveres na capital paulista. O que esta avaliação constatou e soma a alertas anteriores a respeito deste tema?
Paulo Saldiva – O estudo trata da relação da poluição do ar e o acúmulo de poluentes no pulmão de humanos. Primeiro, na cidade de São Paulo, a poluição é praticamente dominada pelo tráfego veicular. As indústrias gradativamente saíram da cidade ou foram atraídas para outros municípios, que apresentavam mais alternativas, além do imposto e de outras dificuldades do zoneamento urbano. Então, ficou o tráfego e a única indústria que permaneceu em São Paulo, foi a indústria da construção civil, que transforma o solo urbano em uma commodity e não em um common. Deixe-me explicar: o solo urbano passa a ter mais valor em áreas com maior acesso a serviços públicos, entre outros. Assim os empreendimentos comerciais ocupam estes espaços e o preço venal, seja de posse ou aluguel aumenta bastante. Então, as pessoas que menos podem vão morar cada vez mais longe, onde pode pagar por sua moradia. Isso impõe uma carga enorme de deslocamentos porque a cidade de São Paulo interage funcionalmente com outros municípios da região metropolitana e até com outras regiões metropolitanas. Por exemplo, é comum que pessoas que moram em Jundiaí, Campinas, Sorocaba, Santos e São José dos Campos, elas trafeguem em direção a São Paulo e vice-versa, fazendo com que sejamos um conglomerado de metrópoles, ou seja, de uma espécie de “metápolis”. Também é comum que passemos de quatro a cinco horas no trânsito.
Blog Cidadãos do Mundo – O que este estudo revela de alerta e mudanças emergentes no contexto da mobilidade urbana nas grandes cidades?
Paulo Saldiva – Quando você vê a rede de monitoramento ambiental da Companhia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), que tem séries históricas desde os anos 70, você percebe que, de fato, houve uma redução da poluição, mas existe uma concentração de poluentes na região central da cidade, onde existem mais carros e mais congestionamentos. Então, como visto pelo olhar das estações de monitoramento, a poluição é um fenômeno do centro da cidade de São Paulo. No entanto, quando se olha na sala de autópsia, o pulmão dos paulistanos, é possível ver pequenas manchas de carbono, às vezes, até em grande intensidade, da mesma forma que acontece com os fumantes. Este carbono (esta fuligem) é inalada pelos pulmões e como possui substâncias tóxicas, produz certa reação inflamatória e pode ficar preso para sempre ali, como forma de uma cicatriz escura. E se pode medir isto. Foi o que a gente fez. Na sala de autópsia do serviço de verificação de óbitos, que funciona na Faculdade de Medicina da USP, nós fotografávamos a superfície do pulmão, medíamos a superfície da pleura ocupadas por manchas escuras. Tínhamos de pedir a autorização das famílias para fazer isto e ao mesmo tempo apresentávamos um questionário que relatava o tempo de moradia em São Paulo, tempo de ocupação, se era fumante ativo ou passivo, e como também tínhamos o endereço, dava para saber a densidade de ruas e tipo de tráfego da região onde a pessoa morava e até a proximidade a uma avenida de maior fluxo.
Blog Cidadãos do Mundo – E quanto à saúde preventiva e ao comportamento da sociedade em cidades metropolitanas, como São Paulo?
Paulo Saldiva – Bom, o que deu para ver é que quando você coloca, então, cada pulmão de indivíduo em uma estação de monitoramento, é que a poluição não é um fenômeno da região central e, sim, da periferia da cidade. Como é que a gente explica isto? Possivelmente, estas pessoas que moram mais longe do centro são aquelas que permanecem mais tempo circundadas por canos de escapamento, presas em congestionamentos intermináveis, enquanto vão e voltam no caminho da sua casa até o seu serviço. Também há muitas pessoas em São Paulo, que ao findar as oito horas do trabalho convencional, quando têm, fazem um bico dirigindo carros ou entregando coisas nas ruas da cidade. Então, embora tenhamos reduzido a poluição doa ar da cidade, isso, um fruto de uma política de melhoria tecnológica de motores e combustíveis, nós ainda temos como fator determinante da nossa dose, o tempo que permanecemos nas ruas e os nossos hábitos de mobilidade. Ou seja, embora a nuvem de poluição quando a gente olha de cima a cidade, seja mais ou menos homogênea, quem leva mais poluição dentro de si, são aqueles que ficam mais tempo no tráfego. Isso é equivalente a quatro a cinco cigarros por dia, porque nós temos dessa fuligem inalada, fumantes e não-fumantes, nessa série de pacientes e podemos, então, comparar o equivalente tabágico do que representa o deslocamento urbano em nossas ruas. Isso é mais ou menos o resumo deste trabalho.
