Começo de ano, bom momento para fazer novos planos e rever os antigos. Reorganizar metas, objetivos, desejos e colocar tudo em perspectiva. Também é salutar refletir sobre hábitos há muito tempo arraigados e, quem sabe, necessitem ser abandonados ou modificados em nome de uma vida mais saudável e equilibrada.
Há mais de dez anos não sou proprietário de um veículo motorizado. Resido em uma região muito bem servida de transporte público (ônibus e metrô), uma gama de serviços quase ao alcance da mão (supermercados, cinemas, padarias, bancos) e para quase todos os meus compromissos profissionais o tempo médio gasto em deslocamentos gira em torno de 20 minutos (espantoso e irrisório para uma cidade como São Paulo). Por essas razões, a decisão sobre voltar a ter um carro tem sido protelada sine die. Portanto, decidi por um momento, levantar nestas linhas a possibilidade de adquirir uma dessas máquinas maravilhosas e redentoras.
Uma pausa para falar do interesse coletivo
Aqui neste espaço já falei diversas vezes dos problemas relacionados ao transporte individual. Entre eles, os causados pelo aumento exponencial, nos últimos anos, no número de carros que ocupam as ruas, estradas e avenidas de todo o país. Algumas das consequências: congestionamentos cada vez maiores; cidades desfiguradas por obras caras e ineficientes; perda da qualidade de vida e aumento da poluição. Neste último item, tivemos no final de 2012 a notícia de que São Paulo já não irá cumprir sua meta de redução das emissões de gases do efeito estufa. Ao invés de reduzir foi registrado um aumento nas emissões da cidade no período de nove anos até 2011.
O inventário paulistano de emissões dos chamados GEEs responsáveis pelo aquecimento global registrou crescimento de 4,4% de 2003 a 2011, atingindo 16,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. O número corresponde à emissão de 1,5 tonelada por habitante. Na ocasião, o professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, afirmou que uma possível solução virá por ações que reduzam o transporte individual na cidade.
De volta às decisões de caráter pessoal
Agora voltando à dúvida cruel: comprar ou não um carro? Antes de mais nada é importante ressaltar que busquei fazer uma reflexão baseada em fatos cotidianos, opiniões de pessoas conhecidas, leituras e sobre os apelos comerciais a que somos bombardeados diariamente.
Sei muito bem que existem outras realidades bastante diversas da minha, as motivações para se possuir um carro variam bastante, mas é também verdade que uma boa parte das principais razões a favor ou contra a propriedade de um “veículo motorizado para o transporte individual” (chamados a partir de agora neste texto de VMTI), guardam semelhanças comuns.
Senão vejamos esse singelo levantamento de 10 argumentações contra e a favor para a aquisição de um VMTI. Como disse anteriormente não são baseados em levantamento científico, mas apenas na realidade cotidiana.
Os 10 argumentos contrários são: 1 – IPVA; 2 – Licenciamento; 3 – Seguro; 4 – Manutenção e Combustível; 5 – Estacionamento; 6 – Congestionamentos; 7 – Segurança; 8 – Liberdade; 9 – Comodidade; 10 – Sedentarismo.
E as 10 argumentações a favor: 1 – Necessidade (por deficiências do transporte público); 2 – Deslocamentos (constantes durante o dia); 3 – Transporte de Crianças e material de trabalho; 4 – Lazer noturno; 5 – Segurança; 6 – Liberdade; 7 – Comodidade; 8 – Status; 9 – Diferenciação/Individualidade; 10 – Felicidade.
Racionais ou subjetivos, o poder das boas decisões
O leitor poderá notar que os primeiros apontamentos referem-se a critérios racionais, baseados em questões financeiras, profissionais e logísticas.
Também há de notar que na sequência algumas das ponderações são exatamente iguais para ambos, pois refletem o ponto de vista do observador e seu cotidiano. Questões como, por exemplo, estar dentro ou fora de um carro representa maior ou menor segurança? É possível afirmar em qual situação se está mais protegido? Dentro de um VMTI a pessoa está menos ou mais exposta a assaltos e acidentes?
Quesitos como liberdade e comodidade são outros fatores que vão depender de condições bastante individualizadas. Para os que podem andar a pé ou de metrô em horários alternativos esses argumentos vão soar de maneira completamente diferente, em relação àqueles que são obrigados a tomar um ônibus superlotado em horário de pico. No segundo caso, o que esse cidadão vai preferir?
