É recorrente na história da humanidade a ideia de que é possível construir o paraíso na Terra. Os antropólogos afirmam que tal ideia percorre a mente humana desde que em nós brotou a concepção de futuro.
Isso ocorreu lá num dia distante, numa trilha seca na savana africana, quando um de nossos ancestrais fez um buraco na terra e enterrou uma moringa, para que houvesse água quando ele passasse ali na volta. Dizem os especialistas que esse gesto indicava não só o surgimento, em nossa mente, da noção de futuro, mas de tudo o que isso traria consigo: o medo das coisas que estão por vir, a ansiedade, a esperança, a capacidade de sonhar, de imaginar coisas piores e coisas melhores.
E os extremos – pior e melhor – sempre andaram juntos quando se tratou de imaginar um mundo diferente daquele em que se vivia. O próprio paraíso cristão tem seu contrário, o inferno, a um passo de distância para quem não cumpre as regras da religião.
Assim, medo e desejo caminham juntos desde a aurora da nossa vida (in)consciente. Medo e desejo construíram e destruíram civilizações e nos levaram à encruzilhada em que nos encontramos neste século XXI.
Qual é essa encruzilhada?
Desde os anos 1960, a humanidade vem enfrentando vários dilemas para os quais ainda não obteve resposta: a acelerada revolução tecnológica mexeu com empregos e com relações familiares; a exaustão dos recursos naturais impõe restrição ao uso intensivo deles; o modelo econômico baseado na industrialização intensiva e no consumo maciço também começa a entrar em colapso pela escassez de recursos naturais e pela própria crise de superprodução do sistema que se manifestaria em ciclos e de formas diferentes em vários lugares do planeta. A globalização acelerou todos os processos sociais, econômicos, ambientais e financeiros, concentrando ainda mais a riqueza produzida nas mãos de poucos e gerando bilhões de excluídos.
Assim, num cenário de terra devastada, entramos no século XXI e novo golpe é desferido contra quem nutria esperanças num século mais ameno: os relatórios Stern e do IPCC mostram o resultado de dois séculos de desenvolvimento industrial: o aquecimento global, que, se não for contido, poderá levar a tragédias ainda não vividas (e não imaginadas?) pela humanidade.
É nesse contexto de tragédia que cresce a ideia de que o dilema da humanidade, de inserir bilhões de marginalizados, de equilibrar o meio ambiente e de alcançar justiça não será possível se não houver uma mudança radical nos padrões de produção e consumo.
Ou adotamos a sustentabilidade ou haverá um desastre ambiental de proporções inimagináveis.
Assim, ante a necessidade – verdadeira – de superar o padrão atual de civilização – o que se apresenta é a construção que nosso medo fez do futuro.
Mas e o lado positivo disso tudo?
A sustentabilidade não tem nenhum atrativo além dos aterrorizantes dados constantemente divulgados? Seria possível engajar e mobilizar os diversos públicos por meio de estratégias de comunicação mais positivas, voltadas para o conjunto de oportunidades e conveniências que certamente existem quando falamos desse tema? Como fazer uma comunicação igualmente verdadeira, porém com muito mais empatia?
Sustentabilidade, por enquanto, só é uma ideia feliz nos comerciais de empresas. Por isso, continua sendo um conceito associado à venda, e não a uma utopia para mudar o mundo.
Sustentabilidade também é algo hoje associado à elite. Arquitetos com projetos de casas sustentáveis constroem para quem tem dinheiro. Bairros com ciclovias e outros serviços que não dependem de carro também são mais caros para morar.
Sustentabilidade, todavia, é a voz das ruas. É qualidade de vida para todos. É fazer mais com menos. É emprego, renda e trabalho decente. É criança na escola.
É também uma nova cultura, de compartilhamento, de cuidado, de preocupação com a coletividade. Por isso, economizamos água, apagamos a luz, separamos os resíduos. O que sobra para mim pode faltar para um vizinho.
Sustentabilidade é criar uma visão de mundo positiva – e mudar.
Mudar o mundo é um processo que necessita de pessoas, milhões de pessoas que encontram a mesma linguagem impulsionadora e, pelo desejo de ser feliz, vencem o medo de perder (o passado) e ganham força para superar adversidades, pois têm confiança e convicção no princípio, ainda que ela se desdobre em vários significados.
Todas as utopias precisaram de empresas e negócios para se transformar em realidade. Se hoje nossos jovens pedem saúde e educação pública gratuitas e de alta qualidade, essas demandas exigem uma indústria preparada para atendê-las.
* Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos.
** Publicado originalmente no site Instituto Ethos.
(Instituto Ethos)
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