IBacharel e Licenciada em Geografia pela Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Doutoranda em Geografia Física pela Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Endereço: Av. Prof, Luciano Gualberto, 1289 Cidade Universitária 05508-900 – São Paulo, SP – Brasil. E-mail: msdomi@gmail.com
IIProfessor Associado (Livre Docente) no Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. Endereço: Av. Prof, Luciano Gualberto, 1289 Cidade Universitária 05508-900 – São Paulo, SP – Brasil
RESUMO
A produção de soja no Brasil alcançou destaque na última década. Atualmente, o país configura-se como maior exportador e segundo maior produtor de soja no mundo. Porém, a expansão desse cultivo está sendo associada diretamente ao desmatamento da Floresta Amazônica. Sua cultura iniciou-se no sul do país e avançou para a região central, sobre o bioma do cerrado, expandindo-se, gradativamente, ao norte do Brasil, principalmente por meio de latifúndios monocultores e controlados por grandes empresas transnacionais. A área de avanço agrícola ao norte tem substituído o bioma local: a Floresta Amazônica, o que tem preocupado entidades públicas e privadas, em face do desmatamento exagerado e perda da biodiversidade. Este estudo analisa o avanço da cultura da soja no norte do estado de Mato Grosso, no período entre 1984 e 2009, por meio da interpretação de imagens de satélite, e sua relação com o desmatamento da Floresta Amazônica. Como resultado, apresentam-se três mapas de uso do solo da área de estudo. A análise dos mapas permitiu verificar que o desmatamento recente da floresta está sendo promovido pela atividade pecuária, e os solos descampados e erodidos do pasto têm sido usados para a cultura de soja. Ou seja, na área analisada, a soja estabelece-se em áreas antes degradadas pelo gado, e não diretamente sobre as áreas de floresta desmatada.
Palavras-chave: Soja; Pecuária; Floresta Amazônica; Desmatamento.
ABSTRACT
Brazil is the largest exporter and second largest producer of soybeans in the world. However, the increase in production has been directly associated to the deforestation of the Amazon Rainforest. This culture began in the South and moved toward the central region of the country, spreading gradually to its northern part. This growth was mainly based on monoculture properties controlled by large transnational corporations, and has replaced the local biome: the Amazon rainforest. Such fact has worried both public and private entities, since there has been an excessive deforestation and biodiversity loss. This study analyses the advance of soybean in the North of the Brazilian state of Mato Grosso, in the period 1984-2009, by means of satellite image interpretation. As a result, presents three maps of land use development in the area of study. It is noticed that the recent deforestation was due to the livestock activities and, afterwards, the eroded soil from the open fields and pastures were recovered with the soybean crops. In other words, in the analyzed area, soy plantations were not directly established over the deforested areas, but rather over areas previously degraded by livestock.
Key words: Soy; Cattle Raising; Amazon Rainforest; Deforestation
RESUMEN
La producción de soja alcanzo gran destaque en la última década en Brasil. Actualmente, el país es el mayor exportador y el segundo mayor productor del mundo. Entretanto, la expansión de este cultivo es asociado directamente con el desmate de la Floresta Amazónica. Su cultura se inició en el sur del país y avanzó para la región central, sobre el bioma del cerrado, y se expande gradualmente, al norte del Brasil, principalmente a través de latifundios mono-cultores controlados por grandes empresas transnacionales. El avance agrícola al norte ha substituido el bioma local: La Floresta Amazónica, lo que preocupa las entidades públicas y privadas, frente al desmate exagerado y la pérdida de la biodiversidad. Esta investigación analiza el avance del cultivo de soja al norte del estado de Mato Grosso, en el período 1984-2009, a través de la interpretación de imágenes de satélite, y su relación con el desmate de la Floresta Amazónica. Como resultado, se presentan tres mapas de uso del suelo del área de estudio. El análisis de los mapas permiten verificar que el desmate reciente de la floresta ha sido promovido por la actividad pecuaria, y que los suelos descampados y erosionados han sido utilizados como cultivo de soja, que se establece en áreas antes degradadas por el ganado y no directamente sobre las áreas de floresta desmatada.
Palabras clave: Soja; Pecuaria; Floresta Amazónica; Desmate.
Introdução
A soja é uma cultura já estabelecida no território brasileiro, ocupando 22 milhões de hectares e com cerca de 100 milhões de hectares aptos à expansão (MACEDO e NOGUEIRA, 2005). Essa expansão cresce nos países do Mercosul – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – assim como a presença de grandes empresas multinacionais nos segmentos de comercialização e industrialização, que se estende em áreas de produção de sementes e financiamentos da produção do grão.
Seus principais produtos são o grão, o farelo e o óleo de soja, para atendimento da indústria alimentícia, farmacêutica e química. Outros produtos derivados da soja incluem farinha, sabão, cosméticos, resinas, solventes, tintas, anticoncepcionais, ração animal e, agora, ela se tornou em uma alternativa para produção de biocombustíveis.
A expansão da área plantada tem se dado, sobretudo, no sentido norte a partir da região central brasileira, ou seja, atingindo diretamente o ecossistema frágil correspondente à Floresta Amazônica. Essa expansão tem gerado impactos sócio-ambientais que envolvem desde queimadas nas áreas da Floresta Amazônica para expansão da área plantada (que respondem a grandes percentuais de gases de efeito estufa emitidos na atmosfera), a mudanças no uso da terra e concentração latifundiária, entre outros.
