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sexta-feira, 11 de setembro de 2009
É possível uma vida sem impactos ambientais?
O desenvolvimento das novas tecnologias é exponencial. As transformações são tão intensas e profundas que as pessoas se surpreendem com as novidades que surgem a todo o tempo. O Nós da Comunicação conversou com o doutor em ciência da computação pela University of Kent at Canterbury, Silvio Meira, momentos antes de sua palestra ‘Quem tem medo do futuro’, em um curso da Casa do Saber voltado para tecnologia. Segundo o professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, é preciso correr atrás das inovações tecnológicas, caso contrário, será inevitável uma relação temerária com o que está por vir.
Fundador do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R.), o especialista em tecnologia também comentou o processo de construção de redes ao longo da história da humanidade, desde a reunião em torno de uma fogueira até os sites de relacionamento. Além disso, falou sobre movimentos políticos na web - como o ‘Fora Sarney’ e as eleições de 2010 -, que ainda não deverão causar impactos efetivos no Brasil.
Confira, abaixo, a entrevista completa.
Nós da Comunicação - A era digital está causando profundas transformações na sociedade. São novidades a todo o momento. Mas, afinal, devemos ter medo do futuro?
Silvio Meira - Eu tenho uma perspectiva com relação ao futuro: se você estiver esperando que o futuro aconteça, é melhor ficar apavorado agora. A relação passiva com o porvir é sempre temerária. Você deixa as coisas ‘rolarem’ e, depois, se surpreende com elas. Mas, se estivermos participando da construção do futuro, estaremos falando de outra coisa, pois participar da construção do futuro significa, na prática, olhar para ele com olhos de construtor, ajudando a escrevê-lo. Se você está escrevendo o futuro ou escrevendo as regras de uso do futuro, mesmo que não entenda as tecnologias envolvidas, isso deixa de ser um problema.
Nós da Comunicação - Como as novas tecnologias e as redes de relacionamento estão impactando nosso cotidiano?
S. M. - Redes de relacionamento sempre existiram na história da humanidade. Em minha visão, o indivíduo é uma invenção razoavelmente nova. E se olharmos o indivíduo, a noção de identidade, de ser humano único com direitos fundamentais, é uma condição que vem da Renascença. A humanidade é gregária por natureza, sempre se organizou ao redor de redes. Então, a fogueira na vila em qualquer espaço geográfico do mundo também é uma rede. A própria tribo ou o núcleo familiar é rede.
O que passamos a ter são mecanismos nos quais posso formar redes que são deslocalizadas e dessincronizadas. As redes antigas podiam até ser deslocalizadas, como os correios e o Pen Club, um instrumento de formação de redes sociais antigo, no qual você escrevia uma carta dizendo quem você era. As pessoas desse grupo, que recebiam cartas de todo o mundo, redirecionavam a correspondência para outras pessoas e, dessa forma, montavam-se redes, efetivamente. Mas esse mecanismo era de mediação, e muito lento. Portanto, se eu quisesse agregar um número de pessoas - e eu fazia isso durante a universidade - tinha de mandar 500 cartas. O custo e o tempo para isso eram enormes.
Nós da Comunicação - E os impactos das redes virtuais?
S. M. - O que os mecanismos de formação de redes sociais virtuais criam é a capacidade de agir no tempo. Você pode agir em ‘real time’. Criar uma economia, uma comunidade em tempo real em cima das coisas que você está vivendo. Com isso, posso criar um movimento ‘Fora Sarney’ de uma hora para outra. Mas você pergunta: qual o impacto desse movimento na vida real? Nenhum. Porque o movimento ‘Fora Sarney’, no Twitter, envolveu só as pessoas que estavam no Twitter e elas têm um interesse periférico ao problema que o Sarney está causando. Não conseguimos atacar o problema real, que é afetar os eleitores do Amapá que o elegeram. Existe um número muito pequeno de pessoas que estão intensamente em rede. O que temos de discutir é: será que as pessoas estarão intensamente em rede, em larga escala social, no longo prazo? De tal maneira que as redes sociais serão virtuais também e, consequentemente, terão a capacidade de gerar impacto em tempo real nos problemas a seu redor? Se isso acontecer, teremos um impacto.
