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domingo, 9 de novembro de 2008

O DECLÍNIO DAS ABELHAS


"As abelhas estão morrendo. Esta hecatombe silenciosa já dura alguns anos e constitui um verdadeiro mistério. Os inseticidas foram apontados como culpados, mas sua culpa nunca foi provada. Milhões e milhões de colméias pereceram na América, na Europa, em toda parte. Estudos realizados nos Estados Unidos (Filadélfia) e na França (Montpellier) já dão o sinal de alarme. Alerta máximo. Urgência absoluta.
Alguns observarão que muitas espécies desapareceram até hoje. Por exemplo, os mamutes não existem mais, o panda está perigando, a ave dodo do Madagáscar desapareceu. O mundo não parou de girar. Mas o caso das abelhas é diferente: “Se a abelha desaparecer”, dizia Einstein, “a espécie humana não terá mais que quatro anos de vida”.

Einstein exagerava, mas constatou o perigo. O que ocorrerá se a abelha nos abandonar? Ela é a grande “fecundadora”. É ela que transporta o pólen de uma flor (sêmen masculino) para depositá-lo sobre os órgãos femininos de outra flor. Se a abelha nos abandonar, como a terra sustentará seus frutos, flores e florestas? E como poderemos nos sentir felizes em uma paisagem em preto-e-branco? Certamente, este himenóptero não é o único ser vivo que garante a reprodução sexuada das flores.

Contam-se 100 mil espécies de insetos e de aves com a mesma função, mas a abelha é uma verdadeira campeã. Os outros insetos são amadores, pouco sérios, ignorantes. O próprio colibri se distrai com qualquer coisa. A abelha, ao contrário, desde que chegou à terra (80 milhões de anos antes que os homens aqui desembarcassem), nunca perdeu um segundo de tempo. Ela trabalha da manhã à noite. Sua atividade é irrepreensível, de autêntica profissional.

Os pesquisadores franceses e alemães acabam de calcular o valor das contribuições das “polinizadoras” nas culturas mundiais. Eles chegaram à cifra de US$ 153 bilhões anuais, ou 10% do valor total da produção alimentar.
A abelha cumpre uma pequena e estranha função. Seu trabalho constitui-se num dos enigmas mais intrigantes da criação: o de um ser vivo que faz amor com um ser vivo de outro reino e de um modo tão sutil que este ato de amor de aparência barroca, e mesmo “contrário à natureza”, garante a reprodução da vida

Em caso de pane das abelhas, todos os vegetais não seriam afetados do mesmo modo: os mais vulneráveis seriam as frutas, os legumes, as oleaginosas. O cacau, a baunilha, a abóbora, as melancias, os melões, o maracujá e a noz de pecã brasileira seriam os mais expostos. Ao que tudo indica, o café seria menos atingido.

É preciso também calcular a devastação da flora silvestre. São as mesmas polinizadoras que garantem a sobrevivência de todas as cadeias da vida selvagem, aves, roedores, mamíferos. O fim das abelhas seria um desastre para as florestas, as pradarias, os pastos. Assim, a abelha é responsável não apenas pela nossa alimentação diária, mas também pela beleza do lugar onde vivemos.

A abelha cumpre uma pequena e estranha função. Seu trabalho constitui-se num dos enigmas mais intrigantes da criação: o de um ser vivo que faz amor com um ser vivo de outro reino e de um modo tão sutil que este ato de amor de aparência barroca, e mesmo “contrário à natureza”, garante a reprodução da vida. Deste ponto de vista, o homem, como aliás os outros mamíferos e todas as outras espécies, não passa de uma nulidade, de um ser desastrado. Cada um de nós sabe que é extremamente complicado fazer amor com um leão ou mesmo com um camundongo. Além disso, esta cópula entre espécies diferentes não produz nenhum fruto, nenhuma descendência.

Quanto a fazer amor com um eucalipto ou com um pinheiro, o homem, então, não tem a menor capacidade. A abelha sabe como amar as folhas de grama e as flores. Ela experimenta um prazer extremo: basta olhar a ronda encantada das abelhas e o zumbido que as acompanha em um pomar ou em um campo na primavera para compreender que ela ama seu trabalho.

A Bíblia já havia constatado que a abelha é indispensável para a sobrevivência do planeta e da espécie humana. Deus, ao ajudar os judeus a retornarem à sua terra e a entrar no “país de Canaã”, os convence a tomar o caminho do deserto descrevendo os encantos deste “país de Canaã”. E relata: “Canaã é o país onde correm rios de leite e mel” (Êxodo, 3,8).

O mel seduz Moisés, que pega seu cajado e conduz seu povo à “Terra prometida”, a do leite e das abelhas. Os peregrinos estão felizes. Verdade seja dita, no Sinai, não estão muito bem alimentados, mas eles sabem que, no fim do caminho, encontrarão “rios de mel” e já lambem os lábios. Infelizmente, o Pai Eterno tinha outros planos. Moisés chega ao Monte Nebo, de onde contempla a “terra de Canaã”. Mas está muito cansado e morre. Não entrará na terra de Canaã, no paraíso do mel. E nós? Teremos de perdê-lo?"
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AUTOR :
*Artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, em 22 de setembro
**Gilles Lapouge é jornalista e escritor francês

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