No estado do Mato Grosso, maior estado produtor de soja, a área de floresta desmatada correspondeu, entre 2003 e 2004, a um crescimento percentual de 6% em relação ao período anterior, ou seja, cerca de 26.130 quilômetros quadrados de desmatamento (SCHLESINGER e NORONHA, 2006).
Em relação aos impactos sociais, observa-se o deslocamento de populações das áreas rurais das regiões de expansão da fronteira agrícola para as grandes cidades devido à introdução da monocultura da soja por meio da mecanização, uso de fertilizantes e sementes melhoradas geneticamente, além de expansão de grandes propriedades de terra. As grandes empresas ocupam espaços no campo antes ocupado por culturas familiares diversificadas, reduzindo o emprego no campo e a capacidade de produção de alimentos tradicionais, comprometendo a segurança alimentar da população.
Em 1950, a população rural brasileira era de 33.161.506 habitantes, e correspondia a 63,84% da população total. Vinte anos depois, os habitantes das zonas rurais eram 41.037.586, porém correspondiam a 44% da população total. A modernização da agricultura, o extremo parcelamento da terra no campesinato do Sul e o avanço da fronteira agropecuária no Centro-Oeste e no Norte conferiram complexidade à evolução da população rural no país (GIRARDI, 2008).
Este artigo tem como objetivo analisar o avanço da soja e da pecuária e sua relação com o desmatamento. Foi verificada a expansão da soja e pecuária diretamente na área de Floresta Amazônica, área de fronteira agrícola ao norte do país, e os efeitos ambientais que estão sendo gerados em razão dessa cultura.
Métodos
O processo de expansão da soja para as áreas de fronteira agrícola foi analisado no período de 25 anos, de 1984 a 2009, por meio de imagens de satélite, a fim de elaborar uma série histórica com três datas diferentes, resultando em três mapas de uso do solo da área estudada, onde foi possível analisar as potencialidades da região e as mudanças verificadas ao longo do tempo. As Figuras 1 e 2 apresentam a localização da área de estudo.
A escolha da área de estudo se deu por meio da sobreposição de dados: áreas de desmatamento recente X áreas produtoras de soja X áreas de criação de gado, com o objetivo de contemplar que a área de expansão da fronteira agrícola está ocorrendo pelo plantio de soja, e que esse cultivo pode estar ou poderá representar desmatamento direto ou indireto na Floresta.
Assim sendo, a área escolhida para interpretação foi a região de São José do Xingu, município localizado ao nordeste do Mato Grosso, com atividade pecuária crescente, cultura recente de soja e inserida no Bioma Amazônico. Além da sobreposição de dados, as imagens de satélite escolhidas datam de 1984, 1994 e 2009, sendo possível a análise em um intervalo de tempo, obtendo-se uma série histórica de 25 anos. Referem-se a imagens do satélite Landsat 5, à órbita 225 e ponto 67.
A metodologia adotada para a interpretação das imagens utilizou as técnicas de sensoriamento remoto e SIG (Sistema de Informação Geográfica) como ferramentas. Os sensores remotos utilizados neste trabalho estão instalados no Satélite Landsat 5, satélite multiespectral que possui frequência variada entre infravermelho, fornecendo dados em sete bandas diferentes. O contraste dessas bandas permite diferenciar os diferentes usos de solo.
A base cartográfica digital para este estudo foi preparada a partir da digitalização da carta topográfica disponível de São José do Xingu, do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, com escala 1:100.000, datada de 1986, e seu posterior georreferenciamento. O georreferenciamento da carta topográfica foi feito por meio da grade de coordenadas, adotando-se o padrão de projeção UTM (Universal Transversa de Mercator), permitindo o enquadramento entre a carta topográfica e as imagens.
Para a interpretação das imagens, utilizou-se a composição das bandas 5, 4, 3 (RGB – Red Green Blue). Tal composição foi a mais adequada para obter o contraste procurado: os diferentes usos das terras, visando a diferenciar a cultura de soja num contexto com variadas culturas agrícolas e, principalmente, com a pecuária, definindo quatro grandes grupos de classificação: mata nativa, cultura de soja, pecuária e áreas urbanas.
A partir da definição de classes da imagem, foi feita a vetorização baseada nos limites previamente definidos na interpretação, o que permitiu a quantificação das áreas estudadas. No recorte estabelecido para área de estudo, quantificou-se a área total de cada classe em metros quadrados e hectares, cujos dados foram trabalhados no Excel para obtenção de gráficos comparativos: dados relativos (porcentagem) e absolutos (metros e hectares) de cada classe de uso do solo.
Foram elaborados três mapas para os anos 1984, 1994 e 2009, a partir da interpretação das imagens de satélite (NOVO, 1989). A partir dos mapas elaborados, foi realizada uma pesquisa de campo entre os dias 20 e 29 de setembro de 2009, na região norte do estado de Mato Grosso. Esta pesquisa teve por intuito verificar in loco as informações obtidas na interpretação das imagens de satélite e analisar a região como área produtora de soja ou criação de gado e o desmatamento associado a essas culturas.
