Gueyede, Costa do Marfim, 20/8/2014 – Todos os habitantes de Gueyede, um aldeia da Costa do Marfim, se reuniram para ouvir atentamente o subprefeito, Kouassi Koffi. “Não podemos permitir a autocomplacência. É possível que não saibam sobre o ebola. E é melhor que seja assim”, disse o subprefeito e máxima autoridade da região. Koffi explicou aos moradores como se contrai o vírus e como reconhecer os sintomas básicos da febre hemorrágica do ebola, com apoio de Serge Tian como tradutor.
O subprefeito manteve centenas de reuniões deste tipo desde que em março surgiram os primeiros casos de ebola na Guiné. Viaja de povoado em povoado na região de Tiobli a seu cargo, e frequentemente visita a mesma localidade três ou quatro vezes, para dar a mesma mensagem. “É muito trabalho. Mas creio que a população entende”, afirmou Koffi à IPS, enquanto dirigia sua caminhonete.
Outros funcionários têm as mesmas reuniões em outras áreas da Costa do Marfim. Este país da África Ocidental de 22 milhões de habitantes ainda não teve casos de ebola, mas a fronteira com a Libéria está a poucos quilômetros e o epicentro do foco atual fica a cerca de cem quilômetros de Serra Leoa, Libéria e Guiné.
“Não devemos esperar pelo primeiro caso da doença para tomar medidas. A mobilização pública é importante porque o Estado não pode estar em todas as partes”, disse a ministra da Saúde, Raymonde Goudou Coffie, em entrevista coletiva no dia 14. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou fora de controle a epidemia nos quatro países da África Ocidental onde se propaga: Guiné, Libéria, Nigéria e Serra Leoa. A Costa do Marfim tem fronteiras com os dois primeiros.
Muitos temem que a Costa do Marfim seja o próximo país a ser atingido pelo foco mais grave da doença desde sua descoberta, em 1976. Nos últimos cinco meses foram registradas mais de mil mortes, com um total de infectados bem próximo de duas mil pessoas. Mas a OMS alertou, no dia 15 deste mês, que esses números estão bem abaixo do real.
Quando surgiram os primeiros casos na Guiné, o governo da Costa do Marfim tomou várias medidas preventivas, como criação de centros avançados de detecção e proibição do consumo de carne de animais silvestres, que se acredita seja um vetor de contaminação do ebola. Grande parte da proteína consumida em Gueyede procede dessa carne. Não é fácil mudar um hábito alimentar, mas o governo fechou todos os mercados da região que vendiam carne silvestre.
“Podemos comer pescado, mas não carne de animal silvestre. Podemos comer crocodilo?”, perguntou o chefe de Gueyede, Bernard Gole Koehiwon. Desconcertado, o subprefeito passou a pergunta ao enfermeiro da área, Drissa Soro. “Não tenho certeza, mas creio que seja seguro. Vou verificar”, respondeu Soro. A dieta não basta para deter a propagação de uma doença que já matou quase 60% das pessoas infectadas e que é transmitida principalmente pelos fluidos corporais.
Nas reuniões públicas as pessoas aprendem o que podem fazer se alguém aparece infectado com o ebola, e também trocam opiniões, averiguam como se propaga e aprendem a discernir sobre fatos e boatos. Koffi tem uma árdua tarefa para explicar o perigo que implica receber um familiar que vem da Libéria. Os grupos étnicos da Costa do Marfim estão separados pela fronteira liberiana e as famílias estão divididas entre os dois países.
Além disso, 50 mil marfinenses continuam refugiados em acampamentos da Libéria, para onde fugiram devido à violência desencadeada após as eleições de 2010-2011 entre forças do mandatário em exercício e do presidente eleito. Não é fácil mudar os hábitos alimentícios nem se distanciar dos familiares. Mas as autoridades da Costa do Marfim apostam que a mudança será possível mediante a educação entre iguais.
Quando o subprefeito parte, os dirigentes da comunidade continuam com a difusão de sua mensagem. Cada povoado cria um comitê de coordenação que incorpora vários membros de todas as idades e gêneros para seguir a discussão. “Essas aldeias estão muito isoladas, e a algumas não se pode chegar de carro”, explicou Koffi. Não seria possível conter uma pandemia sem o apoio da comunidade, ressaltou.
Soro concorda com essa opinião. “Estou em estado de alerta desde março. Cada vez que vejo alguém, falo sobre o ebola. Tento confirmar se há possíveis casos”, contou à IPS. Como não há médicos na região, Soro é a fonte mais qualificada de aproximadamente seis mil habitantes. Embora viaje entre os povoados com sua pequena motocicleta, não tem tempo de visitar todos. “Os auxiliares comunitários de saúde são necessários. Sabem como falar à sua comunidade”, acrescentou.
Albertina Beh Kbenon faz parte do comitê de coordenação em Gueyede. “No começo pensamos que o ebola fosse uma brincadeira, um boato inventado”, disse à IPS. Mas agora leva a ameaça tão a sério que vai de porta em porta para falar sobre a ameaça da doença com seus vizinhos. Ela mesma desconfiava do que diziam as autoridades.
Mas se deu conta da gravidade do problema quando os meios de comunicação locais e internacionais, especialmente o rádio, transmitiram a informação. “Na Libéria consideraram uma brincadeira. Acreditavam que o governo mentia. Isso os matou. Não queremos o mesmo aqui”, afirmou Kbenon.
Fatos, não boatos
O ebola só contagia quando os sintomas se manifestam. Estes aparecem entre dois e 21 dias após a infecção: febre, dor de cabeça, diarreia, vômitos, debilidade, dor estomacal, falta de apetite, hemorragias sem motivos, dores musculares e nas articulações.
O primeiro foco surgiu em março em quatro países da África Ocidental: Guiné, Libéria, Nigéria e Serra Leoa. O índice de mortalidade da doença é de cerca de 60% dos infectados, e é transmitida principalmente por morcegos, e deles para os macacos e outros animais silvestres. Envolverde/IPS
(IPS)
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