Melhor estar de pé, espremido em ambiente abafado durante 1 ou 2 horas dentro de um ônibus ou, mesmo parado em um congestionamento, sentado em seu VMTI, ouvindo música com o ar condicionado ligado?
Já para os primeiros que poderão se utilizar de um transporte rápido e barato como o metrô ou até mesmo realizar aprazíveis e saudáveis caminhadas, bem menos estressantes e desconfortáveis o uso de um VMTI é pouco recomendável, pois sujeito estará a ficarem parados em desnecessários e cansativos engarrafamentos.
As boas razões encobertas
Entre a lógica pura e as razões subjetivas, mas não desprovidas de uma boa carga de bom senso, chegamos aos 3 últimos itens que se referem especificamente às motivações para a posse de um VMTI.
Serão poucos aqueles que os colocarão conscientemente na lista dos dez mais, mas posso afirmar que em inúmeros casos, o estímulo principal para a compra do veículo está associado a ideias como Status, Diferenciação e Felicidade.
Fortemente influenciados pela maciça e onipresente publicidade de carros, muitos incautos são levados a comprá-los, não pelas óbvias necessidades, mas por fatores desprovidos de recomendáveis ponderações.
Os anúncios em TVs, rádios, jornais e revistas “vendem” os VMTIs como redentores de todas as nossas frustrações. Do sujeito que vai sumindo aos poucos e numa corrida em desespero e só recupera a sua visibilidade dentro dessa máquina milagrosa, ao festival de estereótipos vazios em que se determina uma pessoa respeitável pelo que ela possui e como se apresenta terminando ou começando por seu bólido na garagem, somos todos barbaramente influenciados por essas publicidades.
Seremos melhores, mais bonitos, mais bem sucedidos e até mesmo únicos, ao comprar um determinado VMTI, mesmo que ele seja um veículo de série medianamente popular e comercializado aos milhares. Uma falácia que, infelizmente, consegue ludibriar muita gente.
Bem, depois dessas rápidas considerações e nem um pouco seduzido por esses anúncios que me abririam as portas do paraíso, concluo que ainda continuarei sem um veículo motorizado de transporte individual. Quem sabe no próximo ano.
E você leitor? O que acha de tirar as suas próprias conclusões a favor ou contra a posse desses veículos?
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FONTE : * Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.
Há mais de dez anos não sou proprietário de um veículo motorizado. Resido em uma região muito bem servida de transporte público (ônibus e metrô), uma gama de serviços quase ao alcance da mão (supermercados, cinemas, padarias, bancos) e para quase todos os meus compromissos profissionais o tempo médio gasto em deslocamentos gira em torno de 20 minutos (espantoso e irrisório para uma cidade como São Paulo). Por essas razões, a decisão sobre voltar a ter um carro tem sido protelada sine die. Portanto, decidi por um momento, levantar nestas linhas a possibilidade de adquirir uma dessas máquinas maravilhosas e redentoras.
Uma pausa para falar do interesse coletivo
Aqui neste espaço já falei diversas vezes dos problemas relacionados ao transporte individual. Entre eles, os causados pelo aumento exponencial, nos últimos anos, no número de carros que ocupam as ruas, estradas e avenidas de todo o país. Algumas das consequências: congestionamentos cada vez maiores; cidades desfiguradas por obras caras e ineficientes; perda da qualidade de vida e aumento da poluição. Neste último item, tivemos no final de 2012 a notícia de que São Paulo já não irá cumprir sua meta de redução das emissões de gases do efeito estufa. Ao invés de reduzir foi registrado um aumento nas emissões da cidade no período de nove anos até 2011.
O inventário paulistano de emissões dos chamados GEEs responsáveis pelo aquecimento global registrou crescimento de 4,4% de 2003 a 2011, atingindo 16,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. O número corresponde à emissão de 1,5 tonelada por habitante. Na ocasião, o professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, afirmou que uma possível solução virá por ações que reduzam o transporte individual na cidade.
De volta às decisões de caráter pessoal
Agora voltando à dúvida cruel: comprar ou não um carro? Antes de mais nada é importante ressaltar que busquei fazer uma reflexão baseada em fatos cotidianos, opiniões de pessoas conhecidas, leituras e sobre os apelos comerciais a que somos bombardeados diariamente.