Posso, de uma hora para a outra, reunir mil pessoas para fazer alguma coisa. Nunca foi fácil, na história da humanidade, mobilizar esse contingente. Mas transfira o processo de representação democrática para a internet. Se eu conseguir mover o eleitorado de Sarney na rede, de repente o ‘Fora Sarney’ pode ter um impacto monumental. Isso ocorre à medida que a sociedade se virtualiza.
Nós da Comunicação - Nas eleições presidenciais dos EUA, a campanha de Obama pela internet foi um diferencial. Como você prevê essa disputa no Brasil em 2010? A internet será explorada pelos candidatos?
S. M. - À medida que os candidatos, as agências e os marketeiros se tornam capazes de usar a internet com consciência sobre seu efeito, haverá um uso, paulatinamente, mais impactante da internet em qualquer processo. Mas, em particular nas eleições do ano que vem, o número de brasileiros conectado à rede intensamente será menor do que 20 milhões de pessoas, com, talvez, 10 milhões ou mais na faixa que não vota. O tamanho da população realmente ativa brasileira na internet é menor do que a população de Portugal, sendo que o Brasil é um país de 200 milhões de habitantes. A definição de usuário da internet é aquela pessoa que usou a web pelo menos uma vez no último mês. Mas isso seria usar a internet como se estivesse enviando cartas.
Nós da Comunicação - Como você avalia o processo de inclusão digital do Brasil, pensando na qualidade da conexão no país?
S. M. - O governo, desde o começo da internet, não decidiu nenhuma política pública. Com isso, as pessoas tomaram isso em suas mãos para resolver o problema. O que aconteceu, na prática, foi que as pessoas buscaram a web pela via da renda familiar, com conexão diretamente em suas casas, enquanto as populações de baixa renda buscam a conexão pelas lan houses. O Sebrae, hoje, acredita que o Brasil tem entre 110 e 120 mil lan houses. Isso criou um mercado de acesso à web que levou um número gigantesco de pessoas a ter um acesso aleatório, de baixa qualidade e de pouca intensidade, medido em reais por minuto.
Exatamente onde você mais precisa, é mais caro. Nas lan houses, você cobra a internet por tempo, e ela não é cobrada por tempo em nenhum lugar do mundo, pois eu pago um preço fixo para usar durante um mês inteiro. Mas é exatamente a parte de baixa renda da população que está pagando internet por hora. É como se ela estivesse, vez por outra, hospedada na internet, como quando vamos a um hotel.
Nós da Comunicação - A cultura colaborativa da internet impulsiona uma troca de informações e dados cada vez mais intensa. No entanto, propriedades e direitos autorais, muitas vezes, não são pagos. Você é a favor da cultura livre na web, como defende Cris Anderson em seu livro ‘Free’?
S. M. - Essas teses estão situadas em um espaço-tempo no qual você acabou com certo modelo de propriedade intelectual e não estabeleceu outro. Nesse vácuo, é preciso flexibilizar qualquer aperto legal ou processos jurídicos para deixar surgir o processo que vem depois. Existe um modelo diferente de fazer as coisas. Esse modelo encara a música e o vídeo, por exemplo, como um serviço, e não como produto. O MP3 é um modelo degenerado de produto, porque finge que se abstraiu, mas não se abstraiu totalmente. Estamos em um modelo de transição e, cada vez mais, vejo as coisas como fluxos. Vejo processos e não coisas. Eu não quero possuir um disco, mas ouvi-lo sempre que quiser. A forma de fazer isso, como não temos uma rede larga e ubíqua, ou seja, em todo lugar e o tempo todo, é você ter o arquivo. Mas essa forma é intermediária, não é a forma como vamos viver.
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FONTE : (Envolverde/Mercado Ético)
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