1. Evolução da produção de soja no Brasil
Impulsionada pela expansão da demanda, principalmente internacional, a cultura de soja começou a se expandir mais vigorosamente no Brasil na segunda metade dos anos de 1970. Essa expansão atingiu principalmente os estados do sul do país, em regiões de ocupação agrícola antiga, onde a soja passou a ocupar áreas antes exploradas com outras lavouras ou áreas de pastagem.
A soja começou a ser cultivada no Rio Grande do Sul, como uma opção de rotação com o trigo. Depois de assentada nesse estado, expandiu-se para o norte, chegando a Santa Catarina, Paraná e São Paulo (MUELLER et al, 2002).
A partir da década de 1980, a soja começou a se expandir para o cerrado. Inicialmente, essa cultura não penetrou de forma significativa; os cerca de 15% da área cultivada com soja fora da região Sul e de São Paulo incluíam o sul de Mato Grosso do Sul, o sul de Goiás e a região do Triângulo Mineiro.
Estimulada por programas de desenvolvimento do governo do estado de Minas Gerais, a soja já havia atingido os cerrados do Triângulo Mineiro e do oeste do estado. Ainda de forma incipiente, a lavoura havia alcançado também zonas de cerrado no centro e no norte de Mato Grosso do Sul e no sudeste de Mato Grosso (MUELLER et al, 2002).
Em 1990, as áreas de concentração de soja já formavam um contínuo bastante expressivo na parte central do país, associado, em grande medida, à expansão da lavoura no cerrado. Mato Grosso já era o terceiro maior produtor no Brasil, com cerca de 1,6 milhões de hectares plantados.
Em 2009, a lavoura já tinha expressão em quase todo o estado, à exceção da região do pantanal, na faixa oeste. Essa expansão foi fortemente influenciada pelas condições naturais, antes consideradas inóspitas, pelos investimentos em tecnologia, como melhoramento genético, e em infraestrutura. Isso levou a uma maior competitividade da soja do Centro-oeste, mesmo com um maior custo de transporte (BERMANN, 2007).
O Quadro 1 apresenta os dados da evolução da produção, área plantada e produtividade da soja no Brasil, no período de 1990 a 2006.
Observa-se um aumento de produção e da área plantada de soja no Brasil. A produção passou de 15,39 milhões de toneladas em 1990/91 para 53,43 milhões de toneladas em 2006/07, com maior acréscimo entre 2001/02 e 2003/04, quando a produção aumentou 10,1 milhões de toneladas, o que corresponde a um acréscimo de 19,42% em relação à safra anterior.
Em relação à área plantada, observa-se um aumento de 9,7 milhões de hectares em 1990/91 para 22,2 milhões de hectares em 2005/06, devido principalmente à maior produção constatada no mesmo período. O maior crescimento se deu entre 2001/02 e 2004/05, com acréscimo de 6,7 milhões de hectares de área plantada no Brasil.
Em 2003 e 2004, o Brasil se configurou como o maior exportador mundial de soja, representando cerca de 8% das exportações do país. Os estados do Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são os principais produtores de soja do país, sendo o estado do Mato Grosso o maior produtor de soja do país, responsável por 27% da produção nacional, de acordo com dados de 2007 do MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
A partir da safra 2006/07, a expressividade do plantio de soja na região Sul foi para 37% da produção brasileira; destacaram-se os estados do Paraná (21%) e Rio Grande do Sul (14%). A área plantada de soja aumentou na região Centro-Oeste para 44%. A região Sudeste representava 7%, e as regiões Nordeste e Norte 7% e 2%, respectivamente. A Figura 3 ilustra um setograma com a produção da soja na safra de 2006/07.
Com base nos dados disponíveis, o estado de Mato Grosso apresentava cerca de 6,1 milhões de hectares cultivados com soja (MAPA, 2007), o que o transformou no maior produtor brasileiro desse produto, superando o estado do Paraná.
Esse rápido crescimento e o espetacular avanço territorial da soja foram induzidos e favorecidos pelo desenvolvimento tecnológico da pesquisa agropecuária brasileira, que adaptou a cultura da soja às condições do meio tropical (ARVOR et al, 2007).
Muitos fatores contribuíram para que a soja se estabelecesse como uma importante cultura, primeiro no sul do Brasil (anos de 1960 e 70) e, posteriormente, nos cerrados do Brasil central (anos de 1980 e 90).
Com relação à região central do Brasil, considerada a nova e principal fronteira da soja, podemos destacar as seguintes causas para explicar o espetacular crescimento da sua produção: melhorias na infraestrutura regional, principalmente no sistema de transportes; incentivos fiscais; estabelecimento de agroindústrias na região; baixo valor da terra na região; topografia e condições físicas do solo favoráveis à mecanização; bom nível econômico e tecnológico dos produtores de soja da região; regime pluviométrico da região favorável aos cultivos de verão; mercado internacional em alta; substituição das gorduras animais (banha e manteiga) por óleos vegetais; e o surgimento de um sistema cooperativista dinâmico e eficiente, que apoiou fortemente a produção, a industrialização e a comercialização das safras (EMBRAPA, 2004).
A Figura 4 ilustra a evolução da produtividade da soja nas regiões do Brasil. Observa-se que sempre houve uma evolução crescente da produtividade de soja no Brasil em um gráfico linear, com destaque para a região Centro-Oeste, que atingiu, na safra de 2006/07, a produtividade de 2.941 quilos por hectare.
