Ativistas compram ações da mineradora Vale para serem ouvidos
por Fabíola Ortiz, da IPS
Seis ativistas da Articulação Internacional dos Afetados pela Vale estiveram presentes no dia 17 na reunião de acionistas da companhia, realizada no Rio de Janeiro. As empresas de capital aberto – aquelas que vendem ações no mercado para capitalizar suas atividades e seus investimentos – estão obrigadas por lei a realizar ao menos uma assembleia geral anual em sua sede. Nessas reuniões os investidores recebem informação sobre o rumo das companhias e podem cobrar da direção a respeito do que foi feito no ano passado, bem como dividendos.
“Esta é a quarta vez que a Articulação adota esta iniciativa. A reunião teve sucesso. A assembleia prevê que os acionistas intervenham, e nossa única oportunidade de fazer isso foi quando votou-se a ordem do dia. Então, pedimos a palavra”, contou à IPS o advogado Danilo Chammas, sobre sua participação na reunião que durou três horas e teve e presença de 50 acionistas. Enquanto os ativistas faziam uso da palavra, a maior parte dos presentes manteve silêncio e não faltaram momentos de tensão, quando eram expostos questionamentos e críticas.
“Foi positiva a possibilidade de diálogo, mas sem grandes perspectivas de mudança. Nossa ideia é divulgar um lado que os acionistas ignoram e que também deve ser considerado”, argumentou Chammas. Segundo cálculos das organizações sociais, a Vale, privatizada em 1997, causou em 2010 danos em uma área correspondente a 741,8 quilômetros quadrados.
Dezenas de manifestantes da Articulação, que reúne organizações de dez dos 38 países onde a Vale atua, se reuniram diante da sede da empresa, no centro do Rio de Janeiro, para tornarem visíveis suas denúncias. “Como acionistas, explicamos o que significam os riscos e as violações (da empresa) para as comunidades prejudicadas”, disse à IPS a ativista Sandra Quintela, do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul.
Em sua opinião, esta estratégia multiplica a pressão sobre a empresa e na justiça. “Tentamos reforçar as lutas, vincular as resistências e pensar estratégias comuns. A forma como esta empresa atua nos territórios é muito cruel. Isso não é desenvolvimento, é destruição”, criticou Quintela.
Este é o segundo ano em que seis habitantes do pequeno povoado de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia, no Maranhão, chegam ao Rio para denunciar seu caso. Nesse povoado de 380 famílias, foi instalado um polo siderúrgico de fundição de ferro. A poeira que contamina o ar, a água e o solo é permanente. Há cinco anos os moradores pedem para serem transferidos para uma área segura.
“Piquiá de Baixo deixará de existir. Estamos sendo obrigados a nos mudar para outro lugar, não há alternativa. O trem em que a Vale transporta minério atravessa o povoado e o depósito está sobre nós. As cinco siderúrgicas estão quase em cima de nossas hortas”, contou “Seu” Edvard Dantas, de 69 anos.
Ele vive em Piquiá há 26 anos e é testemunha da extinção do povoado. Antes da chegada da siderúrgica, a área era rural. Seu Edvard plantava arroz, milho e mandioca para alimentar sua numerosa família. Hoje apenas sua mulher e uma filha continuam vivendo com ele. Seus outros cinco filhos já deixaram Piquiá, assim como muitos outros habitantes.
Os casos de câncer de pulmão, problemas respiratórios e alergias não são raros. “Na horta e no telhado da minha casa há uma camada permanente de pó. Estamos sofrendo muito, esperamos não demore mais do que dois anos” o traslado para um novo lugar. Porém, as novas moradias que deveriam ocupar ainda não foram construídas, acrescentou.
Os países mudam, mas os problemas são os mesmos, destacou o moçambicano Fabião Maniça, da Associação de Assistência e Apoio Jurídico às Comunidades de Tete, na região central de Moçambique, onde a Vale obteve concessão para explorar por 35 anos a mina de carvão Moatize. “Estamos juntando forças para fazer reivindicações. A empresa não abre espaço para negociar de forma direta com as associações ou as comunidades”, afirmou.
O maior problema ali foi o deslocamento de 1.300 famílias, pois as casas recém-construídas que lhes foram entregues já apresentam falhas estruturais. “As famílias se mudaram há um ano e meio e há rachaduras; são casas mal construídas. As crianças não têm água potável. Não há espaço para plantar nem criar os filhos. Prometeram que nos ajudariam durante um ano, entregando alimentos, transporte gratuito e empregos, mas não cumpriram”, acrescentou Maniça.
Em alguns casos, as famílias foram reassentadas em lugares distantes até 50 quilômetros de onde viviam, segundo Maniça. “Estávamos em áreas férteis e nossa atividade principal é a agricultura. Na África, meu pai está enterrado na horta. As pessoas foram obrigadas a abandonar seus antepassados e partir”, lamentou.
A pedido da IPS, a empresa entregou à agência um comunicado no qual afirma que “respeita o direito à livre expressão” e que “se coloca à disposição para receber sugestões e críticas sobre seus empreendimentos”. A Vale assegura que participa do processo de reassentamento das famílias de Piquiá de Baixo. Em julho de 2012, assinou com o Ministério Público de Açailândia uma proposta para transferir cerca de US$ 200 mil para o projeto habitacional do novo bairro.
Quanto a Moçambique, foram delimitadas duas áreas para reassentar as famílias, com “participação pública, que consistiu em três audiências, 20 apresentações teatrais na língua local mais falada (nyungwe), 110 reuniões com a comunidade e seus líderes, 4.927 visitas domiciliares e 639 consultas realizadas no serviço de atenção permanente ao início do reassentamento”, segundo a empresa.
Como parte do projeto Carvão Moatize, além das casas, foram construídas ou reformadas escolas, postos de saúde e uma maternidade, um posto policial e ruas. Também foi instalada energia elétrica nas vias principais. E, segundo a Vale, as casas que apresentaram problemas, já começaram a ser reparadas. Envolverde/IPS
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