Hazel Henderson destaca as dificuldades para a economia vislumbrar as relações de integração com o planeta e com o outro, em um ecossistema integrado e plural
Do descompasso entre economia e sociedade eclodiu a crise econômica de 2008. Desde então, os economistas têm se debruçado para produzir políticas de reforma que respondessem às necessidades contemporâneas. Para a futurista Hazel Henderson, no entanto, estas tentativas têm sido em vão. Isto porque, para ela, não houve nenhuma aproximação entre o conceito de evolução consciente e economia.
“As premissas econômicas e os modelos obsoletos aplicados às finanças contribuíram para as crises, enquanto os remédios estreitos não conseguiram fomentar a recuperação”, propõe. Para ela, uma economia consciente precisa levar em conta a integração de “todas as economias” do planeta, e desta com a própria biosfera do planeta. O pensamento econômico tradicional, no entanto, dá vazão a um sistema estático de pressupostos sobre a natureza humana, que ignora as possibilidades da nossa evolução para além da competição.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Henderson aborda seu conceito de economia do amor acompanhada do movimento open-source, a evolução verde (e as energias renováveis) como prova da evolução consciente da humanidade, e o modo como os movimentos de autoempoderamento e de reforma social, como o 15-M na Espanha ou o Occupy nos Estados Unidos, representam “mudanças rumo à evolução consciente por parte de milhões de indivíduos”.
Hazel Henderson é colunista internacional e consultora de desenvolvimento sustentável. Como editora das publicações Futures (Reino Unidos) e WorldPaper (EUA), ela participa de muitos conselhos, inclusive do Worldwatch Institute e do Fundo Calvert de Investimento Social, ajudando a criar os Indicadores da Qualidade de Vida Calvert-Henderson. Foi assessora da National Science Foundation e do U.S. Office of Technology Assessment, de 1974 até 1980. Seu trabalho pode ser conferido na página www.hazelhenderson.com. Dos seus vários livros, foram publicados no Brasil Transcendendo a Economia (São Paulo: Cultrix, 1991), Construindo um mundo onde todos ganhem (São Paulo: Cultrix, 1996) e Além da globalização: modelando uma economia global sustentável (São Paulo: Cultrix, 1999).
A economista Hazel Henderson participou, em 2005, aqui na Unisinos, do “Simpósio Internacional Terra Habitável”, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos. Na edição 58 do Cadernos IHU foi publicado o artigo Sociedade sustentável e desenvolvimento sustentável: limites e possibilidades, disponível em http://bit.ly/ihuid58.
Confira a entrevista:
IHU On-Line – Quando e em que circunstâncias se deu a aproximação entre o conceito de evolução consciente e economia?
Hazel Henderson – Não houve nenhuma aproximação entre o conceito de evolução consciente e economia! Esse é o principal problema e a razão pela qual a profissão de economia não está conseguindo produzir políticas de reforma depois das crises financeiras de 2008. As premissas econômicas e os modelos obsoletos aplicados às finanças contribuíram para as crises, enquanto os remédios estreitos — austeridade ou estímulo — não conseguiram fomentar a recuperação. Eu examinei a pesquisa científica recente que, agora, invalidou todos os princípios fundamentais da economia. Estes se revelam demasiadamente estreitos para aceitar o fato de que todas as “economias” estão incrustadas nas sociedades, que, por sua vez, estão incrustadas na biosfera do nosso planeta Terra.
IHU On-Line – Em que medida a evolução consciente nos oferece elementos para repensar e problematizar o campo da economia?
Hazel Henderson – A evolução consciente é uma importante ferramenta conceitual que reflete as realidades da evolução humana desde os nossos tempos mais remotos. Claramente, os seres humanos evoluíram a partir de tribos nômades para agricultura fixa, aldeias, vilas, cidades, nações, corporações globais e as Nações Unidas. Tal evolução não teria sido possível sem a nossa consciência constantemente em expansão a respeito da nossa situação, do ambiente e da emergência dos milhões de “cidadãos planetários” que vemos hoje. A economia é um sistema estático de pressupostos sobre a natureza humana, que ignora as possibilidades da nossa evolução para além da competição, incluindo a vinculação, a cooperação, a partilha e as possibilidades que Charles Darwin viu de crescente altruísmo. A economia roubou a seleção natural através do fitness das espécies de Darwin e a renomeou como “a sobrevivência do mais apto” (indivíduo!), dando origem, assim, à ideologia do darwinismo social.
IHU On-Line – Nesse sentido, como podemos compreender adequadamente uma economia verde? Ela é uma das expressões dessa evolução consciente?
Hazel Henderson – A economia verde (para além da ciência econômica [economics]) é a expressão da evolução do uso humano da energia: das rodas d’água, da força animal agrícola e da escravidão à madeira, ao carvão, ao óleo de baleia, ao petróleo e ao urânio. Por fim, em vez de cavar a Terra em busca da nossa energia, estamos olhando para cima e aprendendo a colher o fluxo diário e gratuito de fótons do nosso Sol de forma tão eficiente quanto as plantas na sua invenção da fotossíntese, que fornece toda a alimentação humana. Essa também é a prova da evolução consciente da humanidade.