Ressaltam-se os saldos positivos dessa região, que nas safras de 1990/91 obteve 2.263 quilos por hectare. A produtividade também aumentou, no período citado, principalmente devido às melhores técnicas empregadas no plantio, como sementes modificadas, mecanização da agricultura, uso de fertilizantes e agricultura de alta precisão, com um aumento de 1.580 quilos por hectare em 1990/91 para 2.736 quilos por hectare em 2006/07.
Entre 2004/05 e 2006/07, houve um aumento considerável na produtividade, de 528 quilos por hectare. Ressalta-se o desempenho recente do Centro-Oeste, que concentra boa parte da produção de soja no bioma cerrado. A média para a região na safra de 2000/01 foi de 2.845 quilos por hectare, bem acima da média nacional; nessa safra, o rendimento do Mato Grosso (3.050 quilos por hectare) foi o mais alto do país, fato que vem se repetindo nos últimos anos (MAPA, 2007).
Tomando o conjunto das regiões, observa-se que há uma tendência a uma relativa homogeneização dos comportamentos regionais quanto à produtividade da soja. Na verdade, a adoção de tecnologia para elevar a produtividade e reduzir os custos vem sendo essencial para contrapor o elevado custo de transporte da soja nas zonas novas do cerrado (MUELLER, 2002). A agricultura de precisão, que calcula a produtividade por metros quadrados, facilita a inserção de fertilizantes e nutrientes nas áreas em que isso se faz necessário para o aumento da produtividade.
Particularmente no estado do Mato Grosso, na região Centro-Oeste, a área plantada com soja aumentou 400% nos últimos dez anos. O plantio começou nos cerrados centrais, e migrou para cerca de 500 quilômetros ao norte, deslocando a fronteira agrícola.
Simetricamente, no mesmo período, a área desmatada no Mato Grosso aumentou em dimensões semelhantes e de forma progressiva, até chegar ao aumento de 133% apontado pelo governo estadual entre 2002 e 2003. O aumento das plantações de soja no estado é ilustrado na Figura 5.
Isso corresponde a um crescimento percentual de 6% em relação ao período anterior, ou seja, cerca de 26.130 quilômetros quadrados de desmatamento, grande parte dele causado pela expansão da soja (SCHLESINGER e NORONHA, 2006).
2. Impactos socioambientais da produção de soja
Em função da atividade de cultivo da soja, foram geradas aberturas de fronteiras, fundando cidades no interior do país, transformando os pequenos conglomerados urbanos em centros maiores. Esse processo determinou uma cadeia de mudanças sem precedentes na história do país.
Foi a soja, inicialmente auxiliada pelo trigo, a responsável pela implementação da agricultura comercial no Brasil. Apoiou a aceleração da mecanização das lavouras brasileiras, a modernização do sistema de transportes, a expansão da fronteira agrícola, o incremento do comércio internacional e a aceleração da urbanização do país.
De certa forma, a cultura da soja interiorizou parte da população brasileira (concentrada no sul, sudeste e litoral do Norte e Nordeste) e ajudou na tecnicização de outras culturas (destacadamente a do milho). De qualquer forma, a soja interiorizou a agroindústria nacional e expandiu a avicultura e a suinocultura brasileiras.
Entretanto, a organização não-governamental Greenpeace Brasil verificou que, a partir de 2004, a indústria da soja surgiu como um novo ator nas fronteiras de destruição da floresta. Ainda, identificou quatro multinacionais na área: Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Dreyfus e Cargill. Essas empresas formam quase um monopólio na prensagem de soja na Europa, fornecendo matéria-prima para a indústria de ração animal.
Elas estão agindo no setor no fornecimento de quase toda a cadeia produtiva, desde sementes e agrotóxicos até a construção de infraestrutura, como portos e armazéns, sem favorecer o desenvolvimento regional. Juntas, financiam cerca de 60% da produção de soja brasileira.
Grupos brasileiros, como o Grupo André Maggi, também são atores fortes no setor. Como governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, líder do Grupo André Maggi, estabeleceu a meta de duplicar a produção agrícola do estado em dez anos. Outros atores financeiros internacionais também têm importante papel no financiamento da plantação.
Observa-se o deslocamento de populações para as cidades, devido à introdução da monocultura de soja por meio da mecanização e do uso de fertilizantes e sementes melhoradas geneticamente, além da expansão de grandes propriedades de terra.
As grandes empresas ocupam espaços no campo antes ocupado por culturas diversificadas e familiares, reduzindo o emprego e a capacidade de produção de alimentos tradicionais, e comprometendo a segurança alimentar da população. Esse processo tem levado ao aumento do deslocamento de pequenos colonos, em razão de conflitos sociais ou da compra de lotes, com a consequente expulsão dos colonos1.
Além desses impactos sociais, destacam-se impactos ambientais advindos das técnicas modernas de plantio, tais como: compactação e impermeabilização dos solos pelo uso intensivo de máquinas agrícolas; erosão; contaminação por agrotóxicos nas águas, alimentos e animais; impactos danosos da retirada da vegetação nativa de áreas contínuas extensas; assoreamento de rios e reservatórios; aparecimento de novas pragas ou aumento das já conhecidas; risco à sobrevivência de espécies vegetais e animais com a perda de habitat natural devido à expansão agrícola; e alterações no clima local (CUNHA, 1994).
