n26 300x193 Biogás feito em casa
No Egito, algumas famílias começam a usar biodigestores que transformam resíduos orgânicos em gás metano para cozinhar. Foto: Cam McGrath/IPS
Cairo, Egito, 14/6/2013 – O biodigestor que Hussein Farag tem no terraço de seu apartamento, no distrito de Darb el-Ahmarás, o mais pobre da capital egípcia, produz o combustível necessário para cozinhar e esquentar água todos os dias. Com os restos de comida, que de outro modo descartaria em sacos plásticos ou jogaria fora contribuindo para entupir encanamentos, Farag produz biogás. Fabricado com dois grandes tubos de plástico e quase todo o material reciclado, o dispositivo, que não emite gás contaminante, permite a ele e à sua família economizar o equivalente a US$ 3 por mês em sua conta de gás.
O biodigestor de Farag transforma em metano o lixo orgânico, que é colocado em um tanque plástico de mil litros. Os dejetos comuns de cozinha, desde sobras de comida, passando por chá velho e até pão velho, são deixados durante toda a noite em água para amolecerem e depois são colocados na sopa rica em bactérias do tanque para sua decomposição. Através de uma tubulação, o gás metano chega até a cozinha.
“Só uso lixo da cozinha, mas tudo o que é orgânico serve como matéria-prima”, explicou Farag à IPS. “O biodigestor produz cerca de duas horas de gás por dia no verão e um pouco menos no inverno”, detalhou. Todas as semanas, ele retira alguns litros de um líquido residual escuro do tanque. “Envaso o resíduo e vendo como fertilizante orgânico nas lojas de jardinagem”, contou.
Farag construiu a unidade com menos de mil libras egípcias (US$ 180) em 2008. O dispositivo quase não precisa de manutenção pois não possui partes mecânicas. “O Egito precisa de um sistema como este porque há muito mais lixo orgânico agora que não há mais porcos”, afirmou. Ele se referia à decisão do governo, de abril de 2009, de sacrificar estes animais em razão da pandemia de gripe suína.
Os porcos eram um elemento fundamental do sistema tradicional de gestão de resíduos do Cairo, já que consumiam quase um terço das 20 toneladas diárias geradas pelos 18 milhões de habitantes da capital egípcia. Sem eles, o volume de resíduos “úmidos cresceu, entupiu encanamentos, encheu lixões e se acumulou nas ruas. Além disso, os montes de lixo orgânico que apodrecem atraem moscas e ratos, convertendo-se em vetores de doenças.
Os fundos e o apoio inicial para que Farag construísse o biodigestor partiram da Solar Cities, uma iniciativa não governamental que desenvolve soluções de energia sustentável para famílias de baixa renda. Esta organização ajudou a construir mais de uma dezena de unidades de biogás no Cairo, bem como rudimentares aquecedores solares de água, feitos a partir de materiais reciclados, antes de ficar sem fundos.
Em Manshiyet Nasr, outro distrito de baixa renda do Cairo, o coordenador da Solar Cities, Hanna Fathy, construiu seu próprio biodigestor em 2009. Desde então viaja muito, ensinando as pessoas de menos recursos e que não estejam ligadas à rede elétrica a conseguir independência energética produzindo biogás. “A maioria das famílias gera por dia lixo suficiente para produzir gás e atender suas necessidades na cozinha”, observou.
Fathy, que agora trabalha em projetos ambientais fora do Egito, disse que os subsídios às fontes de energia tradicionais desanimam os egípcios a investirem em soluções sustentáveis. Recuperar o capital inicial de um biodigestor pode demorar dez anos, mas somente um ano se tais subsídios terminarem. “O governo não oferece incentivos às famílias para que passem para energia limpa, por isso ficam com a solução mais barata de curto prazo, que é comprar botijões”, detalhou à IPS.
Mais de 12 milhões de famílias egípcias dependem de botijões de gás butano para cozinhar, vendidos a oito libras egípcias (US$ 1,15) cada um. Estes duram cerca de duas semanas e também acarretam problemas. Apesar do enorme peso que os botijões, apesar de fortemente subsidiados, têm na economia, a escassez de butano importado gerou longas filas nos postos de distribuição, o que gerou disputas que chegaram a deixar vítimas.
Com má manutenção, estes recipientes também tendem a explodir, provocando acidentes desastrosos, com muitos danos materiais e pessoas feridas. O eletricista Mohammad Rageb, cuja mulher ficou gravemente ferida em 2010 quando o botijão explodiu enquanto cozinhava, contou que o acidente o levou a considerar o uso de um biodigestor. A partir de um modelo que encontrou na internet, pensa construir uma unidade compacta em seu terraço. “Creio que é mais seguro e economiza o tempo” que se leva na fila, ponderou.
Há planos de cotas para comprar eletrodomésticos e aparelhos de ar-condicionado, que consomem energia, mas não há facilidades para as famílias que desejam passar para o biogás. Rageb tem de pedir emprestado todo o dinheiro necessário para comprar as peças e armar seu biodigestor. Podem passar anos até que recupere o valor investido, mas ele confia que sua economia na conta de energia aumentará na medida em que o governo reduzir os subsídios. “Sem subsídios, o custo de recarregar um botijão subirá para cem libras egípcias” (US$ 14), pontuou Rageb, destacando que, se o governo subsidiasse tecnologias limpas, em lugar da convencional, os cidadãos de baixa renda com consciência seriam os primeiros a adotar uma alternativa verde. Envolverde/IPS