IHU On-Line – Qual é o espaço dos mercados éticos numa sociedade de economia financeirizada e globalizada?
Hazel Henderson – Os mercados estão profundamente enraizados em todas as sociedades desde os tempos tribais e nômades. Mas eles eram locais, face a face e sempre culturalmente enraizados, permitindo a confiança sem a qual os mercados não poderiam existir. Como as sociedades evoluíram para grupos e empresas maiores, os mercados utilizaram os símbolos monetários para além das simples trocas e intercâmbios nas aldeias. Finalmente, nós temos agora moedas altamente abstratas e mercados de valores mobiliários que estão muito distantes da produção primária das sociedades humanas. Assim, a confiança e a ética se perdem, enquanto as finanças continuam a divergir das realidades da produção real.
Se os mercados devem sobreviver, eles precisam restaurar a confiança e a ética. A minha empresa, a Ethical Markets® Media (EUA e Brasil), foi fundada para informar sobre a extensão em que a responsabilidade, a ética e a total responsabilização humanas pelos danos sociais e ambientais também podem evoluir. Relatamos tais reformas éticas e as encorajamos a partir do nosso site, da série de TV Transforming Finance, do nosso Green Transition Scoreboard® [medidor que acompanha o avanço da economia verde], dos Principles of Ethical Biomimicry Finance® [metodologia para identificar tecnologias e empresas que aceleram a transição verde] e do prêmio EthicMark® para publicidades que elevam o espírito e os potenciais humanos para o nosso futuro.
IHU On-Line – Em uma entrevista concedida à IHU On-Line em 2009, você afirma que o capitalismo evolui “rumo a níveis mais elevados de consciência em decorrência do colapso de seu maluco cassino global”. De lá para cá, houve algum avanço nesse sentido?
Hazel Henderson – Desde 2009, reportamos muitos dos sinais de que o capitalismo pode evoluir, pois eu acredito que os colapsos impulsionam os avanços e que o estresse é a ferramenta da evolução. Desde a crise financeira, poucas reformas ocorreram no cassino global. Assim, pequenos investidores fugiram, levando de volta bilhões das suas economias para empreendimentos locais, cooperativas de crédito, pequenas empresas comunitárias, microfinanças, mercados de agricultores, coabitação, partilhas, trocas e moedas locais. Gestores de bens socialmente preocupados renunciaram aos combustíveis fósseis, à energia nuclear e a outras atividades destrutivas, respondendo aos estudantes e a movimentos sociais como o Fórum Social Mundial e o Occupy Wall Street . Mas o júri ainda quer saber se o capitalismo sobreviverá ou vai dar lugar a não remunerada “Economia do amor” que eu descrevo e vai se juntar aos “bens colaborativos” descritos por Jeremy Rifkin no seu The Zero Marginal Cost Society (Hampshire: Palgrave Macmillan Trade, 2014).
IHU On-Line – Em que sentido a “economia do amor” e a evolução consciente estabelecem um contraponto para o modelo econômico global atual?
Hazel Henderson – Essas tendências voltadas à partilha, à cooperação e ao cuidado são agora acompanhadas pelo movimento open-source e de mídia social, oferecendo muitas oportunidades para avançar rumo a sociedades mais verdes, mais equitativas e mais ricas em conhecimento, como eu descrevo em todos os meus livros.
IHU On-Line – À luz das ideias da evolução consciente, como analisa os movimentos de contestação ao capitalismo, como o Ocuppy Wall Street, os indignados, o 15-M e os protestos desencadeados em junho de 2013 no Brasil?
Hazel Henderson – Eu vejo os novos movimentos de autoempoderamento e de reforma social como mudanças rumo à evolução consciente por parte de milhões de indivíduos, seja os “indignados”, o Occupy Wall Street, o Fórum Social Mundial, até as explosões da Primavera Árabe, os protestos contra os custos dos estádios da Copa do Mundo no Brasil e os estudantes no Chile, na Europa e nos Estados Unidos — todas baseadas em uma maior conscientização das possibilidades humanas.
IHU On-Line – Em que medida a concepção de evolução consciente oferece uma perspectiva otimista sobre o futuro do capitalismo frente a eventos como a crise de 2008?
Hazel Henderson – A evolução consciente oferece uma conscientização em expansão para os envolvidos no investimento capitalista. Os nossos Princípios de Ética Biomimética das Finanças expandem os seus modelos assim como a realidade do nosso planeta em mudança relatada a cada hora pelos satélites de observação da Terra nesta era antropocena. Os gestores de bens tiveram que aprender geologia, a fim de investir em energias fósseis e minerais; agora eles precisam aprender a Ciência dos Sistemas Terrestres , que nós relatamos diariamente em vínculo com a NASA e a Geostationary Coastal and Air Pollution Events – GEO.
* Tradução: Moisés Sbardelotto.
** Publicado originalmente no site IHU On-Line.
(IHU On-Line)
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