Em relação às áreas de expansão da soja, verificou-se que o crescimento agrícola recente se caracterizou por um aumento muito rápido: nada menos que 22,8% da área plantada ao longo de apenas três anos agrícolas (2001/2002, 2002/2003 e 2003/2004).
Essa expansão recente difere radicalmente do padrão que prevaleceu durante toda a década de 1990, quando a área agrícola total com lavouras permaneceu constante e todo o aumento da produção se deveu ao crescimento da produtividade. Considerando os três anos agrícolas do período que vai de 2001 a 2004, a expansão foi de 39,8% nas regiões Sul e Sudeste e 66,1% na região Centro-Oeste (BRANDÃO, 2005).
Essa diferença se deu sobretudo por causa dos incentivos para a produção de soja, a disponibilidade e a oferta de terras para cultivo e a introdução de novas tecnologias e de sementes mais adaptadas ao clima tropical chuvoso da Amazônia. Ainda, a busca pelo aumento da produtividade, com a inserção de fertilizantes, a mecanização da produção, e o uso de sementes modificadas geneticamente causam impactos no solo. A soja vem, portanto, se expandindo sobre as áreas de floresta, e, apesar de muitos produtores agrícolas estarem utilizando antigas pastagens para plantar soja, grandes extensões de floresta não estão sendo poupadas.
3. Produção de soja na Amazônia
Em 2004/05, foram plantados 1,2 milhões de hectares de soja na Floresta Amazônica brasileira, o que representou cerca de 5% da área plantada nacional (ISA, 2005). Ainda, de acordo com as informações do Greenpeace (2006), até 2005 mais de um milhão de hectares de florestas foram convertidos em campos de soja na Amazônia, mesmo com estudos que apontam que a fragilidade do solo da região não sustenta mais que três anos de produção de soja e alertam para uma possível contaminação de lençóis freáticos por agrotóxicos (BERMANN et al, 2007).
Desde o início de 2002 até abril de 2006, foram destruídos 70 mil quilômetros quadrados da Floresta Amazônica. Somente entre 2003 e 2004, foram 27 mil quilômetros quadrados, sendo que três quartos dessa área foram destruídos ilegalmente (GREENPEACE, 2006).
Especificamente, a área analisada neste estudo, que corresponde à região noroeste do estado do Mato Grosso, apresenta uma grande extensão de terras protegidas, populações tradicionais e assentamentos rurais. Essa região vem sofrendo fortes pressões devido a interesses econômicos diversos, como a exploração de minérios e de madeira e a expansão da pecuária, provocando conflitos com as populações locais e o comprometimento da floresta e da biodiversidade. As regiões do noroeste do estado são aquelas que mais crescem em termos demográficos.
Boa parte desse crescimento se deve ao surgimento de novos núcleos rurais. O noroeste do Mato Grosso se configura como alternativa para a absorção de um grande contingente de pessoas que exercem atividades ligadas a terra. A duração do ciclo de culturas nas áreas recém-desmatadas está se tornando mais curta.
Esse processo é mais evidente nas regiões que já possuem uma fronteira agrícola relativamente consolidada, além de acesso à infraestrutura e topografia plana. Há indícios de que o prazo de aproximadamente cinco anos entre o desmatamento e a mecanização estimado pela maior parte dos observadores esteja se reduzindo para aproximadamente de dois a três anos. Em 20% dos casos analisados, o prazo foi de apenas um ano (ISA, 2005).
O domínio vegetacional que se estabelece na região de avanço agrícola é a Floresta Amazônica, que representa um dos ecossistemas de maior importância do mundo, devido à colaboração na regulagem climática, por meio da evapotranspiração e sequestro de carbono, e na conservação da biodiversidade, entre outros benefícios.
Porém, isso não impediu que houvesse abertura de novas áreas para a monocultura da soja, às custas do desmatamento de florestas, o que pode intensificar processos de erosão, perda de solo e lixiviação.
Observa-se que a cultura da soja tem se expandido para áreas próximas à Floresta Amazônica, como pode ser observado na Figura 6.
A hipótese da presente análise do processo de avanço da cultura de soja na região do noroeste do estado do Mato Grosso se fundamenta em evidências que indicam que tal expansão está ocorrendo por meio do uso das áreas utilizadas anteriormente para pecuária.
Por outro lado, Brandão (2005) aponta que as melhorias de infraestrutura na região amazônica levariam ao aumento do preço da terra e, com isso, à sua utilização mais racional, ou seja, esse processo modernizaria a agricultura da região Norte, transformando as atuais atividades predominantes na região, as quais seriam responsáveis pelo atual uso predatório da floresta:
a) a agricultura itinerante, de baixo nível tecnológico e usuária do fogo para abertura de área;De fato, a expansão da produção de soja está causando um grave desmatamento por meio da dinâmica de derrubada da floresta, implantação da pecuária e transformação posterior da área em agricultura mecanizada.
b) a extração irracional de madeira;
c) a atividade pecuária de baixo nível técnico e destruidora dos recursos naturais.
