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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A maior parte dos recursos naturais no mundo é consumida por menos de 10% da população

“A maior parte dos recursos naturais no mundo é consumida por menos de 10% da população mundial”. Entrevista com Silvia Ribeiro IHU Silvia Ribeiro é diretora para América Latina do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (Grupo ETC), organização com status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas. Nascida no Uruguai, vive há mais de duas décadas no México, onde realiza um trabalho reconhecido internacionalmente como ativista social e ambiental. A entrevista é de Santiago Liaudat, com a colaboração de Candela Reinares, publicada na revista argentina CTyP e reproduzida por Rebelión, 25-11-2020. A tradução é do Cepat. Eis a entrevista. O sistema alimentar agroindustrial, não o sistema alimentar em geral, mas o agroindustrial, tem um papel central na geração de pandemias – Silvia Ribeiro Você disse que existe uma relação entre o sistema agroalimentar industrial e o surgimento e expansão de doenças, entre elas, a pandemia de coronavírus. Poderia nos explicar como é esta relação? O sistema alimentar agroindustrial, não o sistema alimentar em geral, mas o agroindustrial, tem um papel central na geração de pandemias, sob vários pontos de vista. Se tomamos os dados oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS), 72% das causas de morte da população mundial são doenças não transmissíveis. E, desse conjunto, mais ou menos a metade delas estão diretamente relacionadas ao sistema alimentar agroindustrial. Por exemplo, as doenças cardiovasculares, que são a causa número um de morte em quase todos os países, estão muito relacionadas ao excesso de colesterol, e, portanto, à forma de alimentação. Mas, além disso, entre as seguintes principais causas de morte encontraremos a diabetes, as doenças renais, vários tipos de câncer associados ao aparelho digestivo, como o câncer de cólon ou de estômago. Precisamos mencionar também a epidemia mundial de obesidade, que está na base de muitas das doenças mencionadas anteriormente. Já faz tempo que, segundo a Organização das Nações Unidas, há mais obesos que famintos. Tudo isso está relacionado ao sistema agroindustrial, à produção e consumo de alimentos ultraprocessados, com baixo nível nutritivo e à apropriação da cadeia agroindustrial por empresas que se preocupam mais em manter uma “longa vida” dos alimentos nas prateleiras, ou o atrativo estético dos produtos, antes que com a qualidade nutritiva em si. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura destaca que, na população rural, sobretudo entre os trabalhadores, o uso de agrotóxicos é uma das principais causas das doenças respiratórias – Silvia Ribeiro Por último, muitas doenças pulmonares estão relacionadas à atividade agroindustrial. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) destaca que, na população rural, sobretudo entre os trabalhadores, o uso de agrotóxicos é uma das principais causas das doenças respiratórias. Por tudo o que foi dito, e ainda que não se possa extrapolar linearmente, afirmamos que parte importante das doenças não transmissíveis estão relacionadas ao sistema alimentar agroindustrial. Por outro lado, temos as mortes por doenças infecciosas, as transmissíveis. Neste momento, como vivemos em uma pandemia, possivelmente seja gerada a falsa imagem de que estas doenças são a maior causa de morte. Mas representam 28%. Pois bem, desse número, segundo a OMS, na última década, 75% têm a ver com doenças zoonóticas. E dentro das zoonóticas, a maioria são doenças relacionadas com a agricultura e a pecuária industrial, como a gripe aviária ou a gripe suína. Inclusive doenças derivadas de animais silvestres, como a COVID–19, tem uma conexão com o sistema alimentar agroindustrial. Por um lado, em razão dos vírus destes animais entrarem em contato com as “grandes fábricas de pandemia”, que são as instalações de criação de porcos, frangos e bois em grande escala e em confinamento extremo. Grandes quantidades de animais, com sistemas imunológicos muito fragilizados, em que estão sendo geradas, a todo momento, novas cepas de vírus, até que alguma se torne contagiosa para os seres humanos. E tem, além disso, um grande potencial de disseminação internacional, porque são parte de cadeias globais de produção e comercialização. Segundo a FAO, na América Latina, de 70% a 80% do desmatamento está relacionado à expansão da fronteira agropecuária, tanto para pastagens como para plantações – Silvia Ribeiro Por outro lado, os micro-organismos potencialmente infecciosos para os seres humanos, que vivem nos animais silvestres, estão em equilíbrio nessas populações. Mas a destruição de ecossistemas rompe esses equilíbrios naturais. E qual é o principal fator de devastação dos ecossistemas? O desmatamento relacionado à expansão da fronteira agrícola. Segundo a FAO, na América Latina, de 70% a 80% do desmatamento está relacionado à expansão da fronteira agropecuária, tanto para pastagens como para plantações. E, destas últimas, quase 60% são destinadas a rações para animais em criadouros industriais. Por tudo isto, as epidemias estão diretamente relacionadas a algum dos fatores dos sistemas alimentar–agroindustriais. O que está documentado, entre outros, por Rob Wallace em seu livro “Grandes granjas, grandes gripes”. Conectar todos estes pontos é o que faz com que, apesar da COVID-19 vir de um morcego, o fator principal continua sendo o sistema alimentar agroindustrial. Como analisa a fusão corporativa de empresas agroalimentares com companhias farmacêuticas, químicas e biotecnológicas? Qual é a relação entre o sistema agroalimentar industrial e o controle sobre estas áreas científicas e tecnológicas? A indústria química, a farmacêutica e a agropecuária industrial estão historicamente entrelaçadas, através dos agroquímicos e produtos farmacológicos. Nas últimas décadas, soma-se a estas indústrias tradicionais a biotecnologia, com as sementes transgênicas e outros produtos. Muitos dos novos empreendimentos biotecnológicos estavam vinculados ao setor farmacêutico e ao agronegócio ao mesmo tempo, ou derivam diretamente do farmacêutico. Ao passo que outras pequenas empresas biotecnológicas, as conhecidas como “empresas startups”, acabam sendo absorvidas pelas grandes multinacionais. Ou seja, estes quatro setores, químico, farmacêutico, agroindustrial e biotecnológico são da mesma matriz. Neste momento, quatro empresas transnacionais têm cerca de 60% do mercado global de sementes e agrotóxicos – Silvia Ribeiro Ultimamente, com a compra da Monsanto pela Bayer, ficou muito claro esta relação entre setores, porque todo mundo sabe quem é a Bayer e quem é a Monsanto. Mas sempre estiveram entrelaçadas, só que se juntam ou se separam conforme convém ao mercado no momento. Por exemplo, há vinte ou trinta anos, ocorreu uma separação entre as farmacêuticas e as empresas de sementes transgênicas, porque estas foram muito questionadas e combatidas, em nível mundial. Então, as farmacêuticas quiseram cuidar dessa má reputação, razão pela qual a separação foi de tipo comercial. Nos últimos tempos, ao contrário, voltaram a se juntar no marco de uma rodada de fusões das empresas de agronegócios. Vou dar um exemplo que apresentamos em um relatório do Grupo ETC. Neste momento, quatro empresas transnacionais têm cerca de 60% do mercado global de sementes e agrotóxicos. A primeira é a Bayer, uma farmacêutica que acaba de comprar a Monsanto. A segunda é a Corteva, que provém da Dupont e da Dow, companhias que também possuem o seu ramo farmacêutico. Depois vem a Basf, que também está no setor veterinário e farmacêutico, além no de sementes e agroquímicos. Por fim, a Syngenta, origem direta na indústria farmacêutica, já que é uma divisão agrícola que se forma com a fusão da Novartis e AstraZeneca. Se voltarmos quarenta anos, existiam sete mil empresas de semente no mundo, e nenhuma chegava a 1% do mercado – Silvia Ribeiro Este exemplo do setor das sementes é muito interessante para dar um panorama dos efeitos da concentração global. Se voltarmos quarenta anos, existiam sete mil empresas de semente no mundo, e nenhuma chegava a 1% do mercado. Então, as empresas fabricantes de produtos químicos, que por sua vez eram farmacêuticas, começam a comprar as empresas de semente. Vão desaparecendo as empresas nacionais, que tinham majoritariamente uma origem familiar. Por que compraram todas as empresas de sementes? Para criar uma dependência a seus produtos químicos. A expressão máxima disso são as sementes transgênicas, que requerem um produto agroquímico em especial que é comercializado pela mesma empresa que vende a semente. Assim fecham o círculo. Qual é o papel dos direitos de propriedade intelectual na dinâmica destas companhias globais? A quem beneficia a expansão da propriedade intelectual e que função tem no capitalismo globalizado? A propriedade intelectual é fundamental no domínio de mercado e no processo de fusões corporativas. As grandes empresas farmacêuticas e biotecnológicas, que eram praticamente da mesma matriz, são as que lutaram para impor sistemas de propriedade intelectual sobre os seres vivos. Pressionaram sobre o que era o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), que depois, a partir de 1995, se tornou a Organização Mundial do Comércio. Lá pelos anos 1980 e inícios dos anos 1990, influenciaram nas rodadas do GATT para impor um sistema de propriedade intelectual que validasse que suas sementes fossem patenteadas. Em termos históricos, este processo de privatização é muito recente. A agricultura tem milhões de anos. E somente há poucas décadas as sementes começaram a ser registradas com patentes. Antes disso, até inícios dos anos 1980, eram de livre circulação. O número de sementes com registros ou patenteadas era muito baixo, na ordem de 5%. Tanto as fusões corporativas, como a restrição ao acesso a sementes e tecnologia, por meio da propriedade intelectual, servem às empresas transnacionais para exercer um controle de mercado – Silvia Ribeiro Neste processo, há dois marcos fundamentais ocorridos nos Estados Unidos, no ano 1980. Em primeiro lugar, a sentença da Suprema Corte dos Estados Unidos, no julgamento Diamond vs. Chakrabarty. Ali, permite-se o patenteamento sobre um micróbio transgênico que se afirmava que era capaz de comer petróleo. Esta famosa sentença abre o antecedente jurídico para as mudanças legislativas que viriam depois, permitindo patentes sobre seres vivos. Em segundo lugar, a sanção da Lei Bayh–Dole, que permite o patenteamento dos processos e produtos obtidos em universidades e centros de pesquisa públicos. Até então, compreendia-se que se esses estudos eram financiados com fundos públicos, deveriam ser bens públicos. É uma mudança de concepção muito perversa. As pesquisas públicas passam a ter fins lucrativos e deixam de ser abertas. O que afeta, é claro, a própria produção de conhecimento, que antes funcionava melhor que agora. Finalmente, quando se instaura a propriedade intelectual sobre as sementes, ficam estabelecidos dois mecanismos. Por um lado, as patentes sobre seres vivos, respaldadas pelo Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (ADPIC), da Organização Mundial do Comércio. Por outro, os certificados de obtentor da União para a Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV). Trata-se de um organismo que já existia antes, mas, em 1991, é sancionada uma nova normativa conhecida como UPOV91, que é muito mais restritiva que as anteriores. Estes dois mecanismos de propriedade intelectual tiveram um impacto muito nocivo em termos de privatização, tanto dos conhecimentos, como das sementes. Em definitivo, tanto as fusões corporativas, como a restrição ao acesso a sementes e tecnologia, por meio da propriedade intelectual, servem às empresas transnacionais para exercer um controle de mercado. É uma aberração avaliar os cientistas pela quantidade de patentes! Devemos pensar sistemas de reconhecimento que não impliquem patenteamentos – Silvia Ribeiro Isto se relaciona à crescente pressão sobre cientistas, tecnólogos e instituições públicas para patentear conhecimentos? Efetivamente. Tudo o que foi dito se traduz em uma pressão sobre pesquisadores do âmbito público, que começaram a ver que a qualidade de sua atividade se media pela quantidade de patentes. É uma aberração avaliar os cientistas pela quantidade de patentes! Devemos pensar sistemas de reconhecimento que não impliquem patenteamentos. O sistema de patentes é funcional aos países do norte global e às empresas transnacionais. Os dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês) destacam que mais de 90% das patentes registradas no mundo são de países do norte global e mais de 75% são de empresas transnacionais. Está claro que é um sistema que favorece estes atores. Além disso, as patentes não se vinculam mais diretamente à inovação. Registrar uma patente é parte das estratégias das grandes empresas para obstruir que outra companhia pesquise o mesmo ou impedir que entre em um mercado. De fato, a maioria das patentes nunca são aplicadas. Por tudo isto, no Grupo ETC, pensamos que todo o sistema de propriedade intelectual não é um sistema de proteção, mas de privatização. Portanto, somos contra todo tipo de propriedade intelectual. Por isso, os materiais que geramos são de livre acesso. Acreditamos que é preciso buscar formas não privatizadas de reconhecimento das pesquisas e desenvolvimentos. A publicidade destas grandes corporações as apresenta como a base da alimentação mundial. Este discurso tem permeado fortemente gestores públicos, meios de comunicação, profissionais e técnicos agrícolas, universidades e produtores rurais. O que há de correto nessa afirmação? Esse é um dos muitos mitos com os quais se sustenta o sistema alimentar agroindustrial. Dizem: “bom, pode ter alguns defeitos, tem agrotóxicos, é venenoso, está ultraprocessado, mas não podemos sobreviver sem isso, porque produz a maior parte dos alimentos”. Isso é uma