EspanhaAlmeriaInstalacaoSol TERRAMÉRICA   Reforma prejudica setor fotovoltaico
Central fotovoltaica em Almeria, Espanha. Foto: Miguel Carra/Associação Nacional de Produtores e Investidores de Energias Renováveis
Há poucos anos, a Espanha se destacou por sua aposta nas fontes limpas de energia e na pequena geração elétrica.
Málaga, Espanha, 26 de agosto de 2013 (Terramérica).- Dezenas de milhares de famílias espanholas que investiram em energia solar fotovoltaica temem por seu futuro diante da reforma energética aprovada pelo governo de Mariano Rajoy. “Isto não será sustentável. Não sei como vamos conseguir dinheiro”, disse ao Terramérica Miguel Carra, que investiu o equivalente a US$ 670 mil em uma plataforma fotovoltaica de 70 quilowatts que funciona desde 2008 na cidade de Almeria, no sudeste da Espanha.
Como ele, muitos apostaram nesta fonte renovável em 2007, animados pelo marco regulatório que o governo de José Luiz Rodríguez Zapatero (2004-2011) consagrou no Real Decreto 661. Porém, em meio à crise econômica que trouxe uma grande queda no consumo, as autoridades voltaram atrás e modificaram as normas várias vezes. Desde 2011, o setor sofreu cortes de 30% na remuneração, segundo a União Espanhola Fotovoltaica (Unef).
Carra pediu um empréstimo para pagar em 12 anos e ainda lhe restam sete para amortizar o gasto que fez em suas placas solares. Rafael Barrera, diretor da Associação Nacional de Produtores de Energia Fotovoltaica (Anpier), estima perdas entre 20% e 42% desde 2007, e se queixa de que “as regras do jogo” mudaram “cinco vezes em três anos”, gerando uma insegurança jurídica que afugenta os investidores. “Como calcular a rentabilidade de algo sem saber a mudança que haverá amanhã?”
O Conselho de Ministros aprovou, no dia 12 de julho, um pacote de reformas para acabar com o “déficit de tarifa” – o desajuste entre entrada e gastos – do sistema elétrico, que acumula dívida de quase US$ 34,8 bilhões, segundo o Ministério de Indústria, Energia e Turismo.
O Real Decreto-Lei 9-2013, “pelo qual são adotadas medidas urgentes para garantir a estabilidade financeira do sistema elétrico”, muda o modelo de pagamento das energias renováveis: em lugar de receberem pela produção passam a ter garantida uma “rentabilidade razoável” de 7,5% ao longo de toda a vida útil das centrais, porcentagem aplicada sobre uma base de investimento “padrão” que o governo ainda não divulgou.
“Pode-se falar de um processo de expropriação encoberto”, afirma um comunicado assinado por Anpier, Unef, Associação de Produtores de Energias Renováveis (Appa) e Protermosolar. “A prometida rentabilidade razoável de 7,5% é muito inferior ao se aplicar os impostos e dependerá dos padrões que o governo estabelecer”, acrescenta a declaração. Carra afirma que os donos das 700 instalações fotovoltaicas de Almeria “se sentem totalmente enganados”. É que, “frente aos 80 megawatts (MW) produzidos entre todas, está a potência instalada de 630 MW dos grandes lobbies elétricos”, acrescentou.
“E, em lugar de incentivar as energias limpas, subsidia-se as tecnologias das grandes empresas energéticas que emitem dióxido na atmosfera”, advertiu Barrera, se referindo a Endesa, Iberdrola, Gas Natural Fensa, Hidrocantábrico e E.ON, as companhias que formam o oligopólio da energia na Espanha. Esta reforma “é um transtorno para as 55 mil famílias espanholas que investiram em energia solar fotovoltaica atendendo a um chamado do governo em 2007”, acrescentou, recordando que “o próprio Ministério” recomendava, na época, “que os investidores financiassem 80% de seus custos”.
Muitos proprietários devem renegociar dívidas, colocar dinheiro próprio ou entregar suas instalações aos bancos. “Não imaginava um futuro assim. Aos 65 anos estou prestes a perder tudo e precisar recomeçar”, lamentou o aposentado Ángel Miralda, que investiu todas suas economias em energia fotovoltaica, num vídeo da campanha da Anpier.
As fontes renováveis constituem 30% da matriz elétrica, e a solar fotovoltaica chega a 2,5%. Das instalações fotovoltaicas espanholas, 80% estão em zonas rurais. O produtor médio da Anpier, com cerca de 4.500 sócios, tem geradoras de 70 quilowatts, segundo o diretor da Anpier. “A Espanha foi o laboratório do mundo em fotovoltaica”, um investimento “ético, limpo e democrático, mas agora se deixa de lado os produtores de forma injusta e retroativa”, ressaltou.
A alteração retroativa das “normas para investimentos que já foram produzidos” também é duramente criticada por organizações ecológicas como Greenpeace, Amigos da Terra e Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Para estas entidades a reforma tem um objetivo a mais: “frear de vez o desenvolvimento das energias renováveis em favor das sujas” (gás, carvão, urânio). Barrera afirma que, se o objetivo é resolver o déficit de tarifa, “não se está pensando em um modelo energético de futuro”.
O presidente da Appa, José Miguel Villarig, disse em entrevista a uma rádio que “a dependência energética é o grande problema da Espanha”, e reprovou o governo por ter elaborado as medidas sem consultar o setor. As associações de renováveis argumentam que a reforma contradiz a diretriz europeia 2009/28/CE, de abril de 2009, que incentiva a energia limpa e propõe melhorar a eficiência energética em 20% até 2020. Por isso, a Anpier pretende “ir até o fim” e levar a reforma ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Madri também quer impor o “pedágio de apoio” pelo excedente de energia produzido por geradores de eletricidade para consumo próprio. Isto é como colocar um “imposto sobre o Sol”, penaliza o autoconsumo e, assim, desestimula a produção de energia em casa a partir de fontes limpas, argumentou Barrera. Em carta ao ministro de Indústria, Energia e Turismo, José Manuel Soria, o partido político Equo pede que se descarte esse pedágio, contemplado no rascunho do Real Decreto de Autoconsumo Elétrico.
A reforma energética também tem repercussões no emprego do setor renovável. “O governo blindou o mercado do autoconsumo onde existe um grande nicho”, disse ao Terramérica o sindicalista Juan Carlos Martín, representante dos trabalhadores da Isofotón, empresa de Málaga de placas fotovoltaicas. A firma, em situação falimentar perante os credores, demitiu “sem indenização” 354 trabalhadores, quase metade de seu quadro. Segundo Martín, as fábricas de placas solares “vão falir” se o governo não impulsionar o autoconsumo em lugar de “colocar todas as barreiras possíveis em favor dos oligopólios das petroleiras e do gás”. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.

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(Terramérica)