Grabice, Polônia e Proschim, Alemanha, 29/8/2014 – “Nos reunimos aqui para dizer aos políticos que acabou a forma como usávamos a energia e o ambiente nos séculos 19 e 20”, afirmou Radek Gawlik, um dos ecologistas mais conhecidos da Polônia. “Já passou a época da queima de carvão e, o quanto antes entendermos isso, melhor para nós”, acrescentou.
Gawlik acompanhou mais de 75 mil pessoas em uma corrente humana de oito quilômetros de comprimento que uniu, no dia 23, a localidade de Kerkwitz, na Alemanha, à de Grabice, na Polônia, em protesto contra a expansão, nos dois lados da fronteira, da mineração de lignito, um tipo de carvão com alto teor de carbono.
Os moradores das duas cidades, cujas casas ficariam destruídas pela expansão da mineração, ativistas poloneses e alemães e visitantes de outros países formaram a corrente humana, organizada pelo Greenpeace e outras ONGs ambientalistas europeias, que cruzou o rio Niesse que marca a fronteira entre os dois países.
Se prosperarem, os planos de mineração deslocarão pelo menos seis mil pessoas na parte alemã da região de Lusacia e três mil no sudoeste da Polônia. Neste país, a empresta estatal de energia Polska Grupa Energetyczna (PGE) projeta uma mina de lignito a céu aberto, que extrairá quase dois milhões de toneladas de carvão por ano, o que supera a capacidade do lado alemão.
A política energética da Alemanha é considerada um exemplo, entre outras coisas, pela Energiewende, uma estratégia para descarbonizar a economia até 2050, mediante a redução de até 95% das emissões de gases-estufa, 60% de energias renováveis no setor energético e aumento de 50% na eficiência energética. Hoje, as fontes renováveis produzem 25% da energia do país.
Ampliar a mineração do carvão, como ocorreria na região de Lusacia, contradiz os objetivos alemães, afirmam os ambientalistas. “A expansão das minas de lignito e a meta de descarbonização da Alemanha até 2050 com a Energiewende não se encaixam de forma alguma”, afirmou Gregor Kessler, do Greenpeace Alemanha.
“A Alemanha deve realizar fortes cortes na queima de carvão se deseja alcançar sua própria meta climática em 2020”, de redução das emissões de dióxido de carbono em 40%, acrescentou Kessler. “Porém, o governo ainda tem medo de dar o próximo passo lógico e anunciar um plano de eliminação do carvão”, ressaltou.
Segundo Kessler, os políticos repetem que “o carvão continuará sendo necessário durante anos para dar segurança energética. Mas, ainda hoje, uma grande quantidade da energia gerada pelo carvão é exportada para outros países, enquanto cada vez mais vem de fontes renováveis”.
A expansão de Vattenfall – maior produtora de eletricidade nos países nórdicos e a quinta maior empresa de energia na Europa – ameaça Proschim, povoado de 360 habitantes. A destruição desta pequena comunidade rodeada por minas de lignito é mais polêmica porque hoje em dia produz mais eletricidade a partir de energia renovável do que a necessária para sua população.
O aumento produtivo em Nochten e Welzow-Süd, duas minas a céu aberto da Vattenfall, destruiria Proschim e seu parque solar e eólico, além de sua unidade de biogás. “É um paradoxo. Temos tanta energia renovável em Proschim, e é este lugar que querem arrasar”, afirmou seu ex-prefeito Erhard Lehmannn.
No entanto, Proschim está dividida, já que metade de seus moradores aceitam o projeto de expansão de Vattenfall, entre eles o prefeito Volker Glaubitz e sua mulher Ingrid, oriunda de Haidemühl, um povoado vizinho que foi evacuado para permitir a expansão da mina a céu aberto Welzow-Süd. Agora Haidemühl é conhecido como “povoado fantasma”, porque a Vattenfall não pôde derrubar seus prédios abandonados devido a problemas legais vinculados à propriedade privada.
“O futuro deverá ter energia renovável, mas agora é muito cara e precisamos do lignito como tecnologia ponte. As minas trazem muitos postos de trabalho para a região. Sem o carvão, Lusacia já estaria morta”, afirmou Glaubitz à IPS.
Johannes Kapelle, agricultor de 78 anos em guerra contra a destruição de Proschim, tem opinião contrária. “O carvão já está desaparecendo, é algo que pertence ao passado”, afirmou este homem de origem sorbia. Sua casa está coberta de painéis solares e, de seu jardim, mostra com orgulho o parque eólico que abastece Proschim, com produção anual de cinco gigawatts.
Para Kapelle, a extração de lignito ameaça a cultura sorbia, vinculada esperitualmente à terra, desde que começou a industrialização da região há mais de cem anos. “Quando um sorbio tem uma casa sem jardim, terras de cultivo, florestas ou lago então já não é um verdadeiro sorbio porque carece de terra sagrada”, afirmou.
Em matéria climática, a Polônia é a ovelha negra da Europa, porque produz 90% de sua eletricidade a partir do carvão, e sua estratégia nacional de energia reserva a esse mineral o papel central nas próximas décadas. O governo polonês, dirigido pelo primeiro-ministro Donald Tusk, tentou nos últimos anos fazer com que a União Europeia (UE) não adotasse metas climáticas mais ambiciosas.
Os mais de cem mil postos de trabalho gerados pela mineração do carvão na Polônia são um argumento para manter o setor em atividade, segundo as autoridades locais. Além disso, o carvão constitui uma reserva local que pode garantir a “segurança energética” do país, acrescentam.
Mas os contrários ao carvão dizem que as energias renováveis e a eficiência energética também geram empregos. E, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o investimento na eficiência energética dos prédios por si só poderia criar até 3,5 milhões de empregos na UE e nos Estados Unidos.
Os ecologistas também argumentam que o carvão não é tão barato como seus defensores afirmam. Segundo o Instituto de Estudos Econômicos de Varsóvia, em poucos anos as subvenções da mineração do carvão na Polônia atingirão até 2% do produto interno bruto.
“Na Polônia, o lobby do carvão é muito forte”, ressaltou Gawlik. “Também tenho a impressão de que nossos políticos não entendem que as energias renováveis e a eficiência energética já se transformaram em alternativas reais e não têm custo altos”, enfatizou. Envolverde/IPS
* Com colaborações de Anja Krieger e Elena Roda (Alemanha).
(IPS)
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