mentira! Desenvolvemos um material de referência em que realizamos uma comparação entre a cadeia agroindustrial e as redes de produção camponesa. E o que acontece é que as cadeias alimentares agroindustriais produzem efetivamente uma grande quantidade de grãos. Mas, se analisamos país por país, em quase todo o mundo, as hortaliças são produzidas na média e, sobretudo, na pequena agricultura. O mesmo acontece com a produção de leite. A agricultura industrial tem um enorme grau de desperdício. Segundo dados da FAO, da semente aos lares, ocorre até 50% de desperdício – Silvia Ribeiro A grande produção agrícola produz principalmente uma grande quantidade de cereais para a ração, a maioria destinado à criação industrial de animais. Além de outros cultivos de exportação, que não são a base da alimentação, como o café e o açúcar. A agricultura industrial, além disso, tem um enorme grau de desperdício. Segundo dados da FAO, da semente aos lares, ocorre até 50% de desperdício. Por último, a alimentação baseada nesta forma de produção gera nas pessoas doenças como obesidade, colesterol, hipertensão, doenças cardiovasculares. Ou seja, na realidade, não é alimentação, mas excesso que não consideramos que deva ser chamado de alimentação, porque não nutre e adoece. Então, caso se faça o cálculo do impacto que tem tudo isto, constatamos que a cadeia alimentar agroindustrial somente alimenta, no sentido de nutrição saudável, o equivalente a 30% da população mundial. E para isso usam mais de 75% da terra agrícola, mais de 80% da água agrícola e mais de 90% de todos os combustíveis que são utilizados na agricultura. Usam a grande maioria dos recursos agrícolas, mas produzem um enorme desperdício e o que não é desperdício é excesso, devido ao vício produzido pelos alimentos processados industrialmente e a doença. Do outro lado, estão as redes campesinas que, com muito menos recursos, alimentam 70% restante da população. Com estes dados cai outro mito que ressalta que a produção agroindustrial é eficiente e a pequena produção, não. É totalmente o contrário. O problema é o que e como se mede. Quando se fala de qual é o problema da população, devemos partir da consideração de que a maior parte dos recursos naturais no mundo é consumido por menos de 10% da população mundial – Silvia Ribeiro Também há um mito de tipo malthusiano que diz: “a população cresce a tal ou qual velocidade, portanto, a expansão da produção de alimentos deve acompanhar essa taxa de crescimento para que não haja fome”. Com esse discurso, legitimam o desmatamento, a monocultura… É um discurso gravemente preconceituoso. Quando se fala de qual é o problema da população, devemos partir da consideração de que a maior parte dos recursos naturais no mundo é consumido por menos de 10% da população mundial. Então, falar em termos de população, em abstrato, é uma falácia. Em relação à alimentação, neste momento, são produzidos mais do que o dobro dos cereais que são necessários para alimentar toda a população… em 2050! A razão pela qual não é suficiente é porque a maior parte é destinada para alimentar porcos, frangos e bois em confinamento. O desperdício é enorme. Na produção de um porco industrial, por exemplo, calcula-se que chega como alimento às pessoas apenas de 5% a 10% da energia investida. Em termos de uso de energia, a produção industrial de carne é muito ineficiente. Esclareço que não me oponho ao consumo de carne. Mas é preciso ver o modo como é produzida. Porque é evidente que a alimentação com base em plantas é muito mais eficiente do ponto de vista energético, sobretudo quando se produz localmente. Para entender isto, é importante levar em conta o chamado “efeito diluição”. Porque às vezes se acredita que mais quantidade sempre é melhor. Por exemplo, pode ocorrer que a agricultura agroindustrial obtenha o dobro de toneladas por hectare frente a outras formas de produção orgânicas, camponesas, locais. Mas quando analisamos o valor nutricional dos alimentos, quando avaliamos o tempo de viagem, o gasto energético, ocorre que estas últimas são muito mais nutritivas e mais eficientes que os agronegócios. Nas monoculturas são produzidas mais plantas de um só cultivo por unidade de superfície, mas os nutrientes do solo se diluem, por isso se chama “efeito diluição”. Por isso, é muito importante o que dizia antes, ver como e o que se mede. Caso mudemos a visão e olhemos para a integralidade, vemos que a produtividade das pequenas propriedades é muito maior que a dos agronegócios – Silvia Ribeiro Por exemplo, nos sítios do México, a pequena agricultura não cultiva uma só coisa, mas existe diversidade. Então, quando se faz a comparação entre a grande e a pequena produção, se mede só o milho, para mostrar a diferença em quantidade de produto obtido. Mas, na realidade, na produção camponesa temos sistemas integrados de milho com feijão, com abóbora, com pequenas hortaliças. Caso mudemos a visão e olhemos para a integralidade, vemos que a produtividade das pequenas propriedades é muito maior que a dos agronegócios. Não se deve olhar só para o volume de um determinado cultivo, mas a produtividade total do terreno. Há um trabalho de Peter Rosset, entre outros, que fornece evidências substantivas nesse sentido. Sem dúvidas, a agroecologia é uma alternativa ambientalmente sustentável ao modelo de agronegócios com base química-industrial. Mas… pode ser também uma opção em termos econômicos para países como a Argentina, altamente dependentes do ingresso de dinheiro por exportações de grãos? Sim, a resposta é definitivamente sim. Neste momento, na Argentina, após três décadas de agronegócio, há 40% de pobres. Então, de que desenvolvimento estamos falando? A quem enriqueceu essa entrada de dinheiro? Se só olhamos números agregados como a quantidade de dinheiro que entra no país ou os dólares per capita, não estamos dando conta do que realmente ocorre. Esse tipo de produção em grande escala, uniformizado, é realmente argentino? Se olhamos para dentro da produção agropecuária argentina, o quanto é nacional, veremos que a maior parte é controlada por empresas globais transnacionais, em cada um dos setores da cadeia. Ou seja, da semente à distribuição, o armazenamento, o processamento, a comercialização. O que é que a Argentina põe? A terra, o trabalho mal remunerado, os povos fumigados, as doenças, a erosão, a contaminação e… para quem fica o dinheiro da exportação? É claro que algo disso paga impostos. A Argentina é um dos países onde se paga impostos pela exportação agrícola, mas na maioria dos outros países de agricultura industrial mal são pagos ou diretamente não pagam impostos. É um mecanismo sumamente perverso. Uma roda que faz com que as transnacionais ganhem muito, mas que chegue pouquinho lá embaixo e que a maioria das pessoas sejam pobres. Tudo com um enorme custo em matéria de devastação ambiental, doenças e contaminação por agrotóxicos. É preciso apontar para um desenvolvimento endógeno que esteja baseado no bem-estar da população, tanto na alimentação como em saúde. Isso traria uma equação completamente diferente em favor da produção agroecológica – Silvia Ribeiro Como disse Walter Pengue, a Argentina sofreu, nas últimas décadas, uma reforma agrária ao avesso, com uma enorme redução de estabelecimentos agropecuários, despovoamento do campo, etc. Toda essa gente foi parar nos cordões de pobreza das grandes cidades. A Argentina poderia ampliar a agricultura orgânica ou agroecologia, inclusive de forma descentralizada e em pequenas parcelas, e pelas condições naturais do país, poderia ter uma produção alta e inclusive exportar. Por sua vocação agrícola, por suas características geoclimáticas e históricas, a Argentina poderia ter excedentes muito importantes para exportação. Além disso, o fato de que conjunturalmente os produtos agroecológicos estejam mais bem pagos no mercado internacional, torna-os uma opção ainda mais viável. Mas penso que o fundamental é repensar as prioridades. A primeira coisa deveria ser produzir para uma alimentação nacional sadia e suficiente, depois ver os excedentes que podem ter uma saída no mercado internacional. É preciso apontar para um desenvolvimento endógeno que esteja baseado no bem-estar da população, tanto na alimentação como em saúde. Isso traria uma equação completamente diferente em favor da produção agroecológica. O problema é que os grandes ganhadores nacionais e transnacionais do modelo agroindustrial não o permitem. Conhece experiências, especialmente na América Latina, em que a ciência e a tecnologia ofereçam um apoio valioso às redes campesinas e a produção popular de alimentos? O que seria possível fazer para que essa contribuição seja ainda mais substantiva e transversal em diferentes áreas científicas e tecnológicas? Há uma contribuição histórica vinculada aos setores de extensão das faculdades de agronomia e da pesquisa agrícola pública. Há muitas demonstrações de que pode haver uma relação muito frutífera. Por exemplo, instituições públicas de pesquisa que trabalham junto com os produtores para desenvolver sementes adaptadas a certos climas, situações e necessidades. Mas tudo isto vem sofrendo um desmantelamento e privatização na América Latina, há ao menos trinta anos. Embora em alguns lugares existem lutas para que existam e conseguem sobreviver. Nas cidades, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), produz-se de 15% a 20% dos alimentos – Silvia Ribeiro O que contávamos sobre as patentes é justamente uma das coisas que começa a esvaziar este tipo de relação. Porque essas sementes e variedades eram públicas, de livre circulação. Os sistemas de extensão rural também mudaram. Os agrônomos que trabalhavam junto com os camponeses ou produtores começaram a ser substituídos por vendedores das empresas. As empresas chegam diretamente até o produtor e dizem que convém usar o veneno que elas oferecem. E que, com esse produto, irá funcionar bem a semente que elas vendem. Vou contar um exemplo que me surpreendeu e que é desconhecido. Nas cidades, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), produz-se de 15% a 20% dos alimentos. É muitíssimo! Isto desmantela outro mito do sistema alimentar agroindustrial. Em geral, pensa-se que as hortas urbanas são algo marginal, para hippies ou ambientalistas. Na realidade, em todo o mundo, as hortas urbanas, justamente pela migração que houve do campo para a cidade, produto do sistema agroindustrial, têm um papel muito importante também na alimentação. Bom… qual é a cidade do mundo com a maior agricultura urbana? Rosário, em Santa Fé, Argentina. A razão é que houve um programa antigo mediante o qual o INTA promovia a criação de agricultura urbana. Há outros exemplos, claro. Por um lado, frente ao desmantelamento das instituições públicas, surgem muitas organizações não governamentais ou organizações independentes de pesquisa, como o Grupo ETC, que fazem um trabalho muito bom, muitas vezes, em colaboração com instituições públicas, mas sem as restrições que às vezes são impostas nesses âmbitos. Por outro lado, existe a Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia (SOCLA), que reúne muita gente trabalhando de diferentes universidades e instituições cientificas e onde há muitos exemplos de apoio entre tais tipos de pesquisadores críticos e associações de pequenos produtores e camponeses. Outro exemplo é a União de Cientistas Comprometidos com a Sociedade e a Natureza da América Latina (UCCSNAL), uma rede de pesquisadores que, inspirados em Andrés Carrasco, consideram que a ciência pode e deve contribuir com conhecimentos necessários para a maior parte da população. Um último exemplo é a contribuição dada por profissionais das Universidades Nacionais de Rosário e La Plata para apresentar em números os impactos da agricultura industrial nas províncias argentinas em que a produção de soja transgênica é mais intensa. Trata-se de uma contribuição extraordinariamente importante! São estudos e iniciativas, como os acampamentos sanitários, que colaboram para que as pessoas saibam que o que está acontecendo com elas não é um problema individual ou familiar, ou que tiveram má sorte porque tiveram câncer, mas é consequência de um modelo de produção. Isso seria impossível se de fazer sem a colaboração destes cientistas e pesquisadores críticos que estão trabalhando junto com as populações afetadas. E também devemos nomear as ciências sociais, que nos ajudam a entender as dinâmicas que estamos descrevendo. É fácil pensar que a ciência e a tecnologia estão somente a serviço das transnacionais e, na realidade, na maioria dos casos, não é assim ou não é o que se pretende – Silvia Ribeiro A Ciência e a Tecnologia estão na base das modernas técnicas de exploração e manipulação da natureza. Mas também nos permitem conhecer, prever e agir. São parte ao mesmo tempo do problema e da solução da crise ambiental? Como seria possível gerar uma maior responsabilidade social, ambiental e política no setor de Ciência e Tecnologia? Por tudo o que são as pressões empresariais, que também se manifestam através de políticas públicas sobre a pesquisa, é fundamental o pensamento crítico através de organizações como a UCCSNAL e a Rede PLACTS. Ou seja, que os próprios pesquisadores e as pessoas que trabalham na academia pensem criticamente qual é o papel da ciência e da tecnologia. Porque é fácil pensar que a ciência e a tecnologia estão somente a serviço das transnacionais e, na realidade, na maioria dos casos, não é assim ou não é o que se pretende. Mas é necessário um pensamento crítico de dentro das instituições para conceber um tipo de pesquisa e de resultados completamente diferentes, que tenham a ver com o bem-estar da maioria da sociedade. Algo tão simples como isso, nesses dias, nem sequer se leva em conta. A esse respeito, gostaria de mencionar algo que iniciamos a partir do Grupo ETC, mas com muitas outras organizações. Chama-se Rede de Avaliação Social das Tecnologias na América Latina (Rede TECLA). Ainda que seja modesto, porque praticamente não temos fundos e se baseia na colaboração das instituições e nas organizações