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quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O RETORNO DO ECOLOGISMO


Quando a crise ambiental da atualidade ganhou grande visibilidade, nos anos de 1970, ensaiei uma tipologia de atitudes diante dela. Identifiquei cinco posturas. A primeira, dos exponencialistas, continuava considerando a natureza como um estoque de recursos para a economia e como lixeira para descartes de dejetos. Seus adeptos estavam entre os governantes e empresários. No máximo, eles propuseram o zerismo, que consistia em congelar as taxas de crescimento econômico dos países, mantendo as desigualdades entre eles, mas sem mexer estruturalmente no sistema. Defendiam também, cinicamente, combater a crise social para, no futuro, se fosse o caso, atacar a crise ambiental com tecnologia mais desenvolvida, mas sempre mantendo intactos os estilos de vida criados pela revolução industrial.
Denominei a segunda corrente compatibilismo. Para ela, tratava-se de conciliar o capitalismo e o socialismo com proteção da natureza de imediato. O bravo José Lutzenberger imputou-lhe a ilusão de tentar demolir uma casa sem tocar nos móveis de seu interior. Ela encontrou seus defensores dentro dos órgãos governamentais de meio ambiente. Aliás, a legislação ambiental brasileira é compatibilista.
A terceira vinha de uma longa tradição na História do Brasil, e desembocou na Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, criada em 1958. Era o conservacionismo. Cientistas e estudiosos sérios desejavam a conservação de amostras representativas e funcionais de ecossistemas em unidades de conservação, bem como o uso judicioso dos recursos naturais. Faltava-lhe, porém, uma visão mais ampla de filosofia e de política.
O preservacionismo era a quarta, expressando tardiamente o ideal de uma natureza pura e intocada e buscando uma relação espiritual com ela. Foi a mais extremista de todas as tendências. Por isto, não conseguiu muitos adeptos.
A quinta, finalmente, denominava-se ecologismo. Na década de 1970, não era comum falar em ambientalismo. Ecologia e ecologismo eram palavras bem mais correntes. A ecologia era e é a ciência dos ecossistemas. O ecologismo era um movimento filosófico que empreendeu uma crítica radical da civilização industrial em suas versões capitalista e socialista por julgá-la o mais insustentável modo de vida construído pelo ser humano. Ao mesmo tempo, formulou um projeto novo de civilização com forte embasamento filosófico e aguçada percepção política.
O ecologismo foi construí¬do por um grupo vigoroso de intelectuais, tais como Michel Bosquet, Rudolph Bahro, Ivan Illich, Jean-Pierre Dupuy, Dominique Simmonet, Laura Conti, entre outros. Na década de 1980, com o agravamento da crise, era de se esperar uma reação do capitalismo e do socialismo, embora este último estivesse em seus estertores. O compatibilismo passou, então, a se fortalecer com um novo nome: desenvolvimento sustentável. Em 1987, foi lançado no Brasil, com o título de Nosso Futuro Comum, o Relatório da Comissão Brundtland, constituída pela ONU para apontar rumos à civilização industrial. A proposta do desenvolvimento sustentável norteou a Conferência RIO'92 e as que se seguiram, tanto quanto o Protocolo de Kyoto. O exponencialismo adotou a linguagem da sustentabilidade à exaustão, banalizando o conceito. O conservacionismo adquiriu um sentido meramente técnico. O preservacionismo mergulhou na chamada ecologia profunda. O lugar do ecologismo foi sendo ocupado pelos marxistas, que, num primeiro momento, consideraram o ecologismo como um movimento da pequena burguesia e da classe média. Não podendo, entretanto, ignorar mais a crise ambiental, eles fizeram uma adaptação do marxismo à nova questão. Nasceu, assim, a "justiça ambiental", que trabalha criticamente colada aos movimentos sociais, entendendo que os problemas sociais atingem mais os pobres do que os ricos.
Atualmente, uma nova identificação de correntes se impõe. A proposta de um ambientalismo multissetorial, formulada por Eduardo Viola, Héctor Leis e Sérgio Boeira, escondia correntes mais amplas, apenas adaptadas a grupos sociais distintos. Continuo percebendo a hegemonia do exponencialismo velho de guerra, agora camuflado com a banalizada expressão sustentabilidade. O compatibilismo chama-se agora desenvolvimento sustentável. O preservacionismo transformou-se em ecologia profunda. O conservacionismo passou a ser uma mera expressão técnica. A esquerda reuniu-se em torno da justiça ambiental. Surgiu, por outro lado, outra corrente, que podemos denominar de ecociência. Os ecocientistas deixaram de lado seu ceticismo tradicional e hoje são os principais atores da luta. Com a confirmação de que o aquecimento global origina-se de atividades humanas, os ecocientistas propiciam o ressurgir do ecologismo, que sempre tratou das questões locais de olho na crise global e lutando pela construção de uma ecocivilização. Vale a pena reler os clássicos e valorizar os autores que apostam nesta linha.
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AUTOR : Arthur Soffiati Ambientalista
FONTE : Revista Eco21 nº129

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