Os mais de 5 mil jornalistas reunidos em Copenhague fazem o jogo previsível de amplificar vazamentos de informação em busca de manchetes. É muito difícil, neste momento, saber o que os países realmente querem e o que estão levando apenas como moeda de troca nas negociações. Em reuniões fechadas, pequenos grupos de diplomatas trabalham para construir propostas que agradem às nações desenvolvidas, que terão de pagar a conta, e os pobres, que já estão lidando com os impactos mais extremos das mudanças climáticas.
Além dos números financeiros, há outro que circula pelos corredores: 360 milhões de seres humanos vão morrer nas áreas de maior risco, caso a temperatura do planeta aumente apenas 2 graus, em média. São áreas localizadas em sua quase totalidade na Índia, Bangladesh, África e algumas regiões das Américas Central e do Sul. Não há maiores problemas para a América do Norte e Europa, que em alguns casos poderão até mesmo beneficiar-se com um pouco mais de calor.
Um sentimento também comum é de que o encontro possa terminar sem um acordo definitivo assinado pelos mais de cem chefes de Estado que prometem participar da reunião. É muito poder junto, principalmente se lembrarmos que na COP-13, na Indonésia, o único chefe de Estado presente era o anfitrião. Segundo o embaixador Luís Alberto Figueiredo, um dos principais negociadores da delegação brasileira, “o processo é longo e mesmo pontos consensuais ainda passarão por negociações detalhadas para a sua implementação”.
Um desses casos é o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd), não previsto pelo Protocolo de Kyoto, de 1997. O Redd é antes de tudo um projeto que vai apoiar financeiramente a preservação de florestas e áreas degradadas. Para o Brasil, esta é uma aposta importante, e que entrou na agenda oficial apenas nos últimos meses. De acordo com o embaixador brasileiro, não se discute mais se o mecanismo de compensação entra ou não no acordo final. “Sem o Redd não existe acordo.”
A afirmação de Luís Alberto Figueiredo agradou aos brasileiros da Amazônia. O secretário de Meio Ambiente de Manaus, Marcelo Dutra, defensor firme da implantação do mecanismo, afirma que o apoio ao Reed é essencial para os povos do bioma. “A floresta passa a ser vista como aliada do desenvolvimento e não como um entrave”, diz. Outra voz a favor é a de Virgílio Viana, da Fundação Amazonas Sustentável, que aposta no mecanismo não apenas para manter a floresta em pé, mas “para melhorar a qualidade de vida e erradicar a pobreza na região”. Da perspectiva do Brasil, que já assumiu o compromisso de redução do desmatamento na Amazônia em 80% até 2020, o Reed é muito importante, pois o Estado não tem capacidade de cumprir essas metas sem o apoio de projetos de governos locais, empresas e ONGs.
Diante da pressão dos países mais frágeis às mudanças climáticas, há um certo pessimismo em relação ao sucesso de Copenhague. Não existe por parte das economias que vão doar recursos o senso de urgência necessário e apontado pelos mais pobres. Bangladesh, por exemplo, estima que 20% de sua população terá de ser deslocada nos próximos anos para áreas mais altas e seguras, em consequência do avanço do mar. Por conta disso, a delegação do país quer receber 15% da ajuda internacional, seja ela qual for. Terá de disputar com outras centenas de vítimas. Os protestos da comitiva de Tuvalu, estado da Polinésia ameaçado de desaparecer tragado pelo mar, foram tão intensos que chegaram a paralisar o evento em Copenhague.
O presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young, acredita que não chegaremos ao “acordo dos sonhos”, mas olha o horizonte com algum otimismo. “Não teremos retrocessos, haverá avanços, pois empatar ou perder, definitivamente, não é mais uma opção.” Mesmo com tantas dúvidas, a primeira semana da conferência é a mais amena. Em vez de discussões sérias, assistem-se a festas e eventos de congraçamento de culturas, línguas e nacionalidades. Muitas das atenções estão voltadas para os estandes das ONGs que expõem seus trabalhos e explicam como será possível salvar o ser humano da extinção com ações diversas, do reflorestamento de extensas áreas ao redor do mundo à redução no consumo de carne, da utilização de energias limpas às mudanças nos padrões de produção e do consumo em direção a uma economia de baixo carbono.
A segunda semana da conferência promete ser bem mais contundente, com a chegada dos chefes de Estado e a conclusão das centenas de negociações paralelas. Entre afirmações e desmentidos, compromissos descartados e depois reassumidos, o clima não deverá ser tão ameno. O auge do aquecimento local será quando os principais protagonistas, Estados Unidos, Europa, China, Índia e Brasil, ocuparem seus assentos. Só então o jogo começa para valer.
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FONTE : Reinaldo Canto, CARTA CAPITAL
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