em que estamos, é um enfoque que tem a ver com como podemos criar uma plataforma de análise que integre perspectivas, visões e necessidades que vão do acadêmico e o técnico, com cientistas e tecnólogos de diferentes disciplinas, à visão das organizações camponesas, ambientalistas, de mulheres, de indígenas, de trabalhadores. Não vemos tanto esta rede como uma organização, mas como uma plataforma, é um lugar onde buscamos promover essa confluência. Outro exemplo que gostaria de mencionar é algo muito interessante ocorrido no México. A partir de um estudo realizado pelo atual governo desse país, descobriu-se que o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CONACYT) contribuía com milhares de milhões de pesos… para empresas transnacionais de pesquisa! E não é só uma questão de dinheiro, mas, claro, estas coisas favorecem que as pesquisas críticas tenham menos recursos e mais dificuldades. Não precisamos chamar tudo pelo mesmo nome, não precisamos chamar tudo de “ciência”. Mas é muito importante a interlocução com outas formas de produção de conhecimento – Silvia Ribeiro Então, acredito que é muito importante a promoção de mudanças de dentro das instituições. Tudo isto tem muito a ver com o conceito da ciência digna que foi pensado por Andrés Carrasco. Felizmente, estão crescendo as associações de cientistas críticos em todas as disciplinas. Além disso, são interdisciplinares. Existe uma contribuição aí que é fundamental para analisar, entender, questionar as políticas dentro das academias, das instituições, etc. E, por último, o reconhecimento de outras formas de conhecimento. Não precisamos chamar tudo pelo mesmo nome, não precisamos chamar tudo de “ciência”. Mas é muito importante a interlocução com outas formas de produção de conhecimento. Há todo um conhecimento ambiental muito sofisticado, por exemplo, que provém do conhecimento tradicional, das comunidades locais. Temos um exemplo recente de articulação no México que é muito bom. Existe o que se chama de Assembleia Nacional de Afetados Ambientais (ANAA). Há uns quinze anos, começaram reunindo pessoas afetadas por fumigações, por lixões, por contaminação. A UCCSNAL fez um importante trabalho em conjunto com a ANAA, cujos temas e relatórios foram retomados para alimentar um dos Programas Nacionais Estratégicos do CONACYT sobre toxicidades. A contribuição das populações nestes temas é imprescindível. Quando em um lugar as pessoas têm o problema de uma instalação poluente, desenvolve uma experiência, adquire muitíssimo conhecimento, porque teve contato, buscou averiguar, reúne informação do que está acontecendo. Mas, muitas vezes, ainda faltam elementos do ponto de vista técnico e científico. Por isso, tal tipo de colaboração é fundamental, e além disso nutre muito as duas partes. Certamente, há outros exemplos na América Latina, no mesmo sentido. Nos países periféricos, muitos conflitos socioambientais são atravessados por uma dicotomia. Por um lado, a possibilidade de atrair investimentos, gerar dinheiro e criar emprego. Por outro, as consequências socioambientais que geram. O que há de certo nesse dilema e no que a ciência e a tecnologia podem contribuir para superá-lo? É sobretudo uma dicotomia assentada em mitos. Particularmente, neste momento em que estamos em uma pandemia que mexeu com todas as economias do mundo, e particularmente impactou as nossas economias do sul, do terceiro mundo. Como dizia no início, a pandemia está diretamente relacionada ao sistema alimentar agroindustrial. Razão pela qual pensar em ampliar os riscos a partir da mesma base que criou o que está acontecendo é demencial. Está errado o modo de pensar o tema do investimento estrangeiro. Quando já vem definido de fora, o que buscam é retirar mais do que trouxeram, aumentar os lucros das empresas transnacionais – Silvia Ribeiro Por exemplo, o recente anúncio de investimentos para megacriadouros de porcos na Argentina. É o tipo de produção que gerou a gripe suína. Quanta gente sabe que neste momento há uma nova cepa de gripe suína na China, que ainda não proliferou? Na realidade, há 179 novas cepas, mas há uma que é altamente contagiosa e que tem características para se desenvolver como pandêmica. Como a China quer abrandar seus riscos, a transfere para outro país e, ironicamente, o governo da Argentina vê isso como se fosse desenvolvimento. Na realidade, o que esse investimento trará é muito pouco trabalho, novas doenças e uma enorme quantidade de contaminação. E esse mesmo volume de investimento poderia estar dedicando à produção descentralizada, agropecuária e de transformação de pequenas agroindústrias, que dariam muitíssimo mais trabalho, mas sobre a base de garantir uma boa alimentação e, sobretudo, não produziriam novos problemas de saúde. Falei da Argentina porque é um caso recente, mas poderíamos mencionar as fábricas de celulose no Uruguai, ou qualquer um destes grandes projetos. Está errado o modo de pensar o tema do investimento estrangeiro. Quando já vem definido de fora, o que buscam é retirar mais do que trouxeram, aumentar os lucros das empresas transnacionais. E o que deixam? Algumas migalhas frente ao impacto social e ambiental. É preciso pensar em formas de desenvolver, em nível nacional, uma produção muito mais diversificada e integrada. A ciência e a tecnologia podem contribuir para analisar para onde realmente vai e a quem beneficia tais tipos de projetos de grandes investimentos estrangeiros, além dos efeitos sociais e ambientais que tem. E, é claro, pode contribuir para agregar valor na origem, sempre em conjunto com os conhecimentos que já existem distribuídos entre as pessoas, nas e nos produtores. Esse momento deveria ser aproveitado para, justamente, estimular um desenvolvimento baseado no bem-estar social e na integração com os ecossistemas e com a natureza, com a recuperação da biodiversidade – Silvia Ribeiro A urgência em resolver os déficits sociais privilegiando o crescimento econômico e relegando a questão ambiental foi e é um dilema para os governos progressistas de nossa região. Crescimento econômico é sinônimo de desenvolvimento? Que parâmetros deveriam ser considerados? Está claro que o crescimento econômico não é o mesmo que desenvolvimento. Pode até ser o contrário! Por exemplo, todo o crescimento econômico que vimos nas últimas duas décadas, na América Latina, inclusive em nível mundial…, levou a maior desigualdade social da história! Então, temos que começar a pensar em formas de desenvolvimento que tenham a ver com a integração de todos os fatores sociais e ambientais, que façam com que o núcleo desse “desenvolvimento” seja o bem-estar das pessoas, da maioria, de todos e todas, mas sobretudo das maiorias. Esse momento deveria ser aproveitado para, justamente, estimular um desenvolvimento baseado no bem-estar social e na integração com os ecossistemas e com a natureza, com a recuperação da biodiversidade, etc. A política pública deveria apontar nesse sentido. Mas, lamentavelmente, a maioria dos Estados aponta para uma recuperação pelas mãos do grande capital transnacional. O que o capitalismo verde está fazendo é ver como é possível fazer mais negócios sobre as próprias crises criadas pelo capitalismo – Silvia Ribeiro Existe um ecologismo despolitizado ligado, quando não exclusivamente, a condutas individuais ou ao chamado “capitalismo verde”. Considera que a pandemia produziu alguma mudança favorável na consciência social e política acerca das causas estruturais da problemática ambiental? Não sei se houve uma mudança favorável, mas, sem dúvidas, deveria haver. O sistema atual baseado nas transnacionais e o peso que têm sobre as políticas públicas, que conduz a uma falta de políticas para o bem-estar da maioria das pessoas, mostra que estamos em um caminho realmente perigoso. É espantoso ver Bill Gates, um dos oito homens mais ricos do mundo, dizendo que haverá novas pandemias, e que então é preciso preparar vacinas. É um enfoque sumamente estreito, porque não diz nada em relação às causas. Veem nas pandemias a possibilidade de criar um mercado cativo. Nesse sentido, o que o capitalismo verde está fazendo é ver como é possível fazer mais negócios sobre as próprias crises criadas pelo capitalismo. Isto é terrivelmente nocivo, porque em vez de atacar as causas, sempre está criando novos negócios sobre os desastres, sobre as catástrofes. É o que está acontecendo, neste momento, em muitos planos. Acredito que há uma mudança favorável na consciência acerca de que os sistemas de produção estão ligados à saúde. Existe uma crise de saúde há muito tempo, mas agora fica mais claro, e que não é possível ser separada da crise da biodiversidade. Nesse sentido, por exemplo, um relatório recente do PNUD e da ONU Ambiente afirma que as pandemias vão continuar se repetindo, caso não haja um cuidado com a biodiversidade. E também fala do sistema agropecuário industrial e do impacto que tem. Nesse ponto, sim, houve um avanço. Mas é preciso ter clareza de que é necessário insistir justamente para não cair nesta nova onda de “capitalismo verde” ou nesta espécie de “capitalismo de arrumações tecnológicas”, em que se acredita que a solução está nas vacinas. É a mesma ideia de fazer novos negócios com as catástrofes que as próprias empresas criam, sem questionar em nada o sistema que criou esses desastres. O capitalismo é um sistema no qual não podemos continuar, porque está acabando com a vida no planeta, a dos humanos e a dos outros seres vivos. É um sistema suicida! – Silvia Ribeiro Tem aparecido que a solução para a gravíssima crise ecológica em que estamos não pode ser encontrada dentro do capitalismo. Qual é sua opinião a esse respeito? A partir de quais coordenadas podemos pensar essa superação? Tem a ver com o que estava dizendo antes. Há vinte anos, ninguém falava do capitalismo, exceto as organizações de esquerda ou militantes. Deixou-se de falar do capitalismo, como se não fosse o que está no substrato de tudo. Isso mudou. Agora está claro que é necessário falar e questionar o capitalismo, é um avanço muito importante. É uma mudança de época, como a marcou, por exemplo, o feminismo. Não é de um dia para o outro, pode durar dez ou vinte anos até que comece a se generalizar um questionamento ao capitalismo. O capitalismo é um sistema no qual não podemos continuar, porque está acabando com a vida no planeta, a dos humanos e a dos outros seres vivos. É um sistema suicida! Talvez esse seja o gatilho que leve as sociedades a questionar a base do capitalismo. Mas, alguém poderia dizer: “Bem, então, sem questionar o capitalismo não podemos fazer nada?”. Não, porque como disse Eduardo Galeano, “finalmente, somos o que fazemos para mudar o que somos”. Não podemos ficar esperando, porque “um dia o mundo irá mudar”. Devemos ter claro que é necessário um questionamento radical do sistema, que começa pela reflexão e a ação cotidiana e que deve ser ampliado para todos os lugares onde possamos enfrentá-lo. Não podemos continuar pensando dentro dos mesmos parâmetros, sem questionar as empresas transnacionais, sem questionar a desigualdade e o crescimento cada vez mais monopólico de empresas cada vez maiores – Silvia Ribeiro Nesse sentido, as ciências sociais têm um papel fundamental. Não podemos continuar pensando dentro dos mesmos parâmetros, sem questionar as empresas transnacionais, sem questionar a desigualdade e o crescimento cada vez mais monopólico de empresas cada vez maiores. É preciso questionar radicalmente esta imoral desigualdade. Isso tem que ser uma tarefa de ampla difusão e discussão em todos os níveis, na vida acadêmica e fora da academia. Ao mesmo tempo, já temos que estar pensando em alternativas, dia a dia, a partir do local, de cada um. É claro que cada um tem que pensar qual é o seu lugar, através de, por exemplo, o consumo. Mas isso não é o suficiente, porque oferece uma falsa imagem. É como dizer “bom, se mudarmos o consumo, tudo mudará”. E não, porque temos que mudar as formas de produção. O que precisamos realmente como sociedades para satisfazer as nossas necessidades? O que estamos dispostos coletivamente a assumir para cobrir nossas necessidades? Sou bastante otimista. Temos pontos de partida. Por exemplo, as redes campesinas. Abarca não só o que se produz no campo, mas também as hortas urbanas, as redes de pescadores e de pastores, etc. Enfim, a pecuária descentralizada e em pequena escala. Estas coisas são as que alimentam 70% da humanidade e que ajudam a prevenir a mudança climática. É preciso reconhecer a realidade como é, com todas essas dificuldades. Mas, ao mesmo tempo, entender que muitas das soluções que necessitamos já existem e poderão se estabelecer e expandir – Silvia Ribeiro Tudo isso já está acontecendo e acontece em um plano de luta, já que muitas vezes precisam resistir para se manter como camponeses e defender seus direitos. E é a luta que incomoda, que tem efeitos, por isso, lamentavelmente, assassinam uma grande quantidade de defensores da terra, da água, do território. A organização Global Witness reúne informação o tempo todo e mostra que defender a natureza tem consequências graves. Apesar disso, sou otimista. É preciso reconhecer a realidade como é, com todas essas dificuldades. Mas, ao mesmo tempo, entender que muitas das soluções que necessitamos já existem e poderão se estabelecer e expandir. Ou seja, já existem respostas. Não é que um dia o capitalismo irá cair e aí iremos começar a construir algo. Mas que tudo isto está sendo feito a partir da construção das comunidades locais e da agroecologia camponesa, que é o tema que hoje mais falamos. Mas também, por exemplo, a partir do questionamento do patriarcado, que é fundamental como um dos pilares do capitalismo. Ou o questionamento acerca do tema do desenvolvimento. Tudo isso já está construindo esse futuro, já o estamos prefigurando, já o estamos fazendo. Então, eu penso que sim, é possível. (EcoDebate, 25/11/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação. [IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Boletim Fiocruz aponta alta no número de casos e óbitos por Covid-19

