Kenema, Sri Lanka, 15/7/2014 – Adikali Kamara é um dos sobreviventes de um foco do vírus ebola que já causou uma centena de mortes em Serra Leoa e também afetou os países vizinhos Guiné e Libéria. Kamara, de 36 anos, é estudante de enfermagem e trabalha no hospital público de Kenema, a maior cidade da província Oriental, fronteiriça com os dois países onde foram diagnosticados quase todos os casos. Ele começou a se sentir mal dia 19 de junho, com febre e dor de cabeça. Em uma farmácia perto de sua casa comprou medicamentos contra malária e antibióticos para febre tifoide.
“Pensei que os sintomas indicavam malária e febre tifoide, porque estas são as doenças mais comuns nas pessoas daqui”, contou Kamara. Mas seu estado de saúde não mudou e no dia 21 decidiu ir ao hospital, onde os médicos descobriram que estava com o vírus Ebola, que causa febre, vômitos, hemorragia e diarreia, e cuja taxa de letalidade pode chegar a 90% das pessoas infectadas. Kamara foi imediatamente internado, recebeu tratamento adequado, e sete dias depois teve alta.
Ele é um dos 51 afortunados habitantes de Serra Leoa que sobreviveram ao atual foco de Ebola que também causa estragos nos países vizinhos da África ocidental. Até o momento, 99 pessoas morreram neste país e o exame da doença deu positivo em 315 homens, mulheres e crianças. Serra Leoa está longe de ganhar a luta contra a doença, afirmou Michael Vandi, funcionário docente de saúde pública da província Oriental que trabalha no hospital de Kenema, onde fica o único Centro de Tratamento de Apoio e laboratório de análise do Ebola no país.
“As pessoas negam com veemência que o Ebola exista, apesar da enorme campanha de informação que é realizada, e os que acreditam que a doença existe têm tanto medo que não ajudam nem levam seus familiares quando estão doentes. É assim que se alastra pela comunidade, sem que tenhamos conhecimento dos casos”, acrescentou Vandi. Há pessoas que acusam os médicos de administrar injeções letais nos doentes de Ebola ou de retirar-lhes órgãos vitais para vendê-los nos mercados europeus, e alguns afirmam que infectam intencionalmente seus pacientes com esse vírus, para reduzir a população, acrescentou.
Como consequência, o pessoal médico e de enfermagem sofreu ataques nos hospitais e muitos enfermeiros não usam seus uniformes no caminho para o trabalho com medo de serem agredidos na rua. A situação de desconfiança faz com que “os pacientes internados, tanto homens como mulheres, abandonem os hospitais. Agora procuram as farmácias ou são tratados por curandeiros ou enfermeiras em suas casas”, explicou Vandi. “Isto é preocupante, porque os sintomas do Ebola se assemelham aos da malária e da febre tifoide, mais frequentes no país, e, antes que possam saber do que se trata, já é muito tarde”, ressaltou.
O comissário de direitos humanos da província Oriental, Hassan Yarjah, culpa a estratégia de sensibilização do governo sobre o Ebola por gerar desconfiança e incredulidade popular. A parte leste do país é um reduto da oposição, afirmou. “O que o governo central faz, o que eu considero um erro, é enviar a estas comunidades aqueles com os quais elas não podem se identificar: parlamentares, ministros, executivos do governante partido Congresso de Todo o Povo, e este é um país onde tudo se polariza”, opinou.
Segundo Yarjah, a população do leste pensa que, “como há um censo previsto para setembro, os políticos querem afugentar as pessoas desta parte do país, para que diminuam em número, o que significará menos representantes da oposição no parlamento nas próximas eleições”. A campanha de sensibilização “do governo deveria utilizar as estruturas locais, como os chefes supremos, o pessoal médico e os conselhos locais”, apontou à IPS.
Por sua vez, o governo anunciou a proibição das feiras comerciais em Kailahun, um dos distritos da província Oriental mais afetados pelo Ebola. Também enviou pessoal médico a vários postos de controle nas estradas da região, para verificar se os viajantes têm sintomas relacionados com o vírus. “Isto prejudicou a agricultura”, queixou-se Lamin Musa, agricultor em Kailahun.
“Não podemos vender a colheita nas feiras e isto trouxe mais penúria aos pobres. Inclusive a carne de caça, que era um bom negócio para nós, está proibida. É difícil entender todo o sofrimento que temos que suportar por causa do Ebola”, lamentou Musa. O vírus prospera, em parte devido ao mau funcionamento dos sistemas sanitários e à debilidade das estruturas de gestão de desastres em Serra Leoa e nos países vizinhos.
Nos dias 2 e 3 deste mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) realizou uma reunião de emergência em Acra, capital de Gana, com os ministros da saúde de 12 países da África ocidental para analisar e propor recomendações de combate ao foco do vírus que afetou Serra Leoa, Guiné e Libéria. Os ministros adotaram uma estratégia comum que defende uma rápida resposta à epidemia e destaca a necessidade de uma liderança regional e nacional, ações coordenadas entre todas as partes envolvidas, a colaboração transfronteiriça reforçada e a participação das comunidades.
Por sua vez, o estudante de enfermagem Kamara se mostra otimista. “Se eu pude vencer esta doença, então todos podem. É preciso acreditar na existência do Ebola, deixar de lado os preconceitos e ir ao hospital o quanto antes se surgirem os sintomas”, afirmou. Envolverde/IPS
(IPS)
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