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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

As florestas e os deslizamentos de encostas - Osvaldo Ferreira Valente

Os desastres originados de fenômenos naturais, como os que acabam de acontecer na Região Serrana do Rio de Janeiro, despertam a solidariedade de todos os brasileiros e de pessoas do mundo inteiro. Muitas coisas são ditas a respeito, muitas entrevistas são divulgadas pelas redes de televisão e pelos jornais e revistas. Muitos conselhos e indicações de procedimentos para soluções dos problemas. Também muitas bobagens, como artigos que aproveitam para dizer que as reformas do Código Florestal vão agravar os problemas, que as encostas escorregam porque não estão cobertas por florestas e outras tolices mais.

Vi, num programa de televisão, logo depois da tragédia na Região Serrana, uma apresentadora dizer que a sua área de trabalho estava protegida dos riscos de deslizamentos da encosta logo atrás, pois a área estava coberta de floresta e sem nenhuma intervenção humana. Não é bem assim, ela estava desconhecendo os fenômenos naturais que fazem as superfícies da Terra, principalmente as mais inclinadas, estarem sempre procurando novos pontos de equilíbrio.

As serras são muito rochosas. Ao longo do tempo, e em algumas encostas, foram sendo formadas camadas de solos sobre lajedos e, sobre essas camadas, foram surgindo vegetações diversas até chegar à formação florestal. Os solos são rasos, portanto, e com a sequência de chuvas na região de Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo, ao longo de todo o dezembro de 2010 e o princípio de janeiro de 2011, estavam encharcados, bem próximos da saturação. Por isso, as chuvas intensas da madrugada do dia 12 (também fenômeno natural) saturaram camadas de solos sobre lajedos das áreas com fortes declives, mas cobertas com florestas, dando a falsa impressão de estarem absolutamente protegidas. Ali foram formados escoamentos que chamamos de sub-superficiais, ou seja, verdadeiras enxurradas ocultas, correndo abaixo das superfícies, desestabilizando as camadas de solo e provocando os escorregamentos (as Fotos 1e 2 ilustram um pouco o que aconteceu).

A terra transportada, levando árvores inteiras arrancadas, ao encontrar obstáculos como as casas construídas nos vales logo abaixo, devem ter formado pequenas represas momentâneas, acumulando volumes razoáveis de água. Como eram momentâneas, elas passaram a se romper quase ao mesmo tempo, formando grandes massas de água e lama que foram se unindo enquanto desciam e levando tudo que encontravam pela frente. A partir daí, os fenômenos naturais se juntaram às ações humanas e os desastres foram inevitáveis. Os vales são estreitos e as casas se concentravam em suas partes mais baixas, agravando tudo ( a Foto 3 mostra o vale rodeado de encostas florestadas, mas com pontos de escorregamento).

Como já deve ter ficado claro para o leitor, as florestas que ocupam encostas, com as características descritas, não são capazes de evitar os deslizamentos. Acabam indo junto e colaborando para agravar os problemas nos vales abaixo. Troncos, galhos e folhas ajudam na formação de diques provisórios e que se rompem logo a seguir, levando grandes volumes de lama e com poder de destruição aumentado. Já vimos coisas semelhantes em Santa Catarina e em Angra dos Reis, em anos passados. Massas florestais inteiras, deslizadas e ocupando os vales. Nós temos a mania de acreditar que as pobres árvores podem resolver todos os nossos problemas. Se elas pudessem falar, certamente reclamariam de muitos encargos que elas não podem suportar. Por isso, não aconselharia a apresentadora a se sentir protegida, por perceber, apenas superficialmente, que a encosta das proximidades está segura.

Perguntaria o leitor: o que fazer, se o fenômeno é natural? Os geólogos Edézio Teixeira de Carvalho e Álvaro Rodrigues dos Santos, ótimos especialistas no assunto, têm insistido, em artigos e entrevistas, na feitura urgente de cartas geotécnicas de cidades que ocupam encostas. Com base em tais cartas, planos diretores definiriam as áreas de risco e ordenariam as ocupações, prevendo, inclusive, a retirada de moradias nelas já existentes. O Governo Federal, através do Ministério das Cidades, poderia financiar a feitura das cartas e treinar pessoal para usá-las na composição dos planos diretores. Posteriormente, criar programas de financiamentos para que os municípios possam desocupar áreas de riscos já habitadas.

A prevenção será sempre mais barata do que a reconstrução, além de preservar o bem mais precioso que existe – a vida. Que as expressões de pânico e tristeza, mostradas nas telas de nossas televisões, sejam inspiradoras das muitas reuniões que estão sendo feitas por autoridades, para que planejem ações técnicas e não fiquem apenas nas lamentações e na identificação de culpados, e sempre em administrações passadas, obviamente.
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FONTE : Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas e professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV); colaborador e articulista do EcoDebate. (EcoDebate, 18/01/2011).

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