O novo Boletim Observatório Fiocruz Covid-19 mostra aumento no número de casos e de óbitos por Covid-19 em alguns estados e municípios, ao longo das semanas epidemiológicas 46 e 47. A taxa de incidência, que já se encontrava em níveis altos por todo o país, voltou a subir em vários estados e em suas capitais. Esse cenário refletiu na elevação da taxa de ocupação de leitos UTI para o tratamento da doença. No entanto, os pesquisadores do Observatório sugerem cautela quanto a afirmar que o Brasil vive uma “segunda onda” da pandemia, sendo que o cenário epidemiológico deve ser monitorado. O Boletim é realizado por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da instituição, voltada para o estudo da Covid-19 em suas diferentes áreas. Divulgado quinzenalmente pela Fiocruz, o estudo apresenta um panorama geral do cenário epidemiológico da pandemia com indicadores-chave, tais como de taxa de ocupação e número de leitos de UTI para Covid-19, além de dados de hospitalização e óbitos por SRAG, que incluem casos severos de Covid-19. Traz ainda uma matéria especial abordando aspectos estratégicos para o enfrentamento da doença. Nesta edição o tema é Os muitos desafios da Covid-19 ao sistema de saúde. Realizada logo após as semanas epidemiológicas 44 e 45, quando houve interrupção na inserção de registros no Sivep-Gripe e, consequentemente, defasagem dos registros nos sistemas de informação, a análise destaca que o número de casos deve ser tratado com bastante atenção, já que até momento o quadro de indicadores não reflete a realidade atual. Taxas de ocupação Em relação às taxas de ocupação de leitos de UTI para a Covid-19, a tendência é de piora do cenário geral, com Amazonas (86%) e Espírito Santo (85,1%) permanecendo na zona de alerta crítica, e Bahia (61,1%), Minas Gerais (64,5%), Rio de Janeiro (70%) e Santa Catarina (78,6%) retornando à zona crítica intermediária, após ter estado fora da zona de alerta. As capitais que estão com taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos superiores a 80% são Manaus (86%), Macapá (92,2%), Vitória (91,5%), Rio de Janeiro (87%), Curitiba (90%), Florianópolis (83%) e Porto Alegre (88,7%). Além dessas, também aparecem com taxas preocupantes, mas ainda abaixo da zona de alerta crítica, Fortaleza (78,7%), Belém (78,3%) e Campo Grande (76,1%). Quanto ao número de leitos de UTI para Covid-19, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), entre os dias 9 e 23 de novembro foi registrada uma pequena redução de leitos de UTI Covid-19 para adultos em Alagoas e uma redução mais expressiva no Amapá. Por outro lado, houve incremento de leitos no Mato Grosso e no Rio Grande do Sul. Casos/incidência Os dados nacionais apontam para um aumento no número de casos e de óbitos por Covid-19 nas semanas epidemiológicas 46 e 47, após um longo período de redução desses indicadores. As maiores taxas de incidência de Covid-19 foram observadas nos estados do Acre, Roraima, Amapá, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mantendo-se as tendências de semanas anteriores. As taxas de mortalidade por Covid-19 foram mais elevadas nos estados do Amapá, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás e no Distrito Federal. Nas últimas duas semanas foram observadas tendências de alta no número de casos no Amapá, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, enquanto o número de óbitos sofreu aumento expressivo em Roraima, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás. Devido ao agravamento de alguns quadros clínico, há uma defasagem de duas ou três semanas entre “picos” de casos e de óbitos Somada à elevação dos indicadores de casos e óbitos, o Estado do Rio de Janeiro apresentou uma piora expressiva da taxa de letalidade (6,4%), dada pela proporção de casos que resultaram em óbitos por Covid-19. Esse valor é considerado alto em relação a outros estados (cerca de 2%) e aos padrões mundiais, à medida que se aperfeiçoam as capacidades de diagnóstico e de tratamento oportuno da doença, o que revela graves falhas no sistema de atenção e vigilância em saúde. As taxas de incidência de SRAG observadas nos estados do Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e no Distrito Federal foram as mais altas no período, na faixa entre 7 a 10 casos por 100 mil habitantes. No Nordeste, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas apresentam crescimento de número de casos em um processo de reversão do observado em semanas anteriores. Há uma tendência de aumento também no Sudeste, em São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais. Esta tendência crescente também está presente em todos os estados do Sul e no Centro-Oeste, em Mato Grosso do Sul. Ao contrário, no Norte não se observa em geral aumento, mas uma estabilidade ou reversão para diminuição do número de casos, como em Roraima e Amapá. O boletim Infogripe mais recente também apontou aumento de taxa de incidência em todas as capitais do Sudeste e em várias capitais de outras regiões no prazo das últimas seis semanas: Natal, São Luís, Salvador, Maceió, Curitiba, Palmas, Campo Grande e na região central do Distrito Federal. Capitais como Florianópolis podem ter revertido a tendência de aumento das últimas semanas. Diante do atual cenário, os pesquisadores do Observatório Covid-19 ressaltam a importância de uma estratégia de enfrentamento da pandemia que articule a vigilância em saúde, com testes e identificação ativa de casos e contatos, isolamento dos casos, quarentena dos contatos. Tais medidas, destacam os pesquisadores, devem ser combinadas a outras, como distanciamento social e de redução da exposição da população a situações de risco de transmissão do Sars-CoV-2, causador da Covid-19. in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/11/2020