Esse processo leva à expansão da fronteira agrícola. Com a crescente modernização da produção, muitos trabalhadores ficam excluídos desses processos, mas também tendem a serem deslocados para áreas marginais, onde contribuem para a abertura de novas fronteiras móveis ou expandem o alcance daquelas existentes.
Uma das consequências do processo de expansão da fronteira agrícola nas regiões Centro-Oeste e Norte é a concentração fundiária, de renda e dos sistemas produtivos de grandes fazendas de gado e monoculturas mecanizadas. É o caso da soja, com a subordinação dos padrões culturais e produtivos das comunidades locais e regionais ao padrão dos novos atores sociais, de modo geral imigrantes de outras regiões, com acesso a capital e tecnologia.
Os investimentos em infraestrutura na região, como hidrovias, portos, armazéns e estradas, têm incentivado o desmatamento. Cerca de 85% do desmatamento ocorre a cinquenta quilômetros de alguma estrada. Segundo o estudo do ISA (2005), a soja é o grão que emprega menos trabalhadores por área.
A análise parcial de fatores limitantes e estímulos para a futura definição de cenários de expansão da soja na região mostrou que os principais corredores disponíveis para o escoamento Porto Velho/Itacoatiara e Porto de Itaqui tornam grandes áreas ao longo de rodovias e estradas vicinais suscetíveis à conversão à cultura de soja. A zona de influência da infraestrutura é definida em função da relação custo-dificuldade de acesso e do retorno econômico da atividade (ISA, 2005).
Uma área de cem quilômetros em torno das estradas apresenta as maiores extensões de áreas já desmatadas, porém sem uso atual para a soja, no norte de Mato Grosso, região central de Rondônia, leste do Pará, norte de Tocantins e sul do Maranhão. Na mesma zona de influência, as áreas de floresta mais suscetíveis ao desmatamento são as de transição entre o cerrado e a floresta, localizadas principalmente no sul de Rondônia, leste e centro-oeste de Mato Grosso (ISA, 2005).
Em todas as etapas do processo de desmatamento, os direitos de propriedade são assegurados com a ocupação física da terra, presença que é muito mais importante do que qualquer documento de posse, incentivando a ação de grileiros ou posseiros.
No entanto, como consequência desse processo, a pecuária está expandindo a fronteira agrícola. A partir de análises estatísticas, concluiu-se que as taxas de desmatamento são positivamente correlacionadas (50%) com o incremento do cultivo de soja, e essa correlação é extremamente significativa do ponto de vista estatístico (mais de 99% de probabilidade).
A análise da correlação entre a expansão da soja e as taxas de desmatamento em escala municipal mostra que existe uma relação indireta entre os dois fenômenos e indica que a soja é um dos fatores do desmatamento, mas não o único. Há indícios de que a sua expansão direciona o desmatamento para novas áreas pioneiras e desloca a pecuária para outras áreas.
O município de São José do Xingu, por exemplo, desenvolveu-se a partir da abertura de pastos para pecuária bovina sobre as áreas florestadas, sendo ainda a atual base da economia local. Nos últimos anos, tem sido alvo da expansão da produção de grãos, principalmente soja e milho, para atender as empresas locais. A Agroindústria é movimentada por duas indústrias de secagem e armazenamento de grãos, a Cargil e Canic, além de um entreposto de recebimento de leite do grupo Piracanjuba (EMPAER, 2009).
Desde 2002, os fazendeiros de São José do Xingu estão substituindo os pastos degradados por plantação de grãos, como é o caso da soja. Desde então, a cidade tornou-se parte desse sistema moderno de plantio e venda de soja para as empresas locais, e consequentemente, para o exterior (SANTOS, 2008).
De 2002 a 2005, São José do Xingu passou por uma mudança econômica. Houve forte queda dos preços da arroba do gado e sensibilização do setor, com o surgimento da “febre aftosa” em Mato Grosso do Sul, o que gerou uma crise no setor. A dificuldade propiciou a procura de novas áreas para diversificação da produção, investindo em áreas paralelas (pecuária X agricultura), buscando agregar valor à produção primária.
Além disso, cenários futuros apontam um aumento da expansão da cultura em função da disponibilidade de terra e presença de infraestrutura disponível. Há elementos que indicam que a soja desloca a pecuária para novas áreas, com provável efeito de desmatamento adicional. Isso pode ser observado pelo fenômeno da redução do rebanho bovino nos principais municípios produtores de soja, porém com aumento de rebanho nas regiões limítrofes, com destaque, no caso do Mato Grosso, para os municípios das regiões de fronteira móvel. Nesse estado, particularmente, foram analisadas diversas variáveis para a quantificação desse processo.
Nas áreas de expansão da soja, é a lucratividade da pecuária e a posterior transformação ou venda da terra para a agricultura intensiva que sinaliza, tanto para os agentes iniciais quanto para os próprios pecuaristas, que o desmatamento e a conversão das florestas em pastagens são rentáveis. Se não existissem lucros, não haveria interesse pela apropriação ou compra de terras convertidas, e os desmatamentos certamente teriam um ritmo muito menos intenso (ISA, 2005).
Para confirmar a hipótese deste trabalho, a seguir são apresentados e analisados os resultados da análise histórica da evolução do uso do solo ao longo do período de 1984 a 2009 no município de São José do Xingu, área de fronteira agrícola localizada no noroeste do estado de Mato Grosso.
