Temas foram discutidos em palestra no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ, como parte das atividades da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.
A ditadura do mercado, a “tradução ideologizada” das pesquisas pela mídia e o fogo amigo da ciência (que questiona fenômenos como o aquecimento global), todos incrementados pela atual crise econômica, foram apontados como alguns dos obstáculos para a concretização de uma agenda ambiental e social estabelecida por atores internacionais. Essas foram algumas conclusões da palestra ‘Economia verde, sustentabilidade e erradicação da pobreza’, iniciativa do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), que aconteceu na última sexta-feira (19) no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Philippe Léna, diretor de pesquisa do Institut de Recherche pour Le Développement (IRD), na França, alerta para o problema da banalização da ideia de que o mundo vive uma crise de civilização. “De tanto ser repetida, a informação nos anestesia, não tem mais impacto”, lamenta. Além disso, ele lembra que a sociedade “cria soluções para problemas, mas acaba, com isso, criando mais problemas, que necessitarão outras soluções. Até que chega a um ponto contraproducente, que levará a sociedade ao colapso”.
Léna lembra que Platão já notificava problemas como o desmatamento e que desde 1948 são apontadas, oficialmente, com bases científicas, questões nesse sentido. “Não é um alerta recente”, comenta, lembrando que o Congresso Americano foi avisado sobre o aquecimento global pela primeira vez em 1965.
Verde e social – Marta Irving, professora e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas e Estratégias de Desenvolvimento da UFRJ, recorda o pensamento antes da Conferência de Estocolmo, em 1972, quando ainda havia “a noção romântica do verde” e que havia mais “apelo afetivo das espécies ameaçadas” do que uma chamada global para a mudança.
Ela lembra que o cenário foi se modificando à medida que os atores foram sendo substituídos ou somados (caso dos movimentos sociais) e se criou a consciência do crescimento e da necessidade de se incluir temas ambientais para o desenvolvimento, ideia que chegou mais fortalecida na Rio-92.
“Quando a mudança se tornou evidente, percebeu-se que a agenda verde não poderia estar dissociada da agenda social”, pontua a pesquisadora. O setor privado, fundamental para as discussões, aparece com mais relevância apenas na Conferência de Johanesburgo, em 2002. “Sem ele, o processo não poderia se instalar”, sublinha.
Inovação e consumo – Léna lembra os dois lados da tão almejada inovação, que, segundo ele “sempre existiu”. “O ser humano sempre procurou o jeito mais fácil de fazer algo, o conforto, a eficiência. Mas também buscava o poder que a dominação tecnológica oferece”, pondera, acrescentando que a inovação, desde a Roma Antiga, permite o enriquecimento. “A concorrência é o que marca nossa civilização”, completa.
Nesse sentido, o mercado é visto como um dos elementos que dificultam a conscientização ambiental. Léna lembra que o consumo está diretamente relacionado ao desejo. “Ele nos dá a impressão de sermos mais, de estarmos integrados, nos empodera e nos dá reconhecimento”, detalha.
E lembra que, mesmo em países desiguais, o crescimento do PIB pode ter um impacto positivo para todos, já que “é uma válvula de escape, possibilitando às pessoas projetarem um futuro melhor”. No entanto, o consumo, engrenagem importante para a movimentação da economia (principalmente de economias em crise), é considerado um dos principais vilões da agenda ambiental.
Mídia – Além de decidir “o que” se deve consumir, o mercado tem que tornar o produto desejável, papel cumprido pela publicidade, uma das áreas que mais movimenta recursos atualmente, ao lado das drogas e das armas, conforme lembrou Marta Irving.
“Grandes empresas gastam bilhões em publicidade disfarçada de ciência, é uma ‘ciência da desinformação’”, pontua, por outra parte, Phillippe Léna, lembrando que pesquisadores são contratados por clientes interessados em obter diferentes previsões (em forma de artigos e aparições midiáticas) a respeito de temas como tabaco, chuvas ácidas, amianto ou clima. Dessa forma, podem conseguir pareceres favoráveis aos interesses industriais.
“Nos Estados Unidos, por exemplo, o lobby não é visto como algo pejorativo. São gastos milhões de dólares nisso, à custa de centenas de milhares de vidas”, lembra. Marta lamenta que a imprensa não dê o espaço ideal para assuntos como a Conferência das Partes (COP11) da Convenção da Diversidade Biológica, que terminou na semana passada. E opina que o tão discutido desenvolvimento sustentável desapareceu da mídia, sendo substituído por economia e crescimento verdes. “A situação científica sai ideologicamente traduzida pela mídia”, critica.
Léna aponta, além disso, que seria “um engano” pensar que as polêmicas científicas são culpa apenas das empresas e da mídia. “Nós também queremos ser enganados. A tendência é querer acreditar no cientista que diz que está tudo bem”, critica.
Culpa e ansiedade – Essa vontade de acreditar que não há nenhum problema grave ocorrendo, ou mesmo a ideia de fechar os olhos para eles, pode causar uma “culpa” social. “Por que ficamos deprimidos? Em que momento fomos levados a pensar que não seria [catastrófico] assim?”, indaga Renzo Romano Taddei, professor de Antropologia e Comunicação na Escola de Comunicação da UFRJ.
Ele acredita que as agendas social e ambiental, ao mesmo tempo em que são parte da solução, são também parte do problema, pois representam a “desconexão” entre a vida que está acontecendo e as ideias e planos. Isso porque a agenda funciona em tempo e espaços diferentes dos que ocorrem no momento em que as medidas são estabelecidas. Um exemplo disso são as metas estipuladas por protocolos, como o de Kyoto, para anos ou décadas seguintes.
“Do ponto de vista da maioria das pessoas, a crise ambiental é séria, mas ocorre em outro tempo e espaço, gerando ansiedade”, completa Taddei. Segundo o pesquisador, a descontextualização das previsões em relação à vida do dia a dia ocorre desde os primórdios da ciência, que distancia, da existência humana, muitos acontecimentos e fenômenos do mundo natural. Ele dá como exemplo a atmosfera, “que muita gente pensa que está em outro lugar, acessível só para cientistas”. “A gente só se dá conta que ela existe quando sentimos calor, frio, quando vemos neblina”, exemplifica.
Ele lembra que também é uma questão importante o fato de os governos tenderem a homogeneizar os problemas, criando, por exemplo, uma agenda ambiental para todo um país, ignorando a diversidade biológica dentro dele. “Há uma redução da complexidade. Desta forma, a natureza e a política são vistas como um espectro”, constata.
“Sentimos culpa por efeitos que a gente não vê, por formas de vida que não escolhemos e das quais não conseguimos ou não queremos nos desvencilhar. O resultado disso é a paralisia e a atitude escapista”, conclui, destacando a necessidade urgente de sentir as conexões existentes com o ambiente.
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FONTE : matéria de Clarissa Vasconcellos, no Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4608, publicada pelo EcoDebate, 22/10/2012
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