EcoDebate - Edição 3.562 de 27 / novembro/ 2020

Desejamos a todos(as) um bom dia e uma boa leitura Crises econômicas e ciclos de mudança de governos no Brasil Maradona, mais humano dos deuses Os rios urbanos e a infraestrutura verde RJ: Verbas de compensação ambiental podem favorecer Unidades de Conservação A maior parte dos recursos naturais no mundo é consumida por menos de 10% da população Boletim Fiocruz aponta alta no número de casos e óbitos por Covid-19 “Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A HIDRELÉTRICA DE BELOMONTE : 5 anos.

James, A hidrelétrica de Belo Monte completou 5 anos de operação na última terça feira (24). Mas não há nada para comemorar: a maior obra de infraestrutura da Amazônia e quarta maior hidrelétrica do mundo acumula um desastroso número de impactos socioambientais. Dentre as dívidas acumuladas, uma das principais é o reassentamento incompleto das famílias expulsas de suas casas no Xingu (PA). Mais de 300 famílias ribeirinhas foram expulsas das ilhas e margens do rio para dar lugar ao reservatório da usina. Mesmo após conquistarem o direito de retornar para o rio, no Território Ribeirinho, elas ainda aguardam o reassentamento, muitas vivendo em situações precárias nas periferias de Altamira. Leia mais aqui. De uma população que não havia sido reconhecida como impactada pela hidrelétrica, os ribeirinhos se tornaram protagonistas na luta pelos seus direitos. É um processo inédito na história da construção de hidrelétricas no Brasil: a garantia do direito de retorno dos ribeirinhos para a beira do rio. O filme “Volta Grande” narra essa trajetória de luta e resistência. Assista agora no Videocamp: https://www.videocamp.com/pt/movies/volta-grande Remetente : ISA

Volta Grande | Trailer

terça-feira, 24 de novembro de 2020

A COVID-19 não reduziu os níveis recordes de gases de efeito estufa

ONU Apesar de redução de até 17% no auge das medidas de confinamento social, ganhos não são duradouros; Agência da ONU diz que possível queda de 7,5% não será suficiente para baixar gases de efeito estufa na atmosfera. As emissões de dióxido de carbono na atmosfera continuam em níveis recordes, mesmo após uma suspensão temporária de atividades industriais por causa da pandemia de Covid-19. A informação foi confirmada pela Organização Meteorológica Mundial, OMM. Desaceleração trânsito Queda relacionada aos bloqueios é insignificante em longo prazo, Trinn Suwannapha/Banco Mundial O Boletim de Gases de Efeito Estufa revela que o nível de CO2 continuou em alta após ter atingido a média global histórica anual de 410 partes por milhão, ppm, no ano passado. Este ano, a desaceleração industrial devido à pandemia não reduziu os níveis recordes de gases de efeito estufa. O aquecimento provocado na atmosfera aumenta as temperaturas e leva a condições climáticas extremas, ao derretimento de geleiras, à subida do nível do mar e acidificação do oceano. Para a OMM, os bloqueios reduziram as emissões de muitos poluentes e gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono. Mas qualquer impacto nessas concentrações não supera as flutuações normais de ano a ano no ciclo do carbono e nem a alta variabilidade natural nos depósitos naturais de carbono como a vegetação. Oceano Lagoa glaciar na Islândia, que está derretendo Lagoa glaciar na Islândia, que está derretendo, ONU News/Laura Quiñones De acordo com o secretário-geral da agência, Petteri Taalas, o CO2 permanece na atmosfera por séculos e no oceano por mais tempo ainda. Ele explicou que a última vez em que a Terra por uma concentração similar de gás carbônico foi entre 3 a 5 milhões de anos atrás, quando a temperatura estava entre 2° a 3° C mais quente e o nível do mar 10 a 20 metros maior do que hoje. O especialista adverte, entretanto, que na época “não havia 7,7 bilhões de habitantes” no planeta. Taalas destaca que o mundo superou o limite global de 400 partes por milhão em 2015, e apenas quatro anos depois supera 410 ppm, um aumento inédito nos registros da OMM. Nivelamento O chefe da agência da ONU realçou que a queda nas emissões relacionada aos bloqueios é apenas uma pequena mancha no gráfico de longo prazo, sendo necessário um nivelamento sustentado da curva. Para ele, a pandemia não é uma solução para as mudanças climáticas, mas fornece “uma plataforma para uma ação climática mais sustentada e ambiciosa para reduzir as emissões a zero por meio de uma transformação completa dos sistemas industriais, de energia e de transporte. Taalas disse que não se deve perder tempo considerando as mudanças necessárias “economicamente acessíveis e tecnicamente possíveis e afetariam nossa vida cotidiana apenas marginalmente.” satélite Estimativas apontam para redução da emissão global entre 4,2% e 7,5% este ano, NASA De acordo com o Projeto Carbono Global, emissões diárias de CO2 podem ter sido reduzidas em até 17% globalmente devido ao confinamento da população no período mais intenso de paralisação. Impacto Estimativas preliminares apontam para uma redução da emissão global anual entre 4,2% e 7,5% este ano. A incerteza sobre a perspectiva da redução total das emissões em 2020 deve-se a falta de clareza sobre a duração e a severidade das medidas de confinamento. A OMM explica que de forma geral uma redução de emissões nesse valor não baixará o nível de CO2 atmosférico, mas continuará a subir, embora em um ritmo ligeiramente reduzido em torno de 0,08 a 0,23 ppm por ano. O Boletim destaca que esse cenário se encaixa na variabilidade natural de 1 ppm dentro do mesmo ano, significando que no curto prazo o impacto dos confinamentos não pode ser distinguido da variação natural. Da ONU News, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/11/2020

EcoDebate - Edição 3.559 de 24 / novembro/ 2020

Desejamos a todos(as) um bom dia e uma boa leitura Estratégia de Comunicação Sustentável: Marketing de Conteúdo como Forma de Comunicação Digital Aumento da violência contra a mulher em tempos de covid-19 Mudança nos rios atmosféricos pode acelerar o degelo da Antártida Geleiras da região do Everest diminuindo mesmo em grandes altitudes A COVID-19 não reduziu os níveis recordes de gases de efeito estufa “Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]

“O Amapá é esquecido, abandonado”

por Gustavo Basso, Deutsche Welle – No escuro, molhados e com torneiras secas, moradores relatam sofrimento após três semanas de apagão. Temporal causa inundação e novas quedas de energia. Problemas no abastecimento de luz e água são antigos no estado. De pé sobre uma cadeira para se proteger da água suja e malcheirosa que inunda o quintal da casa às escuras, Ruan Oliveira, de 28 anos, resume a situação vivida pelos amapaenses desde o início do apagão que atinge 90% da população: “Quando não falta luz, falta água, ou vem inundação; parece que 2020 veio ao Amapá para podermos colocar no currículo ‘eu sobrevivi a 2020′”, reclama o barbeiro nascido e crescido em Macapá. Um forte temporal atingiu a capital do Amapá neste domingo (22/11), 20º dia de crise energética em 13 dos 16 municípios do estado, causando inundação e novas quedas de energia em parte de Macapá. Regiões mais pobres e periféricas ficaram no escuro, enquanto moradores tentavam proteger móveis e eletrodomésticos da água. “É muito nervoso que a gente passa com essa situação; no escuro e ainda cheio de água, muito feio”, comenta o lavrador Sebastião Pereira, lamentando o banheiro alagado e temendo uma nova chuva que elevasse ainda mais o nível da água. “É muito nervoso que a gente passa com essa situação; no escuro e ainda cheio de água”, diz o lavrador Sebastião Pereira As enchentes deste domingo são mais um episódio de um drama iniciado em 3 de novembro, quando um transformador da subestação de Macapá, responsável por receber a energia vinda da hidrelétrica de Tucuruí antes da distribuição aos clientes, se incendiou. Um segundo foi danificado pelo fogo e levou quase quatro dias para ser reparado. Um terceiro estava inoperante desde dezembro do ano passado e, assim, sem sistema de backup, o Amapá ficou quase quatro dias completamente sem energia elétrica. Após o reparo do segundo transformador, a energia foi restabelecida, mas a população enfrenta racionamento. Bairros passam metade do dia com energia, e metade sem, em ciclos médios de 3 horas. No entanto, a programação não é mantida. “Estamos em meio a uma pandemia, com um monte de gente trabalhando de casa, e não é possível fazer qualquer planejamento porque os horários não são respeitados”, diz o bancário Alan Góes, que faz parte do grupo de risco para o novo coronavírus. Ele também reclama do fornecimento de água na capital Macapá. “Como manter a saúde da população, com uma doença que exige higiene, se nem água chega?”, questiona ao abrir uma torneira na cozinha da qual não sai água. Mergulhado na crise energética e sanitária, o Amapá registrou na última semana uma alta de 300% nos casos de covid-19. O segundo estado menos populoso do Brasil é o terceiro em número de casos da doença por milhão de habitantes, somando 56.548 casos entre os quase 862 mil habitantes. “Apagão dentro do apagão” No último sábado, após 19 dias de crise no Amapá, o presidente Jair Bolsonaro realizou uma visita relâmpago ao estado e ativou dois grupos de geradores termoelétricos que prometiam solucionar a atual crise em caráter emergencial, enquanto o novo transformador, que deve pôr fim ao racionamento, não chega vindo de Manaus. O governo não divulgou o custo dos geradores, que foram pagos com verba do governo federal à Eletronorte, estatal que vem socorrendo a LMTE (Linhas de Macapá Transmissora de Energia), privatizada em 2015. No domingo, em meio a apagão e falta de água, moradores de Macapá encararam inundações após forte chuva O senador pelo Amapá Randolfe Rodrigues (Rede-AP) acusou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de não fiscalizar a companhia de transmissão LMTE. Segundo Rodrigues, a LMTE estaria com o transformador reserva parado desde o fim do ano passado e teria se aproveitado da pandemia para emitir um ofício dizendo que não poderia se responsabilizar por possíveis falhas. A Gemini Energy, holding responsável pela LMTE, levou quase um ano para enviar o transformador inoperante para conserto em Santa Catarina. Com problemas desde dezembro de 2019, o contrato de reparo do equipamento foi assinado somente em setembro, mas o transporte começou apenas no domingo passado, já em meio ao apagão. Dois dias depois do envio, uma falha na geração da hidrelétrica de Coaracy Nunes, uma das quatro do Amapá, o estado sofreu um novo blecaute, o que moradores vêm chamando de “apagão dentro do apagão”. Após o temporal deste domingo, moradores de Macapá divulgaram vídeos de aparelhos de distribuição explodindo após curto-circuito. A Companhia de Energia do Amapá (CEA), responsável pela distribuição, não comentou o ocorrido até a manhã desta segunda-feira. “Ninguém aguenta mais se sentir como zumbi” As horas de interrupção de energia vêm afetando a saúde e o sono dos moradores. As temperaturas equatoriais e insetos acabam prejudicando sobretudo os pais. “Ao longo dessas últimas três semanas temos nos alternado, meu companheiro e eu, para abanar nosso filho de sete meses durante as noites; abrir a janela não dá por causa dos mosquitos, então só resta ficar abanando até sentir câimbra no braço”, conta Pretacleia Ribeiro, de 30 anos, moradora do conjunto habitacional São José, onde moram cerca de 5 mil pessoas. Na noite da última sexta-feira, Yara dos Santos embalava seu bebê de 1 ano e dez meses em uma rede instalada na calçada do prédio. “As crianças estão exaustas, ninguém aguenta mais se sentir como zumbi”, reclama a desempregada. Amapá é o segundo estado menos populoso do Brasil e o terceiro em número de casos de covid-19 por milhão de habitantes Quem tem mais condições leva os filhos para dormir nos carros, com ar-condicionado ligado para suportar o calor, como a enfermeira Tatiana Silva. “Ontem ficamos no carro até 4h da manhã esperando a luz voltar; todo mundo aqui já fez isso”, diz. Para a cunhada dela, Ariane Braga, o apagão das últimas semanas apenas piorou algo que já acontecia. “O Amapá é esquecido, abandonado; todo dia faltava luz uma ou duas horas, antes mesmo dessa situação”, afirma a auxiliar administrativaa de uma escola pública. “Isso sem mencionar a falta de água, que em 40 anos vivendo aqui, nunca foi resolvida.” O restabelecimento completo só deve ocorrer a partir do próximo dia 26 de dezembro, quando um transformador vindo de Laranjal do Jari, no sul do estado, que chegou a Macapá na sexta-feira, será instalado. Torneiras secas às margens do Amazonas Um dos únicos estados localizados majoritariamente no Hemisfério Norte, ao lado de Roraima, Amapá esta situado na esquina da Linha do Equador com o Amazonas, o maior rio do mundo em vazão. Ainda assim, torneiras secas são uma constante, agora piorada com o apagão, que afetou as bombas que retiram água do rio para o abastecimento. Na capital do estado, de clima úmido equatorial, abrir a torneira e ver água fluir é um luxo para um grande número de moradores. Com os pés mergulhados na água suja, Francinete Almeida, de 30 anos, moradora de uma das “pontes” de Macapá, tentava, com auxílio de uma bomba elétrica, sugar água de um cano instalado à beira da passarela. A empreitada não teve sucesso. “Para todo mundo aqui na ponte é um sacrifício puxar água. Temos um monte de gambiarra, e muitas vezes simplesmente não vem”, conta a diarista, mãe de seis filhos. “Em muitos dias desde o apagão eu e minha irmã tentamos até 1h da manhã para conseguir ter água, aí enchemos baldes e caixa d’água para durar até a próxima batalha.” Ao todo são 17 famílias dependentes de um cano que nas últimas semanas tem passado mais tempo seco do que cheio. Mais de 60% da população do Amapá vive em bairros improvisados em áreas alagadas As “pontes” são passarelas de madeira que conectam casas montadas sobre palafitas em áreas mais baixas de Macapá, onde a água se acumula formando lagos, conhecidos como ressacas. Sem saneamento básico, os lagos viram destino de esgoto. “O nível ainda está baixo porque acabamos de sair do período seco, mas em janeiro, quando a água está alta e quase entra no assoalho das casas, o cheiro é horrível”, lamenta Francinete. Medo e sofrimento Os problemas no abastecimento levaram ao aumento do consumo de água contaminada. O Pronto-Atendimento Infantil (PAI), único pronto-socorro pediátrico do estado, informou no dia 13 de novembro que registrou alta no número de atendimentos de crianças com irritações gastrointestinais, que provocam vômito e diarreia. “Meu filho de três anos está com vômito há um dia. É difícil comprar água mineral”, comenta a dona de casa Cenilda Ferreira. Desde o começo do apagão o preço do galão de água aumentou quatro vezes, em média, passando de R$ 5 para R$ 20. “A gente dá a água que a gente consegue”, completa a mãe. Entre calor, insetos e a rotina de abanar os filhos até ficar com câimbras nos braços, ainda há relatos de aumento nos casos de roubos em bairros às escuras. Foi o caso de Jackeline França, cujo filho pré-adolescente foi assaltado junto de amigos. “Fizeram as crianças reféns com facas, levaram o que puderam e fugiram. Ele está muito abalado”, conta. Entre o medo e o sofrimento, quem pode se refugia na casa de amigos ou parentes que vivem próximos a hospitais, que não têm energia cortada por prioridade. E entre indas e vindas com travesseiros sob o braço e luzes de lanterna, os amapaenses aguardam uma solução que não seja apenas temporária. #Envolverde

