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quinta-feira, 10 de setembro de 2009
Quanto vale o jornalismo socioambiental?
A informação e o conhecimento são estruturais para mudar os paradigmas da atual economia, mas ainda não há quem financie a sua produção e veiculação.
O papel das chamadas eco-mídias, ou veículos que trabalham com pautas de sustentabilidade, na busca da sociedade por um modelo de produção sustentável e as dificuldades de captação de recursos para financiar a informação foram os principais temas do “Diálogos EcoMídias”, realizado pela Envolverde e a Ruschel & Associados, na semana passada em São Paulo.
Ao abrir os debates, que contaram com a participação dos editores das principais mídias especializadas em sustentabilidade, publicitários, profissionais de marketing e educadores, o jornalista Dal Marcondes, diretor da Envolverde, levantou a questão do financiamento da informação afirmando que “não se consegue fazer com que o mercado publicitário, que é quem financia a informação neste país, perceba que deve ter um certo juízo de valor sobre o conteúdo, sobre a informação que é passada para essa parcela da sociedade.
Para o jornalista, é preciso mostrar aos anunciantes que comprar um página de publicidade em uma dessas publicações significa, “além de comprar visibilidade para o seu produto diante de um determinado público, financiar a informação para aquele público”. Em sua opinião, o empresário não deve ver na publicidade em uma mídia ambiental apenas um bom número na “relação custo por mil”. “Ele precisa saber que quando ele opta por um veículo ele está dizendo também que aprova aquele conteúdo”, explica.
Marcondes argumenta que isso se deve à relevância desse tipo de informação para a sociedade. “Hoje é consenso, em qualquer debate sobre sustentabilidade, que a informação e o conhecimento são estruturais para mudar os paradigmas de desenvolvimento sobre os quais está alicerçada a nossa economia. Sem informação, sem conhecimento, a sociedade não será capaz de empreender para solucionar os desafios da construção de um novo modelo de desenvolvimento”, destaca.
Ele adverte, no entanto, que essa questão não tem sido abordada nos debates sobre a sustentabilidade. “A questão de levar a informação de forma consistente e generalizada para a sociedade não está nos planos nem das empresas nem do governo”. Segundo ele, há ainda uma tendência em se encarar o jornalismo ambiental como um trabalho voluntário, agravada pela falta de percepção da sociedade dos altos custos do jornalismo de qualidade. “É uma atividade profissional cara, que exige conhecimento, competência, logística e muitos outros custos”, explicou.
Ricardo Voltolini, fundador e diretor da revista Ideia Socioambiental e um dos palestrantes, concordou com Dal Marcondes e foi além, classificando a discriminação sofrida pelas mídias ambientais como uma questão ideológica. Comparou o espaço que as publicações e sites de sustentabilidade tem hoje com o mural da faculdade, de quatro metros quadrados, fixado em uma parede limpa de cem metros. “Nos estamos em um muralzinho, que fica dependurado na parede com título de alternativos, ou militantes”, compara.
Voltolini narrou as dificuldades que enfrentou para lançar e manter sua revista. Disse que seu projeto foi chamado de “alternativo” ou “militante”, um tipo de veículo que receberia um anúncio publicitário “talvez daqui a mil anos”. Apesar das dificuldades, conta que lançou a revista com três “apoiadores” e conseguiu mantê-la sem déficit, até hoje, chegando a uma situação superavitária na última edição.
Mas, segundo ele, a descoberta de que não havia mercado entre as agências de publicidade para a Ideia Socioambiental chegou logo. Diante disso, resolveu seguir a “lógica do apoiador”. Lançou a revista, então, com o apoio de três empresas. “Agora estamos partindo para o quinto ano. Tivemos o primeiro ano complicado mas no terceiro ano a revista começou a receber anúncios mais regulares e começou a gerar algum lucro”, relata, destacando que a primeira edição pós-crise atingiu o potencial publicitário previsto em seu planejamento.
O diretor da Ideia Socioambiental acredita que chegou a hora de as ecomídias ocuparem o espaço fora dos quatro metros quadrados que lhe foram reservados. Mas isso, segundo ele, só pode acontecer com a união de todos. “Para além das nossas dificuldades e diferenças, o que há de comum em nós que pode nos reunir em torno de uma plataforma capaz de ocupar a parede toda?”, pergunta Voltolini. Para ele é a hora de dar um salto, lembrando que, em termos de audiência, essa plataforma comum a todas as mídias ambiental pode ser maior que a de qualquer veículo hoje no Brasil.
Uma das principais causas da dificuldade de captação de publicidade das ecomídias, na opinião de Voltolini, é a divisão. Ele explica que existem apenas 20 a 30 empresas anunciantes regulares nesse tipo de publicação no Brasil. “O problema é que a gente divide, a gente compete pelos mesmos recursos e acaba batendo nas mesmas portas”, disse, justificando sua proposta de união de todos em uma plataforma comum.