Paulo Saldiva – Bom, o que deu para ver é que quando você coloca, então, cada pulmão de indivíduo em uma estação de monitoramento, é que a poluição não é um fenômeno da região central e, sim, da periferia da cidade. Como é que a gente explica isto? Possivelmente, estas pessoas que moram mais longe do centro são aquelas que permanecem mais tempo circundadas por canos de escapamento, presas em congestionamentos intermináveis, enquanto vão e voltam no caminho da sua casa até o seu serviço. Também há muitas pessoas em São Paulo, que ao findar as oito horas do trabalho convencional, quando têm, fazem um bico dirigindo carros ou entregando coisas nas ruas da cidade. Então, embora tenhamos reduzido a poluição doa ar da cidade, isso, um fruto de uma política de melhoria tecnológica de motores e combustíveis, nós ainda temos como fator determinante da nossa dose, o tempo que permanecemos nas ruas e os nossos hábitos de mobilidade. Ou seja, embora a nuvem de poluição quando a gente olha de cima a cidade, seja mais ou menos homogênea, quem leva mais poluição dentro de si, são aqueles que ficam mais tempo no tráfego. Isso é equivalente a quatro a cinco cigarros por dia, porque nós temos dessa fuligem inalada, fumantes e não-fumantes, nessa série de pacientes e podemos, então, comparar o equivalente tabágico do que representa o deslocamento urbano em nossas ruas. Isso é mais ou menos o resumo deste trabalho.
Esta pesquisa sobre este “tabaco ambiental” foi publicada recentemente, em junho, na Environmental Research.
Blog Cidadãos do Mundo – Com estas constatações, qual sua análise sobre as mudanças emergentes necessárias para combater a poluição, que competem à gestão pública, desde a questão energética ao custo à saúde humana?
Paulo Saldiva – Para combater a poluição, não bastam só novos motores e tecnologias, mas temos de pensar transporte público de baixa emissão e alta eficiência. Quanto a políticas públicas, tudo está inventado, nada precisa ser descoberto, mas ser, sim, implementado. O controle da poluição do ar depende de fontes de energia mais limpas, que já estão disponíveis e de priorizar o transporte coletivo de baixa emissão, que também está disponível. Para isso, a gente precisa colocar os co-benefícios econômicos do controle da poluição. Controlar a poluição dá lucro. Então, para cada unidade de investimento em controle de poluição, geralmente se ganha de duas a três mortes evitadas e o aumento de produtividade no país. É por isso que muitos países, inclusive, a China, estão pegando pesado no controle da poluição do ar. Este controle também leva ao controle dos GEES por causa da eficiência energética.
Blog Cidadãos do Mundo – Professor, fale mais a respeito da necessidade dessas mudanças emergentes, que envolvem também a mudança de comportamento da sociedade.