Ecofuturo registra gambá-da-orelha-preta com filhote no Parque das Neblinas

A espécie foi flagrada por câmeras implantadas na reserva O Instituto Ecofuturo, organização sem fins lucrativos mantida pela Suzano e responsável pela gestão do Parque das Neblinas, registrou na reserva uma “família” de gambás-da-orelha-preta (Didelphis aurita), também conhecidos como saruê. O flagra foi feito por meio de armadilhas fotográficas (câmeras trap) e, no vídeo, é possível ver a mãe passeando com os seus filhotes, todos pendurados em suas costas. No Brasil, existem duas espécies de saruê: o gambá-de-orelha-branca e o gambá-de-orelha-preta. Ambos pertencem à família dos marsupiais, assim como os coalas e cangurus. O animal flagrado no Parque possui hábitos noturnos e gosta de se refugiar em ocos de árvores. É onívoro e, por isso, possui um amplo hábito alimentar, comendo raízes, frutas, vermes, insetos, moluscos, anfíbios, lagartos e aves, por exemplo. O Cerdocyon thous, conhecido como cachorro-do-mato, também foi registrado recentemente na área. A espécie, encontrada por toda a América do Sul, costuma caminhar sozinha pelas matas e procura tocas ou árvores ocas para se abrigar e descansar. As câmeras do Parque das Neblinas, instaladas e manuseadas pela própria equipe de guarda-parques do Instituto Ecofuturo, já registraram diversos animais, como gato-mourisco, anta, veado, irara, cateto, entre outros. Em outra ocasião, uma onça-parda foi flagrada também circulando com suas crias. As cenas capturadas reforçam o importante papel exercido pelo Parque das Neblinas para a região e para proteção da biodiversidade, e indicam o impacto positivo do trabalho de restauração e conservação realizado pelo Ecofuturo na área, proporcionando condições necessárias para o abrigo e reprodução dos animais. Com 7 mil hectares de Mata Atlântica em diferentes estágios de regeneração, o Parque fica localizado nos municípios de Mogi das Cruzes e Bertioga (SP) e, mais de 1.250 espécies da fauna e da flora já foram registradas no local. Assista ao flagra: https://fromsmash.com/Cr5CYIFpWQ-et . Visitação – Aviso O Parque das Neblinas foi reaberto para visitação, seguindo protocolos de segurança e prevenção à Covid-19, e com número máximo de visitantes, por dia, reduzido. Todas as atividades precisam ser agendadas com antecedência. Para mais informações, acesse ecofuturo.org.br. Sobre o Parque das Neblinas Certificado pelo Programa Homem e Biosfera da UNESCO como Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, o Parque das Neblinas é uma reserva ambiental da Suzano, gerida pelo Ecofuturo, com 7 mil hectares. No local, são desenvolvidas atividades de ecoturismo, pesquisa científica, educação ambiental, manejo e restauração florestal e participação comunitária. Quer saber mais sobre a fauna e a flora presentes na área? Acesse a publicação A biodiversidade no Parque das Neblinas, disponível para download no site do Instituto. (#Envolverde)

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Negação do racismo é recorrente entre autoridades públicas

Negação do racismo é recorrente entre autoridades públicas O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, homem negro, por seguranças do supermercado Carrefour, em Porto Alegre, na última quinta-feira (19), foi comentado nesta sexta pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Mourão lamentou o ocorrido, mas afirmou que não existe racismo no Brasil. Por Matheus Zanon De acordo com levantamento inédito publicado da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da Terra de Direitos, a fala do vice-presidente, de negação do racismo, é um retrato da postura de autoridades públicas. O levantamento, lançado nesta sexta-feira, mapeou, desde 1º de janeiro de 2019 a 06 de novembro de 2020, 49 manifestações ou declarações racistas de autoridades públicas, entre elas, o presidente da república, deputados federais e estaduais, vereadores e membros do judiciário. No total foram sete falas negando o racismo. O estudo destaca que “é discurso racista a negação/minimização da gravidade do racismo e/ou a utilização de doutrinas já superadas de negação do racismo, como mestiçagem ou democracia racial. Em um país onde há um genocídio contra o povo negro em curso, negar o racismo é de extrema gravidade”. “A fala do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, em relação ao caso ocorrido em Porto Alegre, é uma fala conectada com a liderança do presidente Jair Bolsonaro e das demais autoridades que vem utilizando os espaços institucionais para a prática do racismo e usam o negacionismo do racismo de forma institucionalizada. Reforçamos que a sociedade precisa se posicionar e não aceitar que os poderes utilizem os seus expedientes para promover o racismo. A nossa pesquisa demonstra com dados o quanto as pessoas se investem de cargos públicos para cometer o crime de racismo em diversas formas, maquiados de liberdade de expressão”, destaca a co-fundadora da Conaq, Givânia Silva. “Existe um ciclo que reproduz o racismo e a violência que não para. É uma máquina de moer vidas negras, a sua dignidade e os seus direitos. Mesmo a crueldade da morte não interrompe esse ciclo. Depois da morte vem os discursos racistas justificar à violência como uma violência qualquer, retirando da vida negra o seu valor e negando o racismo que mata todos os dias. Em nenhum momento, nenhum, vemos autoridades públicas assumindo qualquer responsabilidade perante o racismo”, afirma a coordenadora da Terra de Direitos, Élida Lauris. in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/11/2020

