Em um ano de viagem, o navegador e conservacionista João Lara Mesquita já conseguiu visitar 52 das 59 unidades de conservação (UCs) federais marinhas brasileiras. O retrato que ele apresentou ontem (22) no 8º Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, em Curitiba (PR), “é o pior possível”, conforme informou à Agência Brasil.
Iniciada pela Estação Ecológica (Esac) do Taim (RS), a viagem será encerrada nos próximos meses no Parque Nacional (Parna) do Cabo Orange, na divisa do Amapá com a Guiana Francesa. O material coletado servirá de base para um livro que revelará o diagnóstico das UCs federais.
Segundo Mesquita, são raras as UCs da costa nacional com barco para fiscalizar as áreas. “Como você pode fiscalizar e conhecer sua área se não tem sequer um barco?” “Quando você encontra uma unidade federal da costa com barco é uma grande exceção.”
Conforme o navegador, no caso do Parque Nacional (Parna) Marinho dos Abrolhos (BA), que é o mais importante conjunto de corais do Atlântico Sul, existe um barco, mas a verba para gasolina permite fazer somente três viagens mensais, para fiscalizar não só a pesca ilegal dentro da unidade, mas a sobrepesca fora da área. Localizada a 30 milhas da costa sul baiana, Abrolhos é ameaçada pela presença de cerca de 2 mil barcos de pesca.
“Estou chocado com o que vi”. Para Mesquita, por essa razão as UCs não podem cumprir o papel de proteger a biodiversidade. O navegador sugeriu que as UCs com atrativos e os parques nacionais passem para a iniciativa privada, ficando com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) a supervisão ambiental.
De acordo com Mesquita, o ideal seria o governo estabelecer parcerias público-privadas (PPPs), tal como faz na área de rodovias, “para a coisa andar para a frente. Não vejo condições de o ICMBio continuar tocando as UCs, porque não tem dinheiro e a atual crise tornou isso mais complicado.”
Ele também propôs que se estimule a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), que são unidades de conservação geridas pela iniciativa privada. Uma dessas unidades é a RPPN Salto Morato (PR).
Conscientização
Para João Lara Mesquita, é preciso maior conscientização e engajamento da população na causa ambiental. Acrescentou que os gestores precisam ter metas e ser cobrados por elas, além de ter um período máximo de permanência na função. “O rodízio é positivo. Um elemento novo na unidade pode trabalhar áreas que ainda não foram pesquisadas, além de somar esforços ao olhar do gestor anterior.”
Entre as unidades federais marinhas que fazem um bom trabalho, Mesquita citou a Esac do Taim e a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Ilha Queimada Grande (SP), habitat da cobra venenosa jararaca, onde é proibido desembarcar. No estado do Rio de Janeiro, destacou o Monumento Natural (Mona) Ilhas Cagarras, criado em 2004, que conseguiu efetuar avanços graças a parcerias com organizações não governamentais (ONGs), e a Área de Proteção (Apa) de Guapimirim, “último pedaço de mangue que margeia a Baía de Guanabara”, onde os gestores conseguiram replantar manguezais e estão tendo bons resultados.
Ainda em território fluminense, lembrou o Parque Nacional (Parna) da Restinga de Jurubatiba, aberto à visitação pública em dezembro do ano passado, após 20 anos de criação. Mesquita disse que o gestor conseguiu superar problemas de fiscalização por meio de acordo com as polícias municipais, que fazem a fiscalização da área em rodízio. “Foi uma ideia criativa. Sem gastar, ele conseguiu que a UC seja constantemente vigiada. E o trabalho para receber turistas é um primor de bem feito.”
No litoral do Ceará, os exemplos positivos de proteção à biodiversidade são, segundo Mesquita, a Reserva Extrativista (Resex) do Batoque e a Resex Prainha de Canto Verde, que “tiveram o mérito de conter a especulação imobiliária que destruía a beleza cênica das praias”. No Pará, selecionou duas reservas extrativistas que também estão cumprindo o seu papel: a Resex Chocoaré-Mato Grosso e a Resex Gurupi-Piriá, compostas de lâmina d’água e manguezal. “As duas Resex não têm barco e, apesar de apenas um gestor cada, conseguem fazer bem o trabalho”.
Entre as UCs marinhas deficitárias, citou a Área de Preservação Ambiental (Apa) do Cairuçu, localizada em Paraty, na Costa Verde do Rio de Janeiro, que tem 63 ilhas sob sua jurisprudência e o gestor “não tem um barco sequer”.
Limitações
O diretor de Criação e Manejo do ICMBio, Sergio Brant, informou que não se pode esperar condições ideais para criar as unidades. Para o ICMBio, a prática demonstra que a existência de uma unidade já garante uma melhoria na qualidade da proteção dos recursos da biodiversidade. Segundo Brant, isso tem um fator positivo para toda a região, porque, ao ter uma área protegida, ocorre melhoria da pesca no entorno, o que acaba favorecendo a atividade econômica pesqueira, em especial a artesanal, que é mais próxima do litoral.
Sergio Brant afirmou que o ICMBio está trabalhando, apesar das dificuldades e limitações. Destacou que, mesmo em unidades onde existe apenas uma pessoa, a situação é muito mais positiva do que onde não tem ninguém ou onde não existe área protegida nenhuma.
“Efetivamente, estamos ganhando. É o ideal? De jeito nenhum. Não estamos contente nem onde funciona melhor, como Fernando de Noronha, que tem uma estrutura melhor. Mesmo assim, vamos melhorar em todos os sentidos, não só na proteção da biodiversidade, mas também oferecendo oportunidade para uso público.”
De acordo com o diretor, a estratégia é melhorar a infraestrutura ao longo do tempo, principalmente nas áreas mais pressionadas ou que tiveram uma situação mais emergencial, de modo a conseguir superar as dificuldades.
Por Alana Gandra , da Agência Brasil, in EcoDebate, 23/09/2015
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