Paulo Saldiva – O que tem de ser feito? Basicamente fazer conta. Hoje a gente está subsidiando energias sujas com vidas humanas e dinheiro. Quer dizer que isso não é justificável, nem do ponto de vista moral, fazendo as pessoas morrerem antes do tempo, principalmente as mais pobres; como também, não é econômico. Porque o dinheiro que você arrecada desta economia ao utilizar uma energia suja, como carvão, você perde em redução de produtividade econômica e em custos diretos e indiretos da saúde. Há vários estudos mostrando isso. No nosso caso específico do Brasil, não acredito muito nas políticas públicas. A gente carece – no artigo princípio valores, está em falta na prateleira da política nacional, no almoxarifado, nós deveremos ter mudanças de comportamento. Elas já estão ocorrendo. Há um maior apelo para transporte coletivo, já há mais interesse em você utilizar transporte público e morar mais perto da condução. A ideia de possuir um carro e gastar de forma absurda, como levar mil quilos de latas para qualquer lado que você vai, está perdendo espaço entre a população mais jovem. Para quem insiste nestas práticas, não é que estas pessoas sejam intrinsecamente más, mas insistem porque são frutos de uma educação e cultura que foram vigentes até muito recentemente. Se você visitar as páginas de anúncios imobiliários, por exemplo, do Estadão, como eu fiz, dos anos 70 e 80, a maior propriedade de um apartamento era número quartos e de vagas na garagem.. Hoje é a proximidade de um parque, um terminal de metrô ou de ônibus. Enfim, a metragem está caindo muito e nós não estamos precisando mais de tanto espaço para viver. É um processo lento, mas vai ocorrer. Eu sou otimista. As cidades que geraram os problemas, mas nas ruas das cidades é que mora a criatividade, principalmente nos momentos de crise.
Paulo Saldiva – O que tem de ser feito? Basicamente fazer conta. Hoje a gente está subsidiando energias sujas com vidas humanas e dinheiro. Quer dizer que isso não é justificável, nem do ponto de vista moral, fazendo as pessoas morrerem antes do tempo, principalmente as mais pobres; como também, não é econômico. Porque o dinheiro que você arrecada desta economia ao utilizar uma energia suja, como carvão, você perde em redução de produtividade econômica e em custos diretos e indiretos da saúde. Há vários estudos mostrando isso. No nosso caso específico do Brasil, não acredito muito nas políticas públicas. A gente carece – no artigo princípio valores, está em falta na prateleira da política nacional, no almoxarifado, nós deveremos ter mudanças de comportamento. Elas já estão ocorrendo. Há um maior apelo para transporte coletivo, já há mais interesse em você utilizar transporte público e morar mais perto da condução. A ideia de possuir um carro e gastar de forma absurda, como levar mil quilos de latas para qualquer lado que você vai, está perdendo espaço entre a população mais jovem. Para quem insiste nestas práticas, não é que estas pessoas sejam intrinsecamente más, mas insistem porque são frutos de uma educação e cultura que foram vigentes até muito recentemente. Se você visitar as páginas de anúncios imobiliários, por exemplo, do Estadão, como eu fiz, dos anos 70 e 80, a maior propriedade de um apartamento era número quartos e de vagas na garagem.. Hoje é a proximidade de um parque, um terminal de metrô ou de ônibus. Enfim, a metragem está caindo muito e nós não estamos precisando mais de tanto espaço para viver. É um processo lento, mas vai ocorrer. Eu sou otimista. As cidades que geraram os problemas, mas nas ruas das cidades é que mora a criatividade, principalmente nos momentos de crise.
Blog Cidadãos do Mundo – Qual é a relação da poluição atmosférica com as 17 metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU?
Paulo Saldiva – Quanto à relação entre o controle da poluição e as metas de atingimento dos ODS/ONU para 2030, eu não consegui achar sequer uma das metas das 17 que não encaixasse espaço para o controle da poluição do ar. Este tema passa por educação, ou seja, mudança de comportamento e educação mais saudável, cidades mais eficientes, diminuição da equidade, uma vez que as pessoas que menos podem são as que recebem mais poluição. A poluição é mais frequente nos países mais pobres e dentro dos países pobres, nas comunidades mais desfavorecidas. Atinge a saúde, o controle tanto de doenças infecciosas, crônicas e não-transmissíveis – como diabetes, infarte e câncer. Nós também temos um objetivo, que é o controle da poluição, quando melhora a eficiência e utiliza combustíveis mais limpos e tecnologias mais eficientes. Dessa forma, você reduz ao mesmo tempo, a emissão dos Gases de Efeito Estufa (GEEs). Ao fazer isso, melhora, inclusive, a segurança alimentar.
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