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terça-feira, 30 de outubro de 2012
Geoengenharia: Manipular o clima é viável?
Cores amarelo e marrom apresentam concentrações relativamente altas de clorofila, em agosto de 2012, depois do sulfato de ferro foi despejado no Oceano Pacífico, como parte de um controverso projeto de geoengenharia. Foto: Giovanni/Goddard Earth Sciences Data and Information Services Center/NASA – The Guardian
Estudo americano sugere o uso limitado de tecnologias que interferem na natureza para combater o aquecimento global. Contudo, o uso dessas ações – que incluem a adoção de árvores artificiais e espelhos espaciais para refletir a luz do Sol – é considerado perigoso por especialistas. Matéria de Bruna Sensêve, no Correio Braziliense, socializada pelo ClippingMP.
Parece até roteiro de ficção científica, mas a discussão e o desenvolvimento de tecnologias para manipular o clima da Terra e reduzir os impactos do efeito estufa são reais e atendem pelo nome de geoengenharia. As técnicas variam da colocação de espelhos na órbita do planeta para diminuir o impacto da radiação solar a árvores artificiais que retiram o gás carbônico da atmosfera. Mas até que ponto uma interferência desse tipo no meio ambiente é segura?
A resposta a essa pergunta é: não se sabe. Nem mesmo os estudiosos dedicados ao tema arriscam responder quais seriam os efeitos de uma alteração nos fenômenos químicos, físicos e biológicos do planeta. As chances de agir como Victor Frankenstein e transformar o planeta em um monstro incontrolável, admitem, são enormes. O que não significa que a ideia tenha sido abandonada. Mostra disso é um estudo publicado na edição deste mês da revista Nature Climate Change no qual três pesquisadores dos Estados Unidos simulam, por meio de um modelo computacional, algumas técnicas de manipulação da radiação solar e buscam prever seus efeitos sobre a Terra, levando em conta a época e o local onde forem aplicadas.
Segundo Ben Kravitz, um dos autores do trabalho, a incerteza a respeito do sistema climático e dos efeitos da geoengenharia sempre existirão, mas muitas dessas dúvidas puderam ser capturadas pelo modelo. “Muitos estudos no passado olharam para a geoengenharia de maneira uniforme. Porém, se ações desse tipo fossem realmente acontecer, o local exato e a época do ano poderiam impactar muito os resultados”, diz o pesquisador de pós-doutorado do Laboratório Nacional do Noroeste Pacífico.
A proposta de Kravitz e seus companheiros é pensar na possibilidade de aplicar ações de geoengenharia de forma não homogênea e tentar, com isso, minimizar seus impactos negativos. Segundo ele, o fator mais importante não é a decisão sobre o momento de intervir, mas como controlar a duração da ação. O pesquisador diz que o controle do impacto global da geoengenharia sempre se mostrou tão remoto que não chegava a ser considerada uma intervenção que implicasse em efeitos limitados.
Para Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Laboratório de Física Atmosférica, a hipótese levantada pelos americanos é importante, mas ela ainda foi abordada de forma muito exploratória. “Eles mesmos não conseguem tirar nenhuma conclusão clara ou óbvia de como fazer isso, por uma razão muito simples: não existe maneira segura e confiável de aplicar qualquer técnica de geoengenharia existente hoje de forma que seus efeitos colaterais não sejam eventualmente piores que aqueles que se quer combater”, aponta.
Argumentos
O brasileiro se mostra cético quanto a um modelo de intervenção seguro. “O problema é que não é simples fazer uma coisa dessas. O clima do planeta é um só. Se mexer na Groenlândia, afeta o Brasil. Se mexer no Pacífico Sul, afeta o mundo todo. Não é uma tarefa simples isolar os efeitos, porque o clima é global”, enfatiza. Artaxo cita um exemplo de ação que pode se tornar desastrosa: a fertilização oceânica, que consiste no depósito de ferro no mar para estimular um aumento de absorção de dióxido de carbono. Segundo ele, o processo pode acelerar a acidificação das águas de maneira rápida e rigorosa, reduzindo em muito a biodiversidade e, consequentemente, os estoques pesqueiros. “Os efeitos colaterais e os impactos socioeconômicos seriam enormes. É uma péssima ideia.” Ainda assim, algumas iniciativas de grupos independentes de cientistas já ocorreram no globo.