EcoDebate - Edição 3.558 de 23 / novembro/ 2020

Desejamos a todos(as) um bom dia e uma boa leitura O maior pico de mortes da Covid-19 no mundo Educação, aprendizagem e pandemia: expectativas e realidade Países devem acelerar ações para limitar o aquecimento a 1,5°C O Ecocídio como possível crime internacional Desenvolvimento motor na infância em tempo de pandemia DPOC – Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, saiba o que é e seus sintomas Negação do racismo é recorrente entre autoridades públicas “Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]

sábado, 21 de novembro de 2020

Quase 50% das queimadas estão em áreas recém-desmatadas, diz Inpe

por Jaqueline Sordi, Observatório do Clima – Instituto cruza dados de desmatamento com ocorrência de fogo em nova seção de site, com atualização mensal; dados desmentem Bolsonaro e Mourão Um novo painel divulgado pelo Inpe nesta segunda-feira (16) mostra que 45,4% dos focos de queimadas registrados de agosto de 2019 até setembro de 2020 na Amazônia ocorreram em áreas recém-desmatadas, e 8,4% em áreas de floresta primária (áreas que provavelmente já foram degradadas pelo uso do fogo porém ainda não convertidas em corte raso). O dado contraria diversas declarações do presidente Jair Bolsonaro de seu vice, Hamilton Mourão, de que 90% dos focos de calor ocorrem em áreas com desmatamento consolidado. Para chegar a essas estimativas, os técnicos do Inpe extraíram as informações sobre todos os focos de queimadas registrados pelo satélite referência do instituto de 1o de agosto de 2019 a 30 de setembro deste ano. Foram identificados aproximadamente 150 mil focos. A seguir, verificaram os dados relacionados ao desmatamento. Eles consideraram como desmatamento recente as áreas identificadas nos últimos três anos, a partir dos dados do Prodes de 2018 e de 2019, e dos alertas mês a mês do Deter até setembro de 2020. Todas as áreas desmatadas identificadas antes de 2018 foram consideradas de desmatamento consolidado. Como há uma possibilidade de imprecisão nos dados de queimadas de até 1km, os especialistas estenderam em 500 metros as zonas de desmatamento como forma de compensar possíveis distorções. Ao cruzar os dados, os pesquisadores identificaram que, diferentemente do que vem dizendo o governo, apenas 40,4% dos focos ocorreram em áreas de desmatamento consolidado. “Esse painel esclarece que normalmente se faz uma associação errada de que a maior parte das queimadas estão em áreas consolidadas no passado, que já estão sendo submetidas a alguma espécie de manejo, como pasto. Estamos vendo que uma grande parcela ocorre em áreas que foram recentemente desmatadas e provavelmente ainda não entraram em processo de produção”, explica o tecnologista sênior do Inpe Luís Eduardo Maurano. O resultado do painel apresentado pelo Inpe reforça o que já havia sido indicado pela Nasa, que criou um painel cruzando as informações de desmatamento e de queimadas – e concluiu que cerca de metade do fogo estava em áreas recém-desmatadas – e pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Na ocasião, os pesquisadores haviam apontado que um terço das queimadas registradas no ano passado ocorreu em áreas recém-desmatadas. De acordo com a pesquisadora do Inpe Lubia Vinhas, esse novo painel tem como objetivo ajudar as pessoas a acompanharem os dados que são sistematicamente gerados e atualizados pelo órgão. #Envolverde

E a devastação na cidade de São Paulo continua…

por Gilberto Natalini- Médico, Ambientalista e Vereador de SP – Esta semana começou com mais um crime ambiental no município de São Paulo, na região de Santo Amaro. A vítima agora é o conhecido Jardim Alfomares, com mais de 60.000 m2 de mata nativa, que abriga uma diversidade única em fauna e flora. Cerca de 2 mil árvores antigas e saudáveis, correm o risco de desaparecer e dar lugar a mais um empreendimento imobiliário. Ao chegar ao nosso conhecimento, imediatamente fomos pessoalmente averiguar a derrubada de Mata Atlântica. Além de ter participado da manifestação ao lado da comunidade, na manhã desta quarta-feira (18/11), nosso gabinete oficiou a Prefeitura por meio de dois documentos. Um ofício, enviado ao Prefeito, à Subprefeita de Santo Amaro, aos Secretários Municipais de Licenciamento e do Verde e Meio Ambiente, onde solicitamos uma fiscalização urgente no local e requeremos a imediata suspensão dos trabalhos de remoção da vegetação local. O segundo ofício, enviado ao Secretário Municipal de Cultura e ao Presidente do Conpresp, solicitava informações e vistas ao processo, referente ao pedido de tombamento do Jardim Alfomares. Diante das diversas manifestações e questionamentos relativos à incompatibilidade do empreendimento com o meio ambiente e a qualidade de vida dos moradores locais, a Prefeitura determinou a paralisação imediata da supressão das árvores, para revisão documental. Vimos alertando faz tempo sobre danos diversos e irreversíveis que a derrubada sistemática de centenas de milhares de árvores em São Paulo poderá causar. Conforme aponta o dossiê “A Devastação da Mata Atlântica em São Paulo”, elaborado pelo nosso mandato, nos últimos 6 anos, mais de 1,2 milhão de árvores foram mortas na cidade. Defender as áreas verdes sempre foi nossa prioridade. Todos os dias, árvores são criminosamente derrubadas. A paralização do desmate no Jardim Alfomares, foi apenas a vitória de uma batalha importante, mas a guerra pela preservação de mais este remanescente de Mata Atlântica está só no começo. O futuro deste patrimônio, ainda é incerto. (#Envolverde)

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

ONDE HÁ DESMATAMENTO, HÁ FOGO !

James, 75% dos focos de calor detectados na bacia do Xingu neste ano incidem em áreas desmatadas recentemente, entre 2018 e 2020. Ou seja, onde há desmatamento, há fogo! Entenda mais aqui sobre o levantamento que o ISA fez. À revelia da atuação do exército e da moratória que proíbe o uso do fogo vemos os números de focos de calor aumentando e atingindo áreas desmatadas muito recentemente. É sabido que as queimadas facilitam a conversão de grandes áreas em pastagens, então fica evidente que o fogo está sendo usado para desmatar e grilar terras. Enquanto a floresta queima, as invasões e os crimes ambientais crescem. Desmatamento, incêndios, grilagem e garimpo são os responsáveis pela destruição das florestas e do meio ambiente sob a cumplicidade do governo brasileiro. A maior prejudicada é a Amazônia. De um total de 134.449 eventos de queimada mapeados pelo painel para a Amazônia do Global Fires Emission Database (GFED), 57% aconteceram no bioma amazônico. As áreas de floresta que um dia já foram úmidas o suficiente para resistir a incêndios, hoje padecem com queimadas criminosas. O painel também indica que 34% das queimadas registradas entre janeiro e a primeira semana de outubro são relacionadas diretamente com o desmatamento no bioma amazônico. Sua contribuição fortalece o trabalho pela preservação da floresta Amazônica e do Xingu. Obrigada! Quero compartilhar essa mensagem Ricardo Abad Instituto Socioambiental - ISA Mais informações sobre o ISA. Dúvidas ou comentários, ligue ou envie um whatsapp para (11) 93500 1149 e fale com Mariana Barros ou escreva para relacionamento@socioambiental.org

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Veneno à nossa mesa – O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos

