e32 Olá, sou Sandy
Furacão Sandy visto do espaço. Foto: NOAA

Uxbridge, Canadá, 30/10/20121 – Olá, aqui é o furacão Sandy. As pessoas me chamam de “Frankentormenta”, “supertormenta”, e inclusive de “bomba meteorológica”. A verdade é que não pretendo prejudicar ninguém. Mas uma umidade atmosférica e um calor oceânico sem precedentes me deram um poder incontrolável. Lamento dizer que tenho tanta potência eólica que estou colocando o mar dentro de suas salas ao longo de toda a costa leste dos Estados Unidos, no Oceano Atlântico. O mar é como uma saladeira cheia de água e inclinada de tal modo que esta só pode derramar.
Meus ventos chegam a 150 quilômetros por hora. Perderão velocidade na medida em que adentrarem na terra, mas até então terão empurrado tanta água sobre a costa que haverá inundações por toda parte e durante toda a noite de ontem para hoje. Inundações causadas por tantas ondas recordes já ocorreram em várias áreas de Nova Jersey. E continuarão assim nesse Estado e em seu vizinho Nova York.
Provavelmente cause danos de milhares de milhões de dólares em Washington, Nova York, Boston e outras partes do nordeste dos Estados Unidos. E seguramente matarei várias pessoas. Já o fiz. Cerca de 60 perderam a vida quando passei por Jamaica, Cuba e Haiti há alguns dias. Sou uma força da natureza, mas é importante entenderem que isto não é minha culpa. Nasci apenas no dia 22 deste mês nas águas quentes do sudoeste do Mar do Caribe, como um conjunto de tempestades elétricas e chuva, o que vocês chamam de depressão tropical, primeiro estágio na formação de um furacão.
Uma das raridades do meu nascimento foi que aconteceu bem no final da temporada de furacões. Mas isto acontece cada vez com maior frequência, na medida em que o clima esquenta e grandes partes do oceano conservam o calor por mais tempo. O ar e a água estão mais quentes porque agora a atmosfera tem centenas de milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) procedentes da queima de carvão, petróleo e gás, bem como do desmatamento, da agricultura e das indústrias.
Vocês sabem que o CO2 é como uma cobertura que mantém o planeta temperado, retendo parte do calor provocado pelos raios solares. Mas essas centenas de milhões de CO2 que vocês, humanos, lançam na atmosfera fazem com que esta cobertura seja cada vez mais grossa e capture mais calor do Sol. Esta quantidade extraordinária de energia calorífica presa equivale à explosão de 400 mil bombas atômicas, como a lançada sobre Hiroshima, a cada dia, 365 dias por ano.
A maior parte desse calor extra foi para os oceanos. Por isso as temperaturas terrestres aumentaram, em média, apenas oito décimos de grau desde a era pré-industrial. Os mares estão mais e mais quentes, levando suas águas a se expandirem, como a onda formada quando o leite ferve. Esta é uma razão para a elevação do nível do mar; a outra é o derretimento das geleiras e dos gelos polares. O ar mais quente também pode carregar mais umidade. As medições realizadas mostram que agora há entre 4% e 6% mais vapor de água no ar, por isso as precipitações são mais intensas.
Nasci na água a uma temperatura não inferior a 28 graus. Para crescer forte, preciso de água temperada e ar bem carregado de umidade. Havia abundância de ambos na semana passada, e na noite do dia 22 a velocidade dos meus ventos era suficientemente forte para ser batizada de tempestade tropical. No dia 24 estava mais poderosa e me deram o nome de furacão Sandy, o décimo da temporada.
Este ano já aconteceram 18 tempestades tropicais, por isso 2012 pode se converter no terceiro ano de maior atividade ciclônica da história. Nós, furacões, vivemos sobre a água quente e o ar úmido. Por isto, perdi potência quando passei pelas montanhas e colinas da Jamaica e de Cuba. Mas a extensa área de águas incomumente quentes, que se estendem da Flórida até o norte da costa leste dos Estados Unidos, me forneceram a energia para continuar existindo e crescer em poder e tamanho.
De fato, sou tão grande que poderia ser o maior registrado até agora. Isto tampouco deve surpreender. O calor crescente retido na cobertura de CO2 é o combustível das tempestades e da crescente umidade para chuvas mais copiosas e mais inundações do que no passado. E a elevação do nível do mar significa que as ondas serão mais destrutivas.
Durante milhões de anos, nós, furacões e tufões, fomos a forma que a Terra encontrava para redistribuir o calor. Imaginem que somos como gigantescas válvulas de pressão. Quando o calor atmosférico aumenta, como agora, ninguém deve se assustar por sermos maiores e mais potentes. Já disse que sou uma força da natureza. Muitos dirão que sou um ato de Deus. Contudo, agora sabemos que isso não é verdade, certo? Ontem pela manhã virei rumo norte-noroeste e estou a cerca de 400 quilômetros a sudeste de Nova York. Já devo ser a tempestade de maior tamanho, com uma extensão total de aproximadamente 3.200 quilômetros.
Queria permanecer sobre o mar aberto, mas uma grande coluna de ar frio e alta pressão sobre a região dos Grandes Lagos me colocaram neste rumo. A iminente colisão entre esse frio e o ar muito quente e úmido me tornará mais forte e perigoso. É impossível dizer com certeza se o derretimento do gelo marinho do Ártico, que este ano atingiu um recorde histórico, tem alguma responsabilidade nisto. Sei que a maior parte do gelo do Ártico derreteu em 2012. O gelo reflete a energia solar, mas o oceano escuro a absorve. Para que o Ártico volte a congelar, deve livrar-se do calor, lançando-o na atmosfera.
Agora, precisamente ali, há quantidades recordes de energia calorífica saindo do mar e entrando no ar. Isto vem acontecendo a cada outono boreal nos últimos anos. Novamente, não devem se surpreender pelo fato de a liberação de todo esse calor extraordinário alterar os padrões meteorológicos. A corrente em jorro, os ventos oeste-leste que atuam como fronteira entre o frio ártico e as latitudes médias mais temperadas, está perdendo força, movendo-se mais para o norte e tornando-se mais errante.
Outro fator que me impulsiona para dentro do território dos Estados Unidos é uma maciça cúpula de alta pressão localizada no sudoeste da Groenlândia. Sem esse bloco de alta pressão, possivelmente tivesse resistido ao empuxe do sistema de baixa pressão e permanecido no mar. Esse sistema de alta pressão está parado ali há duas semanas; os bichos raros da meteorologia o chamam de “evento de obstrução”. Já produziu uma extensão recorde de altas temperaturas e um degelo também recorde na Groenlândia.
Sim, estou usando muito a palavra “recorde”. É porque o clima enveredou por um terreno desconhecido. O calor e a seca sem precedentes do recém-terminado verão boreal nos Estados Unidos são apenas um exemplo. E as coisas continuarão mudando. As tempestades poderão ser cada vez maiores e poderemos aparecer com maior frequência ou nos apresentar em lugares em que não íamos antes. Não há como saber. De uma coisa podem estar certos: o clima dos últimos 20 séculos já não existe. Sou parte da nova normalidade.

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FONTE : Envolverde/IPS
* Fala o furacão Sandy – Blog em inglês.