Peter Milko, editor Horizonte Geográfico, outro integrante da mesa, endossa as palavras de Dal Marcondes e Voltolini, relatando as dificuldades de sua revista, fundada em 1987. Milko contou que a publicação nasceu, assim como as demais, de forma idealista e sempre dependeu de outras atividades econômicas da empresa. Concorda também que há mercado e que, apesar das dificuldades, a revista tem boas perspectivas.
O diretor da HG observa que uma avaliação feita a partir da quantidade de releases e convites que os editores recebem poderia concluir que a receptividade das ecomídias é boa entre os empresários. “A gente percebe que as empresas adorariam ver o rosto delas, o assunto delas na área de sustentabilidade, impresso nas páginas das ecomidias, mas através da assessoria de imprensa e não através de algum tipo de remuneração”.
Para Milko, é preciso um debate maior sobre os critérios de divulgação da informação. Ele denunciou uma tendência de barganha das empresas, condicionando o espaço publicitário ao espaço editorial, embora ressalte que algumas já adotam o princípio ético de não anunciar quando há informações editoriais sobre ela na edição.
Mas o diretor da HG acredita que, apesar das dificuldades, as perspectivas para a ecomídias são otimistas, em decorrência de uma valorização cada vez maior do tema da sustentabilidade. “Atualmente a questão atinge cada um de nós. O indivíduo que acelera seu carro está contribuindo para o aquecimento global da mesma forma seja na China, na Indonésia ou em Pindamonhangaba e talvez isso aumente a relevância da informação que nós estamos publicando”, explica.
Milko lembra que a perspectiva da candidatura da senadora Marina Silva à presidência da República também coloca o tema em evidência. “Aliás, esta semana a própria ministra Dilma (virtual candidata do governo) já mudou o seu discurso, incluindo o tema ambiental. Isso é uma mudança significativa e eu espero que não seja só fogo de palha, como foi a Eco 92”, alerta. Assim como os outros participantes, ele acredita que uma reunião, mesmo que informal, das ecomídias poderia facilitar a comunicação com o mercado e valorizar o papel dessas informações para a sociedade. “A gente tem muito caminho a percorrer, se juntarmos os esforços”, diz ele.
O jornalista Luciano Martins, que integra o “Observatório da Imprensa” e atua como analista de mídia, destacou no encontro a importância das mídias socioambientais para a formação da agenda pública sobre o tema. “A função principal da imprensa é construir a dinâmica da agenda pública. Quando a imprensa coloca a questão da corrupção, a sociedade vai discutir a corrupção, quando a imprensa coloca a questão da sustentabilidade, as pessoas vão discutir a sustentabilidade e esse é o principal papel das ecomídias”.
Martins acredita que é preciso formulação de um modelo de negócios que liberte a mídia socioambiental da armadilha da publicidade. “Com raríssimas exceções, não há agência de publicidade interessada honestamente na questão ambiental. Eu estou convencido de que não há possibilidades de se construir um modelo de negócio de comunicações nesse setor baseado em publicidade”, explica, contando as dificuldades que enfrentou com as publicações que criou e dirigiu versando sobre o tema.
O editor da revista da Fapesp, jornalista Carlos Fioravante, falou sobre aspectos teóricos e técnicos da atividade jornalística, com foco na questão da sustentabilidade. Destacou a importância de uma cobertura jornalística contextualizada para o tema. Com base em seus estudos acadêmicos, Fioravante mostrou a importância de considerar as pautas a partir da interação entre os seus atores. Para ele, é preciso valorizar “a interação, o movimento, as coisas acontecendo”, para não correr o risco de passar para o leitor uma visão linear da realidade.
Ele explica que o conceito de descoberta não vale mais e o que está em seu lugar é o conceito de construção: “é preciso viajar lentamente, mapear os territórios, dar atenção às coisas, aos problemas e perceber se há conexões ou não”, pois é através delas que as relações se estabelecem. É por causa de uma cobertura jornalística linear que, em sua opinião, “o desmatamento ainda é um problema genérico, tratado como um problema não social, como um terremoto, sobre o qual não há controle. Não é possível pular etapas, sem estabelecer as conexões passo a passo”.
Ele questiona também a idéia de que o jornalista é um intermediário, que leva a informação, sem mudar nada, propondo a o conceito de mediador. “No fundo os intermediários são dispensáveis. Os mediadores são os que transformam, que incomodam, que perturbam” ,diz ele, citando exemplos de reportagens que mudaram a realidade porque estavam conectadas com todos os atores da realidade, oferecendo não uma solução para ser obedecida, mas uma proposta aberta, que coloca as possibilidades de ação fora das esferas do poder. “O jornalista precisa ampliar o olhar”, concluiu.
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FONTE : Celso Dobes Bacarji, da Envolverde - especial para o Instituto Ethos
(Envolverde/Instituto Ethos)
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