O autor principal do estudo publicado na Nature Climate Change, Douglas MacMartin, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, argumenta que existe um tipo de imprevisibilidade mais relevante e que precisa ser considerada: os efeitos das mudanças climáticas atuais. “Uma vez que não entendemos completamente os detalhes do clima em si, como ousamos pensar que poderíamos intervir? “Mas, se não compreendemos um sistema, é preferível mantê-lo “mais perto” ao regime que nós entendemos em vez de permitir que gases de efeito estufa mudem o clima para um lugar que não entendemos absolutamente”, argumenta. “Além disso, é possível começar sempre com uma pequena intervenção, aumentar gradualmente ou até mesmo parar completamente se problemas surgirem”, completa.
Mesmo sendo a porta para infinitas pesquisas e inovações tecnológicas, a ideia de geoengenharia não é nova. O diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciência Atmosférica da USP, Pedro Leite da Silva Dias, conta que, nos anos 1970, um projeto de modificação das chuvas na região Nordeste foi cogitado pelo governo brasileiro. No caso, seria feita a pulverização da alta atmosfera com uma substância chamada black carbon, uma espécie de pó de carbono. “Ela seria pulverizada a uma altura próxima de 12 mil metros, sendo capaz de promover uma organização das nuvens que provocaria a precipitação. Naquela época, tínhamos um governo militar, que tinha a faca e o queijo na mão para fazer isso”, detalha.
O projeto só não chegou a ser concretizado porque os militares decidiram consultar um grupo de cientistas, inclusive o próprio Dias, que manifestou total incerteza com relação à eficácia do processo. “A União Soviética chegou a fazer alguns experimentos com o pó de carbono, mas na superfície congelada. A ideia era derreter o gelo mais rapidamente no fim do inverno. Fizeram na Sibéria, mas o custo era muito alto para um impacto muito aquém do esperado.”
Ferramenta
Chamado HadCM3L, o modelo usado pelos pesquisadores incorpora diversos aspectos da melhor compreensão da física e da dinâmica do sistema climático global. Ele foi desenvolvido pela empresa Met Office, do Reino Unido, e tem se mostrado uma excelente ferramenta para investigar questões da ciência do clima.
Pelo lucro
Um empresário americano realizou por conta própria um experimento de geoengenharia nas ilhas de Haida Gwaii, no oeste do Canadá, um dos ecossistemas mais diversos do planeta. Imagens de satélite indicam que Russ George, ex-presidente da empresa Planktos Inc, lançou cerca de 100t de sulfato de ferro no mar, provocando uma explosão artificial de plâncton numa área de 10 mil quilômetros quadrados de oceano. Ele espera transformar o sistema em uma lucrativa fonte de créditos de carbono.
Palavra de especialista
A maneira certa de agir
“É preciso lembrar que a forma ideal de resolver o problema do aquecimento global é na fonte: diminuir as emissões. Deveríamos gastar energia e dinheiro primeiramente para essa redução. É a maneira única e certa de fazer isso. Sou obrigado, por coerência de raciocínio, dizer que é provável chegarmos a um ponto em que vamos precisar de um pouco de geoengenharia. Isso porque há uma parte do problema para a qual não existe mais solução. Saber o efeito que as ações podem ter sobre o clima, a partir de pesquisas e modelo climáticos, é fácil. A dificuldade está em saber se serão criados outros efeitos indesejáveis.” – Luiz Gylvan Meira Filho, ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC),ligado à Organização das Nações Unidas (ONU).
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FONTE : EcoDebate, 30/10/2012
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