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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
Crise na Irlanda leva donos a abandonarem seus cavalos à morte
Nesse país de paisagens verdejantes, celebrado por seu tradicional amor pelos cavalos e pelas gerações de puro sangue criados para vencer corridas no mundo todo, a ponta de Dunsink, nos arredores da capital irlandesa, é um lugar que fere o coração. Reportagem de John F. Burns, em The New York Times.
No alto de uma clareira cheia de lama que se estende por muitos acres onde sopra um vento forte, extremamente frio no pior inverno do qual muitos aqui se lembram, estão algumas das dezenas de cavalos e pôneis que foram abandonados em meio ao pesadelo financeiro da Irlanda. A poucos quilômetros do centro de Dublin, a ponta, antigo aterro sanitário com uma fina cobertura de grama, é o fim da estrada para todos, menos para os animais mais resistentes, um lugar onde a morte por exposição ao frio, fome, doença e ferimentos espera logo ali.
Ao lado de uma estrada expressa movimentada, em um dos cantos distantes da ponta, montanhas de terra fresca indicam os túmulos dos cavalos mais fracos, libertos do sofrimento com tiros de pistola calibre 32 em suas cabeças pelos inspetores de defesa do bem-estar animal. No céu ali em cima, aviões decolam do aeroporto internacional de Dublin, onde um luxuoso novo terminal combina com os novos edifícios de aço e vidro de Dublin, construídos pela onda de investimento dos anos de expansão econômica.
O problema com os cavalos do país começou a aparecer há mais de dois anos, quando o mercado imobiliário da Irlanda entrou em colapso. Foi um sinal sombrio da quebra que aconteceu este mês, quando a Irlanda aceitou um pacote de ajuda internacional de US$ 90 bilhões, oferecido sob condição de que o governo prometesse as mais duras medidas de austeridade da Europa.
De acordo com estimativas econômicas, por alto, os US$ 20 bilhões de corte de gastos e aumento de impostos prometidos durante os próximos quatro anos pelo governo do primeiro-ministro Brian Cowen levarão a um corte de 10% na renda disponível da classe média irlandesa, e a dificuldades ainda maiores para os muitos pobres do país. Eles serão atingidos por cortes de benefícios sociais, perda de empregos no setor público e uma redução drástica do salário mínimo, assim como por uma queda econômica ainda maior, além do encolhimento de 15% na economia desde 2008, se as medidas de emergência não restaurarem o crescimento econômico.
Mas os cavalos que são uma parte bastante resiliente da cultura irlandesa também estão pagando seu preço. Há gerações, criar cavalos sempre foi uma paixão irlandesa – para aqueles que gostam de colocá-los para disputar corridas, praticar saltos com barreiras e participar de competições de salto, para aqueles que têm cavalos para atividades recreativas como a caça e eventos equestres, e também para aqueles que veem o fato de ter um cavalo como um símbolo de prosperidade, da mesma forma que outras pessoas sentem prazer em ter carros de luxo.
Saber quantos cavalos e pôneis foram abandonados é uma questão de adivinhação a partir das informações. As leis irlandesas exigem que todos os animais sejam registrados e usem microchips que os identificam, mas as leis raramente são cumpridas. O que é certo é que os anos de expansão econômica trouxeram um crescimento rápido para a criação de cavalos, e que dezenas de milhares de pessoas que antes não podiam pagar os custos de um cavalo ou pônei entraram no mercado, muitas delas criando os animais em jardins, em terrenos de obras cercados, ou em terrenos públicos como a ponta de Dunsink.
Com a crise econômica, muitos descobriram que não podiam mais sustentar a alimentação e o alojamento de seus animais com custos que chegam a até US$ 40 por dia ou mais e os abandonaram. Eles vagueiam soltos por terrenos de obras, cidades e vilarejos e estradas rurais. Joe Collins, presidente do Conselho Veterinário da Irlanda, estima que exista um “excedente de cavalos” entre 10 mil e 20 mil em todo o país. Outro especialista em cavalos, Ted Walsh, pai de um dos mais famosos jóqueis do país, Ruby Walsh, disse que o número pode chegar a até 100 mil.
