h2 TERRAMÉRICA   Países em desenvolvimento já fazem muito pela biodiversidade
Os biocombustíveis são incrivelmente lucrativos nos países tropicais, afirma André Aranha Corrêa do Lago. Foto: Manipadma Jena/IPS
Não podemos isolar a diversidade de espécies em fronteiras geográficas ou nacionais, afirma nesta entrevista o negociador brasileiro André Aranha Corrêa do Lago.
Hyderabad, Índia, 22 de outubro de 2012 (Terramérica).- Os países em desenvolvimento já fazem esforços extraordinários para proteger a diversidade biológica. É “inimaginável” que as nações ricas não cumpram suas obrigações de financiar sua conservação, disse ao Terramérica o embaixador brasileiro André Aranha Corrêa do Lago.
A consciência mundial sobre a biodiversidade “ainda é muito baixa”, embora o Convênio sobre a Diversidade Biológica proporcione “ampla informação científica aos governos”, disse André Aranha, diretor do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais da chancelaria brasileira e um dos principais negociadores da XI Conferência das Partes (COP 11) desse tratado internacional. O embaixador conversou com o Terramérica em Hyderabad, centro mundial de informática e biotecnologia no sul da Índia, que foi sede da COP 11 entre os dias 8 e 19 deste mês.
TERRAMÉRICA: A julgar pelos resultados da Conferência, como avalia a consciência mundial sobre a importância da biodiversidade biológica?
ANDRÉ ARANHA CORRÊA DO LAGO: É muito menor do que deveria ser. Mas o Convênio está ajudando a elevá-la mais do que nenhuma outra iniciativa, por exemplo, fornecendo ampla informação científica aos governos.
TERRAMÉRICA: Um dos pontos mais polêmicos é a falta de compromissos financeiros. Como solucionar isso?
AACL: A solução é muito clara: que as nações desenvolvidas cumpram suas obrigações e forneçam o financiamento para que o mundo em desenvolvimento conserve a biodiversidade. A diversidade biológica está globalmente conectada; não podemos isolá-la em fronteiras geográficas ou nacionais. Somente quando incorporar o modelo de desenvolvimento, será vista como um fator importante para promover a sustentabilidade econômica, social e ambiental e ter reconhecida sua relevância para a energia, agricultura e tantas outras atividades humanas, será quando lhe serão destinados os recursos adequados para preservação.
TERRAMÉRICA: As partes do Convênio acordaram que se deve considerar o impacto dos biocombustíveis na biodiversidade ao traçar estratégias energéticas. Por que o Brasil, grande produtor de etanol, comemorou essa decisão?
AACL: Segundo nossa experiência, os biocombustíveis têm um impacto extraordinário no desenvolvimento, porque não são caros e sua tecnologia não representa um desafio. E este fato causou preocupações em muitos círculos. Porém, precisamos saber mais, pois alguns são menos sustentáveis que outros, e garantir que proporcionem benefícios econômicos, sociais e ambientais. Na COP os países reconheceram sua grande importância. No entanto, devemos considerar seu impacto na biodiversidade. O Brasil apoia todo passo para reconhecer que os biocombustíveis podem ser muito positivos para o setor energético e para o desenvolvimento sustentável. A boa notícia para o mundo em desenvolvimento é que nos países tropicais estes cultivos são incrivelmente mais lucrativos e esta é uma oportunidade que devemos aproveitar.
TERRAMÉRICA: Antes de os países integrantes do Convênio assinarem o Protocolo de Nagoya, em 2010, o Brasil havia adotado normas de acesso aos recursos genéticos e participação em seus benefícios e contra a biopirataria, que não funcionaram.
AACL: Verdade. Como qualquer outra lei nacional, a legislação do Brasil é insuficiente para garantir a participação nos benefícios. Diante da falta de um marco internacional, as leis não podem impedir a biopirataria além das fronteiras nacionais. Quando o Protocolo de Nagoya entrar em vigor (para isso precisa ser ratificado por 50 países) haverá uma plataforma comum, reconhecida internacionalmente, que tornará possível o respeito às leis nacionais, além de dar assistência, estimular a pesquisa científica e prevenir a pirataria de recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais sobre eles.
TERRAMÉRICA: No entanto, depois dois anos de sua adoção, apenas seis países o ratificaram, e o Brasil não é um deles.
AACL: Como primeiro passo, a presidente Dilma Rousseff o enviou ao Congresso, onde é analisado. No Brasil, toda ratificação de um acordo internacional é um processo complexo que deve passar pelo parlamento. No governo aprendemos que o Congresso não gosta que o Poder Executivo tenha ideias sobre como deve atuar o Legislativo, e este está analisando o Protocolo em profundidade. É evidente que há uma atitude positiva e que pode ser ratificado em menos tempo do que demoraram outros procedimentos semelhantes.
TERRAMÉRICA: Antes da próxima COP, em 2014?
AACL: Seguramente para a próxima COP.
TERRAMÉRICA: Muitos conservacionistas afirmam que a reforma em curso do Código Florestal prejudicará os positivos esforços de governo brasileiro para reduzir o desmatamento.
AACL: A presidente vetou o texto aprovado pelo Congresso. E pela segunda vez. O governo não vai aprovar um Código que contradiz os compromissos nacionais de reduzir o desmatamento. O Código em vigor é uma legislação excepcional no mundo. Para dar uma ideia, em qualquer área não amazônica do Brasil, os proprietários de terras podem explorar 80% delas e o restante devem ser preservados em seu estado natural. Mas na Amazônia é o contrário: 80% das terras privadas devem manter suas selvas intocadas e só os 20% restantes podem ser explorados. Não há outra lei que trate tão duramente a propriedade privada para proteger um ecossistema como a Amazônia. O problema é como lidar com os que a violam. A nova lei deve ser muito firme nesses casos. Mas o Código Florestal data de 1965 e desde então o Brasil se transformou em uma economia muito mais forte e complexa. Precisamos de uma legislação que reflita essas realidades. Há um grande debate público em torno disto, mas as decisões estão nas mãos dos legisladores, que foram eleitos pelo povo. Todos os esforços são dirigidos no sentido de convencer o Congresso de que deve entregar um código equilibrado.
TERRAMÉRICA: Quanto dinheiro o Brasil espera obter por meio do Convênio e a quais problemas prioritários o destinará?
AACL: O que vimos na COP foi muito claro. Os grandes países em desenvolvimento, como Brasil e Índia, já estão investindo enormemente em preservar a biodiversidade. O primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, comprometeu na Conferência recursos adicionais para que seu país possa avançar para as Metas de Aichi (adotadas em 2010 para abordar as causas subjacentes da perda de diversidade biológica). É a maior demonstração de que os países em desenvolvimento estão fazendo sua parte. No entanto, há outras nações que necessitam de recursos adicionais. É inimaginável que os países industrializados não levem isto em consideração e não encontrem soluções para obter o financiamento necessário. Índia e Brasil também podem fazer mais se houver recursos adicionais. A prioridade para investi-los em meu país segue exatamente a linha mencionada por Singh, de dispor de todos os instrumentos – formação de capacidade humana e tecnológica – para melhorar o estado da biodiversidade. Não podemos continuar como até agora.

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FONTE : Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Protocolo de Nagoya sobre acesso aos recursos genéticos e participação justa e equitativa nos benefícios derivados de sua utilização, em espanhol
Metas de Aichi, em espanhol
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.