Conclusões
A Figura 7 apresenta o mapa de uso de solo de São José do Xingu, referente à interpretação da imagem de satélite de 1984:
Analisando o mapa, podemos concluir que a mata nativa, representada pela Floresta Amazônica, ocupava a maior parte da área estudada, recobrindo cerca de 219.356 hectares, 78,53% da área total analisada.
Somente algumas áreas foram devastadas para prática de pecuária, representando quase 60 mil hectares, ou seja, 21,44% da área total analisada. A cidade de São José do Xingu está representada pela área urbana que se estendia por apenas 89,78 hectares, 0,03% da área total analisada.
É possível observar também que a maior parte das cabeceiras dos rios ainda encontrava-se recoberta por mata nativa, porém, nas áreas em que já havia pastagem, ocorria o desmatamento de algumas nascentes.
Por sua vez, a Figura 8 apresenta o mapa de uso de solo resultante da interpretação da imagem de 1994:
Analisando o mapa, é possível notar o avanço da pecuária sobre as áreas anteriormente caracterizadas pela mata nativa. No período de 10 anos, houve um acréscimo de 18,22% de área desmatada, e as pastagens passaram a ocupar quase 112 mil hectares, passando a representar 39,64% da área total analisada.
A Floresta Amazônica, que recobria 78,53% da área total, passou a recobrir 60,31%, representados por 169.472 hectares, um decréscimo de quase 50 mil hectares de mata na região no período de 10 anos. Esse desmatamento, como já fora dissertado anteriormente, reflete os estímulos governamentais para ocupação da região a partir de atividades agropecuárias.
No caso da região estudada, a criação de gado foi a atividade que predominou para a ocupação da região. Cada vez mais o município foi se consolidando como área pecuarista e, como visto anteriormente, esse avanço na década de 1980 significou sua maior importância regional e emancipação do município em 1992.
Esse avanço fica bem visível quando analisado no setograma, onde os 60,31% ficam evidentes quando comparados com o mapa de 1984. No sistema viário, não houve praticamente mudanças, e as estradas de terra ainda predominavam no território, mesmo com aumento da ocupação.
Também é possível perceber que nas áreas ocupadas pela pastagem, não houve preocupação em poupar as cabeceiras dos rios, e muitas foram desmatadas. A área urbana também cresceu cerca de 42% em relação à área ocupada em 1984, representando 155,03 hectares, 0,06% da área total analisada.
Por fim, a Figura 9 refere-se ao mapa de uso de solo de 2009:
O mapa de uso de solo gerado traz um novo uso na legenda: a cultura de soja. Como pode ser verificado, a soja passou a ocupar áreas antigas de pastagem, ocupando cerca de 26.200 hectares, o que corresponde a 9,56% da área total analisada. A pecuária passou a ocupar uma área menor se comparada a 1994, com uma redução de cerca de 3%.
Porém, essa redução da pecuária não significou redução no desmatamento, porque algumas áreas antes florestadas foram ocupadas por novos campos de pastagem, e a mata nativa passou a representar 53,34% da área total, ou seja, 146.150 hectares. Uma diminuição de floresta de aproximadamente 7%, em comparação com 1994, e de 25%, em comparação com 1984. Ou seja, o desmatamento na região deu-se principalmente em função principalmente da atividade pecuária.
De qualquer forma, nota-se que o desmatamento avançou consideravelmente no período de 25 anos analisado, representando uma perda de ¼ da vegetação nativa de 1984 a 2009. É possível perceber que praticamente 50% do território analisado está ocupado por atividades antrópicas, restando pouco mais do que metade de Floresta ainda preservada.
Após a elaboração dos mapas de uso de solo, foi feita a pesquisa de campo para conferir as informações obtidas. Em geral, os mapas foram interpretados a fim de permitir contextualizar a região de São José do Xingu como uma área pecuarista. Verificou-se que o município sempre teve a criação de gado como principal atividade econômica da cidade. Portanto, o desmatamento nesta região está totalmente vinculado à expansão da atividade pecuária. A cultura da soja apenas substitui as áreas anteriormente ocupadas pela pecuária.
Considerações finais
O modo de produção típico da soja não estimula a fixação do homem ao campo e não agrega valor à produção, visto que é uma cultura preponderantemente monocultora, e contrata pouca mão-de-obra, por ser tipicamente mecanizada, modernizada, com uso de sementes geneticamente melhoradas e fertilizantes, em grandes propriedades, e que favorecem a concentração de terras.
Sem dúvida, essa prática expulsa a população do campo, levando ao aumento do êxodo rural e ao crescimento desordenado das cidades. As grandes empresas ocupam espaços no campo antes ocupados por culturas diversificadas e familiares, reduzindo os postos de trabalho, e podem até mesmo intensificar os conflitos de terra locais.
Como se não bastasse, seu cultivo direciona-se principalmente para o mercado exterior, por meio de empresas transnacionais que controlam o beneficiamento do grão. Essa prática e a competitividade com fazendeiros estrangeiros deprimem o preço da soja, diminuindo a margem de lucro, acabando por gerar menos receita por tonelada produzida.
