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segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Florestas no forno
Milhões de árvores, sobretudo do Sul do planeta, estão destinadas à queima em gigantescos fornos da Europa para cumprir o objetivo de gerar eletricidade sem aumentar a mudança climática. Nos últimos dois meses, empresas britânicas de energia anunciaram a construção de pelo menos seis novas centrais elétricas movidas a biomassa para gerar 1200 megawatts. A biomassa usada será constituída por lascas de madeira.
Na Grã-Bretanha já estão sendo construídas várias centrais, para gerar outros 1200 megawatts, incluindo a maior do mundo, em Port Talbot, em Gales, no sudoeste. Nessas geradoras serão queimadas entre 20 e 30 milhões de toneladas anuais de madeira, quase todas procedentes de outras regiões, equivalentes a, pelo menos, um milhão de hectares de florestas. “A Europa cozinhará as florestas tropicais do mundo para combater a mudança climática. É uma loucura”, disse ao Terramérica a ativista Simone Lovera, da não governamental Coalizão Mundial pelas Florestas, com sede em Assunção, no Paraguai.
A Europa se comprometeu a reduzir em 20% suas emissões de carbono, o principal gás de efeito estufa, até 2020. O uso de biocombustíveis e a eletricidade a partir da biomassa serão fundamentais nessa estratégia, afirmam especialistas. Segundo Jarret Adams, porta-voz da Adage – uma empresa de risco compartilhada entre o gigante nuclear francês Areva e a companhia elétrica norte-americana Duke Energy –, “a biomassa é um setor muito promissor para as empresas de energia”. A Adage constrói uma central elétrica para gerar 50 megawatts a partir de biomassa de madeira no Estado da Flórida, nos Estados Unidos, disse Adams ao Terramérica.
“As autoridades federais e estaduais dos Estados Unidos consideram que a queima de madeira para obter eletricidade é neutra em carbono”, pois o processo de geração de eletricidade mediante a queima de madeira lança menos ou igual quantidade de dióxido de carbono do que a absorvida durante a fotossíntese pelas árvores utilizadas como matéria-prima, acrescentou o porta-voz. Quando o Terramérica perguntou sobre a certeza dessa neutralidade, Adams respondeu: “É isso. Mas, quem tem a certeza?”.
O Brasil poderia atender a demanda européia por lascas de madeira, sem derrubar florestas, mas expandindo suas plantações florestais em 27 milhões de hectares, principalmente de espécies exóticas como o eucalipto (Eucalyptus), disse Lovera, com base em um informe ao qual a Coalizão teve acesso. “A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) também pressiona os países para que aumentem as plantações de árvores”, acrescentou. Um olhar sobre as empresas dedicadas ao comércio internacional revela a existência de uma florescente indústria de madeira para geração de eletricidade.
A canadense MagForestry, que opera na República do Congo, embarcará 500 mil toneladas anuais para a Europa. A IBIC Ghana Limited disse que pode exportar cem mil toneladas de madeiras nobres e coníferas. A norte-americana Sky Trading oferece até 600 mil toneladas de lascas para biomassa de seu país ou do Brasil. A International CMO Business Biomass se define como dedicada a reduzir o uso de carvão e oferece madeira em lascas do Brasil, Chile, Uruguai e Argentina para abastecer o mercado energético europeu. Segundo Lovera, o reflorestamento com fins industriais teve impactos devastadores em populações e no meio ambiente da América do Sul.
Ninguém pode crer seriamente que estas plantações tenham biodiversidade ou função ecológica semelhantes às das florestas naturais. Na realidade, são “desertos verdes” pela quantidade de água que consomem e que retiram da flora local. São abundantes os exemplos de comunidades expulsas de suas terras para dar lugar a estas monoculturas, disse Lovera. Devido às crescentes evidências de impactos sociais e ambientais negativos das plantações, uma coalizão internacional de organizações não governamentais estabeleceu o dia 21 de setembro como Dia Internacional contra a Monocultura de Árvores.
“Afirmam que a queima de madeira é neutra em matéria de carbono, mas não é verdade”, disse em uma entrevista Rachel Smolker, pesquisadora da organização norte-americana Global Justice Ecology Project. Segundo Smolker, pesquisas da não governamental Massachusetts Environmental Energy Alliance, dos Estados Unidos, mostram que a queima de árvores para produzir eletricidade gera 1,5 mais carbono do que o emitido pela combustão de carvão mineral e entre três e quatro vezes mais do que o gás natural. Cortar uma árvore e enviá-la a centenas de quilômetros para ser queimada e depois plantar um pequeno arbusto para substituí-la não é neutralidade em matéria de carbono, afirmou em uma entrevista Scott Quaranda, da Dogwood Alliance, também dos Estados Unidos.
As políticas de energia do governo norte-americano incentivam planos de construção de 102 centrais energéticas de biomassa ou biocombustíveis no sudeste do país, afirmou Quaranda. Apenas uma delas pode exigir milhões de toneladas de biomassa, principalmente pedaços de pinus taeda (Pinus taeda), que crescem rapidamente e já cobrem os estados do sul. Estas são plantações das últimas duas décadas para abastecer a indústria de celulose. Quase todas foram cultivadas à custa de florestas naturais, o que tem numerosos impactos: contaminação da água com herbicidas e fertilizantes, sedimentos e restos do desmatamento que causam obstrução dos cursos d’água, degradação dos solos e perda de hábitat para as espécies da região.
Um em cada cinco hectares dessa enorme área agora é um deserto verde, segundo Quaranda. “Caminhamos para destruir todos os ecossistemas de florestas e pradarias que restam para transformá-los em bioenergia”, afirmou Smolker, citando o estudo Implications of Limiting CO² Concentrations on Land Use and Energy (Consequências da limitação das concentrações de dióxido de carbono sobre o uso da terra e a energia), publicado em 29 de maio na revista Science. A pesquisa afirma que a taxação para desestimular o uso de combustíveis fósseis e a consideração da energia de biomassa como neutra em carbono podem converter, até 2065, as pastagens e as florestas que restam no planeta em insumos para bioenergia.
* O autor é correspondente da IPS.
Crédito da imagem: Gentileza Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais
Legenda: Plantação de eucaliptos no Uruguai.
LINKS
A energia renovável nem sempre é sustentável
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=1226
Agrocombustíveis, sim ou não?
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=2934
Coalizão Mundial pelas Florestas, em espanhol
http://www.globalforestcoalition.org/paginas/view/40/es
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, em espanhol, inglês e francês
http://www.fao.org/index_es.htm
Adage, em inglês
http://www.adagebiopower.com/
IBIC Ghana Limited, em inglês
http://www.ibicghana.com/
Global Justice Ecology Project, em inglês
http://www.globaljusticeecology.org/
Massachusetts Environmental Energy Alliance, em inglês
http://massenvironmentalenergy.org/
Dogwood Alliance, em inglês
http://www.dogwoodalliance.org/
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FONTE :Stephen Leahy - Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.(Envolverde/Terramérica)
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