Sei muito bem que existem outras realidades bastante diversas da minha, as motivações para se possuir um carro variam bastante, mas é também verdade que uma boa parte das principais razões a favor ou contra a propriedade de um “veículo motorizado para o transporte individual” (chamados a partir de agora neste texto de VMTI), guardam semelhanças comuns.
Senão vejamos esse singelo levantamento de 10 argumentações contra e a favor para a aquisição de um VMTI. Como disse anteriormente não são baseados em levantamento científico, mas apenas na realidade cotidiana.
Os 10 argumentos contrários são: 1 – IPVA; 2 – Licenciamento; 3 – Seguro; 4 – Manutenção e Combustível; 5 – Estacionamento; 6 – Congestionamentos; 7 – Segurança; 8 – Liberdade; 9 – Comodidade; 10 – Sedentarismo.
E as 10 argumentações a favor: 1 – Necessidade (por deficiências do transporte público); 2 – Deslocamentos (constantes durante o dia); 3 – Transporte de Crianças e material de trabalho; 4 – Lazer noturno; 5 – Segurança; 6 – Liberdade; 7 – Comodidade; 8 – Status; 9 – Diferenciação/Individualidade; 10 – Felicidade.
Racionais ou subjetivos, o poder das boas decisões
O leitor poderá notar que os primeiros apontamentos referem-se a critérios racionais, baseados em questões financeiras, profissionais e logísticas.
Também há de notar que na sequência algumas das ponderações são exatamente iguais para ambos, pois refletem o ponto de vista do observador e seu cotidiano. Questões como, por exemplo, estar dentro ou fora de um carro representa maior ou menor segurança? É possível afirmar em qual situação se está mais protegido? Dentro de um VMTI a pessoa está menos ou mais exposta a assaltos e acidentes?
Quesitos como liberdade e comodidade são outros fatores que vão depender de condições bastante individualizadas. Para os que podem andar a pé ou de metrô em horários alternativos esses argumentos vão soar de maneira completamente diferente, em relação àqueles que são obrigados a tomar um ônibus superlotado em horário de pico. No segundo caso, o que esse cidadão vai preferir?
Melhor estar de pé, espremido em ambiente abafado durante 1 ou 2 horas dentro de um ônibus ou, mesmo parado em um congestionamento, sentado em seu VMTI, ouvindo música com o ar condicionado ligado?
Já para os primeiros que poderão se utilizar de um transporte rápido e barato como o metrô ou até mesmo realizar aprazíveis e saudáveis caminhadas, bem menos estressantes e desconfortáveis o uso de um VMTI é pouco recomendável, pois sujeito estará a ficarem parados em desnecessários e cansativos engarrafamentos.
As boas razões encobertas
Entre a lógica pura e as razões subjetivas, mas não desprovidas de uma boa carga de bom senso, chegamos aos 3 últimos itens que se referem especificamente às motivações para a posse de um VMTI.
Serão poucos aqueles que os colocarão conscientemente na lista dos dez mais, mas posso afirmar que em inúmeros casos, o estímulo principal para a compra do veículo está associado a ideias como Status, Diferenciação e Felicidade.
Fortemente influenciados pela maciça e onipresente publicidade de carros, muitos incautos são levados a comprá-los, não pelas óbvias necessidades, mas por fatores desprovidos de recomendáveis ponderações.
Os anúncios em TVs, rádios, jornais e revistas “vendem” os VMTIs como redentores de todas as nossas frustrações. Do sujeito que vai sumindo aos poucos e numa corrida em desespero e só recupera a sua visibilidade dentro dessa máquina milagrosa, ao festival de estereótipos vazios em que se determina uma pessoa respeitável pelo que ela possui e como se apresenta terminando ou começando por seu bólido na garagem, somos todos barbaramente influenciados por essas publicidades.
Seremos melhores, mais bonitos, mais bem sucedidos e até mesmo únicos, ao comprar um determinado VMTI, mesmo que ele seja um veículo de série medianamente popular e comercializado aos milhares. Uma falácia que, infelizmente, consegue ludibriar muita gente.
Bem, depois dessas rápidas considerações e nem um pouco seduzido por esses anúncios que me abririam as portas do paraíso, concluo que ainda continuarei sem um veículo motorizado de transporte individual. Quem sabe no próximo ano.
E você leitor? O que acha de tirar as suas próprias conclusões a favor ou contra a posse desses veículos?
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FONTE : * Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.
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