Outra forma de medir a escala do problema é visitar a ponta de Dunsink. Famosa por ser o local de um dos mais famosos observatórios astronômicos da Europa, estabelecido em 1785 numa época em que Dunsink ficava isolada no interior do país, ela se tornou nos tempos recentes um local de traficantes de drogas, ladrões de carros e pessoas desesperadas que vão até essas terras desoladas para se enforcar nas árvores localizadas nas partes mais baixas do território. A sensação de desolamento é acentuada pelos tubos de ventilação de concreto que retiram o gás metano das gerações de lixo em decomposição abaixo.
Mas Dunsink também é tradicionalmente um lugar de pastagem para cavalos, um território comum onde as pessoas que não têm estábulos nem terra própria podiam deixar seus animais soltos, para recuperá-los depois. Para alguns donos, isso não mudou, e Dunsink ainda serve como um terreno conveniente e gratuito. Mas para outros, o local se tornou o ponto ideal para abandonar cavalos e pôneis que eles não podem mais sustentar.
Diferenciar os diferentes tipos de donos não é fácil, como ficou claro num encontro com Thomas Boyd, uma das poucas pessoas além de um inspetor de animais que enfrentou o frio quase ártico do local numa tarde recente. Boyd, 33, recentemente libertado da prisão Mountjoy em Dublin depois da última sentença que cumpriu, entre outras tantas, por “ofensas à lei e à ordem”, além de problemas com álcool e drogas, chegou puxando um cavalo com uma corda azul de plástico.
Sua história era incerta, talvez criada para o encontro com o inspetor Tony McGovern da Sociedade Dublin para Prevenção da Crueldade com os Animais. Boyd contou que ele havia ido para o local com uma égua malhada marrom e branca de 3 anos para encontrar para ela uma dieta “mais nutritiva” do que a que ele fornecia nos estábulos perto de sua casa no distrito da classe trabalhadora de Finglas. Ele disse que deixaria a égua por “algumas semanas” e depois a recolheria.
McGovern duvidou, dizendo que havia pouca ou quase nenhuma nutrição na grama gelada do inverno. Em todo caso, Boyd se despediu e, aparentemente acreditando estar fora do alcance do inspetor, soltou a égua e começou a perseguir sem sucesso dois pôneis cinzas que corriam pelo local num rebanho de 30 ou 40 cavalos.
Seu relato, mais tarde, foi o de que queria pegar os pôneis para seus filhos, mas McGovern acreditava que Boyd estava abandonando a égua malhada à própria sorte enquanto esperava capturar os pôneis para revendê-los no Mercado de Cavalos de Smithfield, um evento em grande parte clandestino que acontece uma vez por mês no terreno de uma destilaria abandonada ao lado do rio Leffey em Dublin.
Lá, cavalos são trocados por até US$ 15 cada, alguns como bichos de estimação, outros para o abatimento.
A sociedade de defesa do bem-estar animal tem uma capacidade limitada de estábulo em sua sede nas colinas de Dublin e um orçamento de apenas US$ 500 mil para cavalos e pôneis. E os números da sociedade sugerem que o problema está ficando pior. Em 2008, ela aceitou 26 cavalos e pôneis feridos ou doentes; em 2009, ela pegou 106; e até começo de dezembro de 2010, ela recebeu 115 animais.
Numa manhã recente, dois veterinários norte-americanos que trabalham como voluntários no centro, Judy Magowitz de Laurel, Maryland, e Katie Melick de Los Angeles, passaram horas trabalhando duro para salvar um cavalo negro miniatura Falabella, chamado Napoleão, que elas haviam encontrado doente em um dos cercados do centro. Ao cair da noite, elas consideraram que não havia nada mais que pudessem fazer por Napoleão, um pônei com uma altura que não chega até a cintura, e ele foi sacrificado, juntando-se a dezenas de outros cavalos que foram levados para o centro tarde demais para serem salvos.
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FONTE : reportagem [Hardships of a Nation Push Horses Out to Die] do New York Times, no UOL Notícias. (EcoDebate, 03/01/2011).
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