Dessa forma, os fazendeiros são engolidos pelas grandes fazendas corporativas, que podem compensar as margens menores de lucro por tonelada produzindo volumes maiores. E as redes de empresas de soja se associam, formando vários grupos de empresas que verticalizam a produção. Além da criação de novas relações de trabalho no modo de produção, há atributos ambientais envolvidos para produção dessa planta para fins energéticos e suas consequências. Os impactos do seu cultivo envolvem: compactação e impermeabilização do solo pelo uso intensivo de máquinas agrícolas; erosão; contaminação do solo e da água por agrotóxicos; aparecimento de novas pragas; e a substituição da mata nativa de áreas contínuas extensas.
Em relação à evolução da área plantada na região do estudo de caso, avaliou-se que a área coberta por floresta nativa reduziu aproximadamente ¼, de 1984 a 2009. Recobria cerca de 220 mil hectares da área estudada, representando 78,53%, e passou, no período de 25 anos, a recobrir aproximadamente 147 mil hectares, 53,34%.
Sua substituição foi dada pela atividade pecuária, que, nesse mesmo período, passou de quase 60 mil hectares (21,44%) a cerca de 102 mil hectares (37,05%). A soja apareceu somente no último mapa, no uso de solo de 2009, já que foi incidente na região somente a partir de 2002. Apresentou-se em 10% da área estudada, cobrindo 26.158 hectares.
Já o núcleo urbano de São José do Xingu teve um crescimento percentual pequeno, de 0,03%, no período de 25 anos. Evoluiu de uma ocupação de 90 hectares para 172 hectares, quase duplicando seu tamanho. Porém, em um período longo de tempo, e representando pouco no contexto geral, não sendo responsável pelo desmatamento da região.
Esse crescimento da cidade está vinculado principalmente à expressividade da atividade pecuária na região. Apesar do potencial agrícola, os entraves logísticos acabam não favorecendo os plantios, já que o gado apresenta-se como atividade economicamente rentável e com menores riscos para o produtor, pois seus preços não oscilam tanto no mercado.
A maior parte das estradas que ligam o município a outras regiões são de terra, de difícil acesso e, ainda, propensas a alagamentos em época chuvosa (de setembro a maio), que acarretam até o isolamento da cidade. Logo, os custos do frete são altos, representando de 20 a 30% dos gastos do produtor.
Além dos entraves com transporte, há gastos com adubos e corretivos de solo, como o calcário, e a probabilidade de perda da produção por causa de algum evento climático não esperado. Também o preço da soja pago às fazendas é determinado diretamente pelo preço do produto no mercado internacional, e sua queda nos preços do grão, como ocorreu em 2004, desmotiva a produção agrícola na região.
É nesse sentido que a produção de soja de São José do Xingu está totalmente vinculada às empresas transnacionais. Como não há beneficiadoras de grãos na região, a soja apresenta baixo valor agregado, e seu principal destino são as secadoras mais próximas, como a Cargill, que se localiza a 35 km do município, e a Bunge, a 70 km.
Em relação à substituição da mata nativa, este trabalho verificou, especificamente, seu avanço sobre a área de fronteira agrícola ao norte do país ocupada pela Floresta Amazônica. Foi possível observar que a atividade responsável pelo desmatamento e que tem avançado sobre o arco de desflorestamento é a pecuária.
A soja tem ocupado as áreas de pastos degradados, para até mesmo prover a recuperação dos nutrientes do solo. Por meio da rotação de culturas, a palha do milhete ou sorgo tem agregado matéria orgânica ao solo e evitado a erosão, funcionando como adubo natural. Ainda, cabeceiras de rio desmatadas têm sido restauradas, e algumas APPs (Áreas de Proteção Permanente) recuperadas com o que mais se aproxima da mata nativa, na tentativa de uma reconsolidação do ambiente.
Apesar da conscientização ambiental, percebe-se que a preocupação dos produtores está muito mais ligada à produção e venda do boi ou grãos do que efetivamente com o meio ambiente. Isso porque as certificações ambientais devem ditar o mercado de venda e compra de produtos, que só serão aceitos se produzidos adequadamente, em respeito à lei e ao meio ambiente. O mercado está começando a se preocupar não só com o produto final, carne ou grão, mas com como ele foi produzido.
Portanto, apesar de impactos ambientais envolvidos no plantio da soja, seu avanço não tem gerado o desmatamento, ao menos não diretamente. Pois, com a ocupação dos pastos degradados, é possível que as áreas de pastagem avancem sobre a floresta.
Referências
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Nota
1 Para uma discussão mais vigorosa a propósito dos conflitos sociais na região, ver: SCHNEIDER, R.R. et al. Amazônia Sustentável: limitantes e oportunidades para o desenvolvimento rural. Brasília: Banco Mundial; Belém: Imazon, 2000; LÉNA, P. et AL Amazônia: a fronteira agrícola 20 anos depois. Museu parraense Emílio Goeldi; Orstom, 1991; SILVA, C. A. F. A Fronteira Agrícola Capitalista da soja na Amazônia. Revista da Sociedade Brasileira de Geografia, vol.1, n° 1, 2006.
Ambiente & Sociedade
On-line version ISSN 1809-4422
Ambient. soc. vol.15 no.2 Campinas May/Aug. 2012
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-753X2012000200002
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FONTE : EcoDebate, 24/10/2012
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