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sábado, 26 de setembro de 2015

Os municípios podem cuidar sozinhos dos rios e nascentes?

Devastar e ocupar de forma inadequada as APPs urbanas é um risco enorme para os serviços ambientais preciosos e à qualidade de vida das pessoas. Foto: Reprodução. Shutterstock
Devastar e ocupar de forma inadequada as APPs urbanas é um risco enorme para os serviços ambientais preciosos e à qualidade de vida das pessoas. Foto: Reprodução. Shutterstock
Por Malu Ribeiro*
Apesar da crise hídrica e das evidências sobre a importância da proteção da vegetação na manutenção das fontes de água que abastecem as nossas cidades, tramita na Câmara dos Deputados mais uma proposta que ameaça nossas florestas nativas e áreas verdes urbanas. O alvo do projeto de lei (PL) 6830/2013, do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), são as Áreas de Preservação Permanente (APPs) localizadas no perímetro urbano das regiões metropolitanas.
O PL estabelece que, em áreas urbanas, as margens de qualquer curso d’água natural terão sua largura determinada pelos planos diretores e leis de uso do solo, ouvidos os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente.
Na prática, o projeto é mais uma tentativa de alteração do Código Florestal (Lei 12.651, de 25 maio de 2012), modificando o artigo 4º, que estabelece limite de no mínimo 30 metros para proteção de margens de cursos d’água, riachos e rios, inclusive dentro das cidades. A questão é que desde a vigência do novo Código Florestal, insistem na desobrigação de proteger e recuperar as APPs, especialmente em áreas urbanas.
O Código Florestal define Área de Proteção Permanente como área protegida, com a função de preservar os recursos hídricos, paisagem, biodiversidade, solo e garantir segurança e o bem-estar das populações humanas. As APPs funcionam ainda como um grande filtro mantenedor das águas nas cidades.
A proposta de passar a competência aos municípios para alterar diretamente as limitações das áreas de preservação permanente localizadas nas regiões metropolitanas e urbanas já era uma demanda de alguns parlamentares no Congresso Nacional durante as discussões sobre a nova lei florestal, mas foi vetada pela presidente Dilma Rousseff em 2012, quando foi encaminhada à sanção, o que representou um ganho ao meio ambiente urbano e respeito à Constituição Federal.
Importante também lembrar que, de acordo com a Constituição Federal, as águas e as florestas são patrimônios e compete à União e aos Estados zelar por esses bens, por isso, não cabe aos municípios, exclusivamente, legislar sobre elas. São os estados que devem regular o uso das águas por meio da concessão de outorgas mediante convênio com a União, o que se justifica porque há rios que dividem estados e que separam diferentes cidades. As águas, os rios e as florestas não seguem limites territoriais político-administrativos e, dessa forma, a legislação brasileira adota a bacia hidrográfica e os biomas como unidades de planejamento. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, dependem do abastecimento de rios que têm suas nascentes em Minas Gerais.
É importante que os municípios tenham condições de planejar de forma estratégica o uso e a ocupação do solo, que possam revitalizar e melhorar suas áreas verdes urbanas, suas zonas de recarga de aquíferos, de controle de enchentes e restrições para áreas de risco. Para isto, não é preciso alterar nossa legislação, pois essa prerrogativa é dos municípios que devem elaborar seus planos diretores municipais e instrumentos especifico como o Plano Municipal da Mata Atlântica. Basta seguir a norma federal já definida, que é o Código Florestal Brasileiro e, a partir dela, ser mais restritivo adequando essas áreas aos usos locais.
A história já demonstrou com tragédias e necessidades das populações urbanas que não podemos repetir os mesmos erros do passado, permitindo ocupações das margens dos rios que inundam e de encostas que deslizam ceivando vidas. E, mesmo em áreas que foram ocupadas antes do Código Florestal de 1965, como as marginais dos rios Tietê e Pinheiros, embora consolidadas demandam enormes investimentos para controle de enchentes, despoluição e saneamento, para remediar modelos urbanos inadequados. Em muitos casos, a desnaturalização dessas áreas por meio da remoção de usos irregulares trás ganhos enormes, como ocorre com a desocupação da Serra do Mar no Estado de São Paulo e com a criação do Parque Várzeas do Tietê, para controle de enchentes, do clima e dos recursos hídricos.
Aos invés de reduzir as áreas de proteção das margens dos córregos e rios que cortam nossas cidades, precisamos de fato protegê-las. E uma boa solução para a conservação dessas áreas é a criação de parques lineares, intervenções urbanísticas associadas aos cursos d’água para proteger e recuperar o ambiente urbano, ligando áreas verdes e proporcionando lazer, conforto, beleza e convívio social à população.
Devastar e ocupar de forma inadequada as APPs urbanas é um risco enorme para os serviços ambientais preciosos e à qualidade de vida das pessoas. As Áreas de Preservação Permanente urbanas devem ser protegidas e a sociedade precisa se mobilizar para não permitir mais esse retrocesso. A natureza não pode ficar à mercê das questões políticas e econômicas. Afinal, hoje morremos de sede em frente a enormes reservatórios hídricos e mananciais que estão desmatados ou poluídos.
Malu Ribeiro é coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. As ações da Fundação dependem da ajuda de pessoas e empresas para continuar. Saiba como você pode apoiar em www.sosma.org.br/apoie.
** Publicado originalmente no Blog do Planeta e retirado do site SOS Mata Atlântica.

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