“A Economia Verde é imediatista”
por Camila Nobrega, do Canal Ibase
Qual o significado da chegada da obra de Georgescu-Roegen ao Brasil?
Muitos jovens ainda hoje saem das faculdades de Economia do país sem ter lido a obra dele. Na década de 1970, Roegen publicou livros e artigos importantes que não foram reconhecidos pela academia. A incorporação da Lei da Entropia (2ª lei da termodinâmica, cuja essência é a degradação da energia em sistemas isolados) na economia, proposta pela primeira vez por ele, não foi bem aceita e Georgescu foi posto de lado. Nos últimos tempos, ele tem sido revisto, mas no Brasil só havia obras circulando em francês, o que dificultava o acesso de alunos. Consegui, finalmente, que este autor fosse publicado em português. Ele foi um gênio, precisa ser mais lido.
Embora ele mesmo nunca tenha usado essa denominação, Roegen foi uma das principais inspirações para o movimento da Economia Ecológica. Como o pensador via a questão do limite da natureza para o crescimento da economia?
Não se trata exatamente de limites, como alguns economistas falam hoje. O foco dele era outro. Georgescu teve, ainda nos anos 1960, um estalo sobre a Lei da Entropia. Ele jogou luz sobre o fato de que os economistas lidavam com a produção econômica como algo independente, isolado. Os recursos naturais eram vistos como infinitos, e por isso não entravam na conta. Só que este romeno percebeu a relação de interdependência entre ambos. A Lei da Entropia não pode simplesmente ser descartada, porque ela age sobre a economia.
Ou seja, ele percebeu que existe uma perda de energia associada aos processos econômicos, certo? E há energia dissipada que nunca se recupera…
Sim, o foco dele não é sobre o esgotamento de recursos. Ele é anterior à discussão sobre mudanças climáticas, que está em voga hoje. Georgescu se debruçou sobre o fato de que os recursos naturais têm uma energia que se dissipa, à medida que são usados pela economia. No início da carreira, ele tinha o foco de estudo voltado para o consumo. Depois, percebeu que precisava se dedicar à questão da produção. E concluiu que, uma vez utilizados para a produção de algo, os recursos terão uma parte de energia que nunca mais será utilizada. É uma parte que se perde no processo. Mas os cálculos de produção na economia não levam isso em conta. Tomemos como exemplo as energias fósseis. Para Georgescu, o limite do crescimento se daria ao passo que a utilização delas reduziria a quantidade de energia inicial do processo.
Mas o pensamento dele ainda não chegou à esfera prática da economia. Em conferências internacionais sobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, como a Rio+20, Conferência da ONU realizada ano passado, esta abordagem não passou nem perto das salas de conferência…
Eu não esperava mesmo que um encontro como a Rio+20 discutisse esse tipo de assunto. Ocorre que os prazos dessa discussão proposta por Georgescu talvez sejam séculos. Não sabemos quando vai acontecer, mas a perda gradual desses recursos naturais vai levar a um ponto máximo. Na Rio+20, discutem-se soluções mais imediatas. A transição de que se fala nessas salas de conferência é outra, que as Nações Unidas chamaram de Economia Verde. Já Georgescu foi um dos pais da Economia Ecológica, que defende uma outra transição, não apenas tecnológica. Ele acredita também que, em algum momento, haverá decrescimento. A economia, segundo ele, não poderá se manter apenas estável.
E, dentro da Economia Verde, as propostas são de adequações mais simples. Não há uma grande mudança de paradigma econômico, certo?
É outro foco. Na discussão atual, existe uma crença de que vai haver descolamento entre crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, a medida de riqueza mais utilizada como parâmetro de comparação no mundo) e os impactos ambientais. A ideia é que o avanço tecnológico vai permitir a manutenção do crescimento econômico. Ou seja, a tese da Economia Verde é que, em determinado momento, o PIB poderá continuar aumentando e os impactos vão diminuindo. Para isso, economistas desta corrente apresentam dados sobre queda de emissões de carbono por unidade de produção. Na prática, significa que para cada unidade produzida, a quantidade de carbono usada diminuiu. Mas isso só serve em termos relativos. Quando pegamos o conjunto total, como a produção aumenta, a quantidade absoluta também cresce.
O impacto na atmosfera, portanto, continua aumentando e muito. O único argumento novo que deve ser analisado ainda é em relação à Inglaterra. Estudos recentes mostram que o país está conseguindo manter o PIB em crescimento, reduzindo as emissões.
Mas, nesse caso, estamos falando de um país com um desenvolvimento mais avançado, e com condições de apostar em inovações tecnológicas. No entanto, se as nações mais pobres dependerem de tecnologias que não podem bancar, sem que haja transferência, como elas farão?
Aí está o problema. Será que a humanidade resolverá os novos desafios tratando o problema com as mesmas receitas antigas. Nesse caso, não se atacam os sintomas. A Inglaterra é um caso de economia madura, e parece que o mesmo processo pode estar acontecendo também na Holanda. Mas o cenário encontrado lá não é o mesmo de países pobres. Será possível apostar nesse modelo, e que todos os países alcançariam uma maturidade que os permitiria crescer, reduzindo, por meios tecnológicos, os impactos ambientais?
Ainda assim, este pensamento não leva em conta os impactos sociais associados ao crescimento econômico desenfreado. Estas questões fazem parte da Economia Ecológica?
Sim, a economia não pode ser vista como um sistema isolado nem das questões ambientais, nem sociais. Estamos falando sempre de uma mesma coisa. No caso da Inglaterra, por exemplo, estamos falando de uma economia madura em vários sentidos. É uma sociedade cujo acesso a serviços é outro, onde há um parâmetros de educação, saúde mais elevados e compartilhados pela população. Não é a economia em si, isoladamente, que levará nações a reduzirem impactos socioeconômicos significativos.
* Publicado originalmente no site Canal Ibase.
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