Johannesburgo, África do Sul, 11/1/2013 – Nos últimos dias do regime de segregação racial apartheid, as autoridades da África do Sul tomaram uma decisão com grandes consequências para o país e o continente: puseram fim ao seu programa de armas nucleares. “A primeira etapa implicou o desmantelamento de seis dispositivos nucleares completos (e um parcialmente montado)”, disse Greg Mills, que dirige a Fundação Brenthurst, com sede em Johannesburgo e que assessora governos africanos.
“A decisão foi tomada pelo presidente na época, F. W. de Klerk, em fevereiro de 1991, pouco depois da libertação de Nelson Mandela e do fim da proibição do Congresso Nacional Africano (CNA), do Congresso Pan-Africano e do Partido Comunista Sul-Africano”, explicou Mills. A África do Sul assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear em 10 de julho de 1991. Sete semanas depois, em 16 de setembro, assinou o Acordo Integral de Salvaguardas com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o que permitiu inspeções frequentes às suas instalações.
“As autoridades sul-africanas cooperaram com a AIEA durante todo o processo de verificação, e foram elogiadas em 1992 pelo então diretor geral da agência, Hans Blix, por dar aos inspetores acesso ilimitado e mais dados do que os previstos pelo Acordo de Salvaguardas”, destacou Mills. “O segundo passo foi o desmantelamento do programa de mísseis balísticos da África do Sul, que começou em 1992 e durou 18 meses”, acrescentou. “Este processo levou à sua incorporação ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis em setembro de 1995, após a verificação da destruição do último de seus dispositivos”, prosseguiu.
“E a terceira etapa incluiu o fechamento do programa de guerra biológica e química”, afirmou Mills, destacando que a “África do Sul é o único país do mundo que desmantelou de forma voluntária sua capacidade armamentista nuclear”. “A experiência sul-africana assinala a importância de se criar um ambiente propício,no qual os regimes possam ter suficiente confiança para se desarmar e se manter assim”, ressaltou.
A questão aqui é qual foi o motivo do desarmamento, o interesse em um continente livre de armas nucleares ou, reconhecendo a queda do apartheid, o de impedir que Nelson Mandela e o futuro governo do CNA tivessem o controle do armamento? “O atual presidente, Jacob Zuma, sem dúvida, acredita, como muitos de seus companheiros ativos durante a transição democrática, que as pessoas que construíram o arsenal atômico da África do Sul não quiseram que o CNA pusesse suas mãos nele”, escreveu Terence McNamee, subdiretor da Fundação Brenthurst, no jornal Star, de Johannesburgo.
McNamee afirmou que De Klerk esperou até março de 1993 para informar ao mundo sobre o desmantelamento do arsenal nuclear da África do Sul, e até então “ninguém, nem mesmo Nelson Mandela, havia sido notificado de que o programa tinha sido abolido”, e, menos ainda, que existia. As armas atômicas já não têm lugar na África do Sul nem no continente, mas há grande expectativa por esta alternativa para gerar energia. “A fonte nuclear pode ajudar a responder ao extraordinário atraso dos países africanos em matéria energética, pois o continente tem uma produção semelhante à da Espanha, mas com 20 vezes mais pessoas”, disse Mills à IPS. “Porém, as preocupações pelo uso da energia atômica na África vão ao próprio coração da razão pela qual há um atraso: a governança”, acrescentou.
Segundo o especialista em estratégia de marketing Jeremy Sampson, presidente executivo da consultoria Interbrand Sampson, em termos de imagem, a decisão da África do Sul de desmantelar seu arsenal nuclear melhorou sua autoridade moral em matéria de não proliferação. “Nas últimas décadas houve um drástico aumento da importância das questões de marca e reputação. Já não se aplica apenas a empresas, produtos e serviços, mas também a pessoas e até países”, afirmou.
Sobre as razões que levaram as autoridades sul-africanas a encerrar seu programa nuclear, Sampson especulou que o regime pode ter recebido incentivos que não foram levados ao público. “A África do Sul realmente desenvolveu dispositivos nucleares? Quem a ajudou? Houve uma simulação no fundo do Atlântico? Como foram usados?”, questionou. Também afirmou que a decisão voluntária das autoridades sul-africanas apresenta muitas outras interrogações.
“O regime do apartheid estava realmente desesperado? As sanções estavam causando estragos? Qual foi o intercâmbio? Quais garantias foram oferecidas? Realmente pagou-se aos integrantes do regime em fuga para usos ilícitos como ocorreu na Alemanha ao final da Segunda Guerra Mundial?, insistiu Sampson. Qualquer que tenha sido o incentivo, o consultor afirmou que deve ter sido “muito, muito significativo. A atividade militar em Angola e o apoio ao líder rebelde angolano Jonas Savimbi provavelmente ocuparam um lugar importante na agenda”.
Frans Cronje, subdiretor geral do Instituto de Relações Raciais da África do Sul, disse que o regime do apartheid sofreu uma forte pressão do Ocidente, e, talvez, também da Rússia, para renunciar ao seu programa nuclear. “Todo o assunto foi disfarçado como retirada com honra de uma África atômica”, disse à IPS. “É como se os países ocidentais e a Rússia também se preocupassem pela existência de um Estado africano independente e com arsenal nuclear”, pontuou.
A África do Sul teria maior força no cenário internacional se tivesse armas atômicas, afirmou Cronje. “Tivessem levado a sério um Estado africano com arsenal nuclear e ele teria desempenhado um papel de liderança mais sólido, pois obriga as pessoas a levaram a sério”, acrescentou. “Em termos de liderança, renunciar às armas atômicas leva ao contrário, reduzindo a influência em assuntos internos e na política internacional”, explicou.
Talvez nunca saibamos as verdadeiras razões, mas o desmantelamento do programa nuclear deu à África do Sul benefícios morais que perduram até hoje. Deu uma voz em matéria de não proliferação e autoridade moral para criar sua própria indústria elétrica nuclear sem atrair as suspeitas da comunidade internacional, como ocorre com o Irã.
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FONTE : Envolverde/IPS
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