pescadores Biodiversidade pesqueira diminui no inóspito Nilo
Os pescadores do Nilo dizem que o rio tem menores quantidade e variedade de peixes. Foto: Cam McGrath/IPS

Cairo, Egito, 2/4/2013 – Um desenho de 4.200 anos, no túmulo do visir Mereruka, mostra a assombrosa variedade de peixes que outrora habitaram o rio Nilo e seus mangues. Pescadores do antigo Egito tinham suas redes repletas dessas espécies, incluindo o sagrado oxirrinco, que era capturado, criado, e que jamais se comia. Contudo, as conversas dos pescadores que atualmente vivem às margens do Nilo retratam um panorama diferente.
Ibrahim Abdallah, um idoso da aldeia de Nubia, contou que muitos dos peixes que ele recorda de sua infância desapareceram completamente do rio. “Muitas variedades de peixes acabaram, e as poucas que restam são vítimas da pesca excessiva”, afirmou. Abdallah se recorda de um peixe com formato de frigideira que se chamava kawara, e que antes era abundante nas águas encrespadas do Nilo durante o verão, bem como em açudes profundos quando estava para desovar. “Não o vimos por muitos anos. Em certo verão nos demos conta de que todos haviam desaparecido”, acrescentou.
Quase metade dos peixes do Nilo mostrados nos desenhos antigos não existe mais. Os pesquisadores que comparam os registros históricos de pesca estimam que inclusive 35 destas espécies desapareceram nos trechos mais baixos do rio nos últimos 40 anos. Entre elas, o peixe-elefante, o ciclídeo joia do Nilo e a arowana africana. Outras dezenas estão listadas como ameaçadas ou em perigo.
Justin Grubich, professor-adjunto de biologia na American University, no Cairo, disse que a pesca no Nilo sofreu uma redução catastrófica depois da construção da represa de Assuã, nos anos 1960. Ela atua como uma barreira, afetando o ciclo reprodutivo e as rotas migratórias de muitas espécies de peixes, também impedindo que milhões de toneladas de sedimentos e matéria orgânica cheguem ao trecho mais baixo do rio.
A represa “foi construída para controlar a temporada de inundações a fim de permitir uma agricultura mais consistente, e ajuda a regular melhor a água, mas corrente abaixo não existe uma recuperação do solo e dos nutrientes” que apoiem a vida aquática, explicou Grubich. O impacto é sentido em cerca de 1.200 quilômetros corrente abaixo. Sem sedimentação, o delta do Nilo vai se retirando, em algumas áreas vários metros por ano.
A erosão costeira permitiu que o mar avançasse para uma série de lagos planos na desembocadura do Nilo, matando espécies de água doce incapazes de tolerar a alta salinidade. Isto também permitiu que peixes marinhos predadores invadissem áreas de desova e de cria, devastando as existências pesqueiras. Pesquisas feitas na década de 1970 concluíram que a biodiversidade aquática nos quatro lagos do Delta do Nilo no Egito diminuiu significativamente.
O Instituto Nacional de Oceanografia e Pesca identificou 34 espécies de peixes no lago Manzala, em comparação às mais de 50 registradas meio século antes. Padrões semelhantes foram encontrados no lago Burullus, que se tornou excessivamente salobro. O Burullus também estava contaminado. Aproximadamente, 4,5 milhões de toneladas de efluentes industriais, incluindo 50 mil toneladas de contaminantes perigosos, são despejados a cada ano no baixo Nilo, segundo o Ministério do Meio Ambiente. Essas substâncias tóxicas, que também incluem dejetos agrícolas e esgoto não tratado, envenenam a vida aquática no rio e se concentram nos lagos em sua desembocadura.
Os peixes jovens são extremamente suscetíveis à contaminação, que pode matá-los diretamente, “ou criar um grande volume de matéria orgânica em decomposição, consumindo todo o oxigênio dissolvido que os peixes necessitam para sobreviver”, disse Osman El-Rayis, professor de química na Universidade de Alexandria. Níveis letais de toxinas na água já podem ter extinguido o peixe joia, que antes prosperava no delta do Nilo e nos lagos do norte. Os pescadores dizem que é raro ver peixe-lua no rio. E o antes onipresente peixe do Nilo (Leptocypris niloticus), que nadava em grandes cardumes em águas rasas, agora se restringe a poucas áreas próximas de Assuã.
No lago Nasser, a reserva de 5.200 quilômetros quadrados que há por trás da represa, as populações de muitas espécies de peixes diminuíram a níveis críticos, alerta Olfat Anwar, diretora de Pesca na Autoridade de Desenvolvimento do Lago Nasser. “O principal motivo é a mudança no ambiente, porque quase não há fluxo de nutrientes dentro do lago”, pontuou.
“O atual vai de zero a 0,3 metros por segundo, desde o Sudão até Abu Simbel, e então fica quase paralisado (mais ao norte). Assim, não há fluxo de sul para norte, e isto afetou a composição de espécies do lago”, explicou Anwar. O lago também sofreu décadas de abandono e má administração, o que derivou em práticas pesqueiras insustentáveis, contaminação pela circulação de cruzeiros e um subfinanciado programa de criadouros.
Porém, umas poucas espécies de peixes não apenas sobreviveram como prosperaram. Quatro variedades de tilápia habitam o lago e mantêm uma saudável pesca comercial. O bagre, a perca do Nilo e o peixe-tigre cresceram até adquirirem um tamanho assombroso, atraindo pescadores de todo o mundo. “O evidente êxito de um punhado de espécies distraiu a população das dificuldades de outras”, cuja salvação não é considerada prioritária por não serem comerciais, disse Anwar à IPS.
No entanto, segundo Grubich, há uma desesperada necessidade de ações para a conservação. Os corpos de água doce são particularmente sensíveis às mudanças ecológicas, e a perda de espécies aparentemente insignificantes pode causar o colapso de complexas cadeias alimentares. “Todas estas espécies juntas evoluíram durante milhões de anos, e desenvolveram uma trama alimentar. É um equilíbrio delicado e, quando se retira um dos atores, a tendência é causar um efeito dominó”, acrescentou. Envolverde/IPS