IHU Abrimos o especial sobre “Agro É Tóxico”, durante a pandemia sanitária de Sars-Cov-2, com um tema preocupante, o Brasil se destaca como o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. A reportagem é de Antony Corrêa, Jade Azevedo e Lucas Souza, publicada por Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, 12-11-2020. O ano de 2020 está quase no fim, e já é considerado como um ano atípico, no qual, as condições de vida e subsistências de trabalhadoras e trabalhadores foi severamente afetada. No Brasil, temos a triste marca de 163.406 mortes pelo novo coronavírus até a metade do mês de novembro. Em contrapartida, há setores e grupos de empresas que parecem passar pelo oposto, com conquistas e lucros durante este período. É o que acontece com a indústria do agro-minério-negócio, além do aumento do seu Produto Interno Bruto (PIB) em cerca de 2,42% de janeiro a fevereiro, é crescente as aprovações de registros de agrotóxicos para fabricação e uso em nosso país. Nos cinco primeiros meses do ano, em plena pandemia sanitária de Covid-19, o Ministério da Agricultura já havia publicado o registro de 150 agrotóxicos para uso no Brasil. Destes, 118 agrotóxicos foram liberados só entre março a maio, com 84 deles destinados agricultura e 34 para uso na indústria. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), aponta que parte dessas novas mercadorias devem ser reavaliadas, pelas possíveis ligações a casos de câncer. Concomitante a isso, as empresas que concentram a produção de veneno, já haviam solicitado a liberação de mais 216 produtos. O número de aprovações neste ano já foi maior do que o ocorrido no mesmo período de 2019. O que é preocupante, já que no ano anterior se havia batido o recorde de aprovações, com 474 novos produtos anualmente. Em setembro de 2020 já havíamos atingido a marca de 315 novas autorizações publicadas, como se pode observar no gráfico a seguir. registro anual de agrotóxicos no Brasil Registro anual de agrotóxicos no Brasil de 2000-2020. (Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2020) Como informa a Agência Repórter Brasil (2020), entre os agrotóxicos aprovados estão produtos que foram banidos em outras nações, como o Fipronil, inseticida banido em 2004 na França, o Clorotalonil, banido na União Europeia e Estados Unidos, e o Clorpirifós, banido na União Europeia. Estes dois últimos, por afetarem o as células favorecendo o aparecimento de câncer, e neurotoxicidade que afeta o desenvolvimento humano. As aprovações só foram possíveis pelo fato de serem enquadradas como atividades essenciais durante a pandemia. As licenças para fabricação de veneno se distribuem entre 53 empresas de 11 países. No entanto, diferente de 2019, este ano, os registros se concentram nas mãos de empresas brasileiras, com destaque a AllierBrasil. Uma herança para produzir alimentos lucro No Brasil, o uso do agrotóxico foi integrado ao Plano Nacional de Desenvolvimento Agrícola (PNDA) de 1975, que incentivou financeiramente as indústrias de fabricação desses produtos, e contribuiu na difusão do argumento da produção de alimentos em escala para resolver o problema da fome no mundo. O Brasil, hoje, é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo e o segundo maior exportador, atrás apenas dos Estados Unidos. E mesmo ao liderar essas produções de larga escala como a soja, o milho e carne, a fome no Brasil tem aumentado. O que suscita as questões: que tipo de “alimento” é produzido? Mercadoria? Para quem? Com que qualidade nutricional? E a que custo? De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em setembro deste ano, a fome, insegurança alimentar grave, atingiu cerca de 4,6% da população entre 2017 a 2018. São mais de 10 milhões de brasileiros com menos do que o necessário para suprir as demandas nutricionais. Essa pesquisa é apresentada, cinco anos depois do Brasil ter saído do mapa da fome. Estatística da qual o país tem se aproximado rapidamente com os desmontes da política de segurança alimentar. Outro argumento para o agrotóxico defendido por corporações transnacionais é que isso representa a modernização da técnica e agricultura. Ao investigar o tema, se percebe que a aplicação do agrotóxico no agronegócio é mais do que um melhoramento técnico. É uma articulação política e econômica entre latifundiários, indústrias transnacionais químicas e de biotecnologia que trabalham pelo mercado, o que amplia a taxa de lucro e o poder político global desses conglomerados. O agronegócio financia a política No Brasil, existe uma articulação se torna nítida ao olharmos para os financiadores da Frente Parlamentar da Agropecuária, popular bancada ruralista. Essa, recebe recursos do Instituto Pensar Agro, financiado por 38 associações do agronegócio ─ conglomerados que concentram o controle deste ramo no país e no mundo. No Infográfico a seguir podemos observar 12 dessas associações, que exercem maior influência. Brasil: O maior consumidor de agrotóxicos A média anual de uso dos agrotóxicos no Brasil entre 2012 a 2014 totalizaram 877.782 toneladas, de acordo com o atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia de 2017, contabilizando: 334.628 toneladas no Centro-Oeste, 244.911 no Sul, 188.512 no Sudeste, 101.460 no Nordeste e 28.271 no Norte. Em 2017, com cerca de 550 mil toneladas de ingredientes ativos, o Brasil alcançou o título de maior consumidor de agrotóxicos em volume de produto do planeta ㅡ de acordo com os dados da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados apresentados em audiência de 2019 em Brasília. Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo e integrante do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, comenta que existem estudos que tentam dizer o contrário, e são amplamente divulgados em órgãos institucionais, pela Frente Parlamentar da Agricultura, a bancada ruralista. Esses “números são feitos com base [na venda e] no valor do agrotóxico utilizado por hectare”, o que coloca países como o Japão na frente do Brasil. Podemos ter a falsa impressão de que esses países consomem mais veneno, por gastarem mais dólares em agrotóxicos que são mais seguros. “Nessa conta parece que no Brasil se usa menos do que fato é utilizado. Nós usamos mais venenos e os piores venenos”, alerta Melgarejo. O pesquisador destaca como confiável o método produzido na Universidade Federal do Mato Grosso, por Wanderlei Pignati, que considera para o cálculo os principais municípios produtivos, a área cultivada das principais culturas e as informações dos produtos mais aplicados. Isso permite chegar a uma média que extrapolam para toda a área cultivada, e se estima os dados que faltam das vendas ilegais de agrotóxicos. Essa estimativa é de “um bilhão de litros de agrotóxicos por ano. Dá uns 30% a mais do que as vendas contabilizadas pelo IBAMA”, observa. Melgarejo observa que a flexibilização da legislação tem aumentado o descuido com a informação e consequentemente a contaminação. Um exemplo recente é o caso do Paraquat, proibido em 2017 pela ANVISA, com o prazo de três anos para a retirada do produto do mercado brasileiro. Em setembro, o produto deveria ser banido e excluído de todas as prateleiras. Contrariando as suas decisões anteriores a Anvisa cedeu às pressões do agronegócio e autorizou o uso do estoque de Paraquat. Entenda um pouco mais: o que são agrotóxicos? De acordo com o decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002, os agrotóxicos são: produtos e componentes resultantes de processos físicos, químicos ou biológicos. Destinados ao uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na produção de florestas nativas ou implantadas. Também são utilizados em outros ecossistemas com a finalidade de alterar a composição da flora e fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos. São conhecidos ainda como substâncias e produtos desfolhantes, dessecantes, estimulantes e inibidores de crescimento. Um marco regulatório da Anvisa de 2019, alterou a classificação de toxicidade dos agrotóxicos, adotando o padrão internacional, com cinco divisões, o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (GHS). Por este novo padrão, são considerados venenos extremamente tóxico apenas aqueles produtos que causarem morte horas depois do contato ou ingestão pelo indivíduo. Agrotóxicos “pouco tóxicos” não terão mais a advertência de risco no rótulo. Dessa forma, dos agrotóxicos aprovados no início do ano, apenas seis produtos haviam sido classificados como extremamente ou altamente tóxicos. Podemos observar esta nova classificação no infográfico. O veneno paira no ar Pode ser considerado um agrotóxico todo produto que for tóxico para a agricultura e pecuária. Leonardo Melgarejo, aponta que os agrotóxicos podem ser extratos de plantas como também de síntese química. Esse último, predomina na agricultura atualmente, e são formulações desenvolvidas em laboratórios que geram o xenobiótico. Essas substâncias têm uma finalidade específica, como matar determinado inseto, entretanto possuem ações colaterais. Um exemplo desse efeito colateral citado pelo engenheiro agrônomo, é a “luta dos produtores de uva contra os produtores de soja, quando os produtores de soja usam o 2,4-D, que é um herbicida para limpar as suas lavouras”. O que acontece é que este herbicida fica à deriva no ar, atinge os parreirais dos vizinhos, e afeta a produção das uvas. Caso semelhante é relatado pela agricultora assentada Maria Aparecida Mota Belarmindo (Cida), 43 anos, natural da Paraíba, e moradora do Assentamento Olívio Albani, em Campo Erê, Santa Catarina. Ela nos relatou o caso ocorrido na região em 2007, em que fazendeiros despejavam veneno sobre o acampamento localizado entre os latifúndios. “Quando a gente veio pra cá, eles passavam de avião o veneno, nas propriedades deles, a gente fica bem no meio, e nos quatro lados tem fazendeiro. A gente denunciou para Ministério Público, para IBAMA, para a FATMA, pra tudo”, lembra a camponesa. Ela conta que logo em seguida da aplicação dos agrotóxicos, muita gente ficou doente por causa das águas, daquele veneno. Parte das pessoas afetadas foram internada no hospital em Campo Erê e parte em Palma Sola. Entre os sintomas estava a diarréia e vômito. Cida, relembra que os vizinhos durante este período continuaram a aplicação do veneno até o final da safra, e depois que o caso repercutiu, passaram a fazer as aplicações com máquinas de solo. Ela associa alguns problemas na saúde mental das pessoas no assentamento à exposição ao veneno, “tem bastante gente muito ansiosos, nervosos aqui no assentamento, por causa disso, por causa do veneno”. Outro problema que permanece atualmente, é a monocultura de pinus que cerca a vizinhança, e que Cida também considera um veneno para a saúde. A camponesa e assentada relata que depois de um longo período, mesmo não havendo mais aplicação de veneno por aviões, os impactos da persistência do agrotóxico e envenenamento da terra são perceptíveis. “A gente plantava as frutas e não dava nada, principalmente a parreira, a uva, não dava por causa dos veneno da soja”. Ela relata, que mesmo com barreiras contra o veneno, seu vizinho seguia a plantação de soja. “Teve uma época ali que as minhas uvas não vinham por causa disso […] aqui no assentamento [agora] é proibido plantar soja por causa do veneno, porque ele é muito mais forte, mata mais, e trás outras doenças e outras pragas”, destaca. Cida e tantas outras camponesas e camponeses que produzem agroecologicamente e/ou que estão em processo de transição são pontos de resistência que em meio às contradições do sistema e violência do agro-minério-negócio, florescem por meio de suas experiências ancoradas em um projeto de sociedade e de campo que é popular e que respeita às formas milenares de produzir da natureza. Neste atual cenário do Brasil o debate sobre a produção de alimentos e uso de agrotóxicos é constante dentro da luta dos Movimentos Sociais pelo direito à alimentação e Reforma Agrária Popular, que discute técnicas agrícolas, pecuárias, questões políticas, conômicas, sociais e formativas de concepção de mundo, enquanto projeto de campo e sociedade. Neste bojo, publicaremos ao longo das semanas o “Especial Agro é tóxico”, com o intuito de pôr elementos para a discussão sobre: o cenário nacional, a legislação sobre agrotóxico, saúde e contaminação e a contraposta que vem sendo construída pelos movimentos sociais do campo, por meio da agroecologia e Reforma Agrária Popular. (EcoDebate, 16/11/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

EcoDebate - Edição 3.554 de 16 / novembro/ 2020

Desejamos a todos(as) um bom dia e uma boa leitura A covid-19 bate todos os recordes globais em novembro Como acabar com expressões preconceituosas no ambiente de trabalho? Influência do clima e meio ambiente na pandemia COVID-19 Veneno à nossa mesa – O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos Críticas infundadas contra a CoronaVac alimentam movimento antivacina Diabetes é fator de risco para insuficiência renal “Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Racismo estrutural no Brasil: desigualdades entre brancos e pretos ou pardos persistem no país

IBGE Estatísticas Sociais | Adriana Saraiva | Arte: Brisa Gil Um dos principais indicadores do mercado de trabalho, a taxa de desocupação foi, em 2019, de 9,3%, para brancos, e 13,6% para pretos ou pardos. Entre as pessoas ocupadas, o percentual de pretos ou pardos em ocupações informais chegou a 47,4%, enquanto entre os trabalhadores brancos foi de 34,5%. A população ocupada de cor ou raça branca ganhava em média 73,4% mais do que a preta ou parda. Em valores, significava uma renda mensal de trabalho de R$ 2.884 frente a R$ 1.663. O rendimento-hora de brancos com nível superior era de R$ 33,90, enquanto pretos e pardos com o mesmo nível de instrução ganhavam R$ 23,50 por hora trabalhada. Entre as pessoas abaixo das linhas de pobreza, 70% eram de cor preta ou parda. A pobreza afetou mais as mulheres pretas ou pardas: 39,8% dos extremamente pobres e 38,1% dos pobres. 45,2 milhões de pessoas residiam em 14,2 milhões de domicílios com algum tipo de inadequação. Desta população, 13,5 milhões eram de cor ou raça branca e 31,3 milhões pretos ou pardos. Quatro entre dez pessoas extremamente pobres eram mulheres pretas ou pardas - Foto: Licia Rubinstein/Agência IBGE Notícias Quatro entre dez pessoas extremamente pobres eram mulheres pretas ou pardas – Foto: Licia Rubinstein/Agência IBGE Notícias A situação no mercado de trabalho, a renda e as condições de moradia são desiguais no país conforme a cor e raça dos brasileiros. Com base nos dados da PNAD Contínua 2019, o estudo Síntese de Indicadores Sociais, divulgado ontem (12) pelo IBGE, mostra que pretos ou pardos tem maiores taxas de desocupação e informalidade do que brancos, estão mais presentes nas faixas de pobreza e extrema pobreza e moram com maior frequência em domicílios com algum tipo de inadequação. Um dos principais indicadores do mercado de trabalho, a taxa de desocupação foi, em 2019, de 9,3%, para brancos, e 13,6% para pretos ou pardos. Entre as pessoas ocupadas, o percentual de pretos ou pardos em ocupações informais chegou a 47,4%, enquanto entre os trabalhadores brancos foi de 34,5%. O resultado reflete a maior participação dos pretos e pardos em trabalhos característicos da informalidade, como por exemplo atividades agropecuárias, que tinha 62,7% de ocupados pretos ou pardos, construção, com 65,2%, e serviços domésticos, 66,6%. “A informalidade para pretos ou pardos é uma característica histórica, que percebemos em todos os anos da série da Pnad Contínua, que se inicia em 2012 e vai até 2019. É um grupo que requer atenção, é um grupo mais vulnerável, que não vai poder ter aposentadoria por tempo de serviço, que não tem direito a licenças remuneradas por afastamento por motivo de saúde ou licença gestante, então são mais vulneráveis em termos de pessoal ocupado”, explica o coordenador da SIS, João Hallak. A definição de informalidade utilizada na Síntese é recomendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e inclui cinco modalidades de posição na ocupação: empregado sem carteira, trabalhador doméstico sem carteira, conta própria não contribuinte, empregador não contribuinte e trabalhador familiar auxiliar. proporção de pessoas em ocupações informais (%) por cor ou raça A maior inserção de pretos ou pardos em atividades informais, como serviço doméstico sem carteira assinada, que em 2019 tinha rendimento médio mensal de apenas R$ 755, contribui para diminuir a renda média desse grupo populacional. A população ocupada de cor ou raça branca ganhava em média 73,4% mais do que a preta ou parda. Em valores, significava uma renda mensal de trabalho de R$ 2.884 frente a R$ 1.663, em 2019. A população ocupada branca também recebia rendimento-hora superior à população preta ou parda segundo qualquer nível de instrução, sendo a diferença maior na categoria Superior completo, R$ 33,90 contra R$ 23,50, ou seja, 44,3% a mais para brancos. A Síntese mostra que a extrema pobreza no país cresceu 13,5%, passando de 5,8% da população, em 2012, para 6,5%, em 2019, segundo a linha internacional fixada pelo Banco Mundial em US$ 1,90 por dia em termos de paridade de poder de compra (PPC). Já pela linha de US$ 5,50 PPC (pobreza), houve redução na proporção de pobres da ordem de 6,6%, caindo de 26,5% para 24,7% da população, nesse período. Entre os que se declararam brancos, 3,4% eram extremamente pobres e 14,7% eram pobres, mas essas incidências mais que dobravam entre pretos e pardos. Entre as pessoas abaixo das linhas de pobreza do Banco Mundial, 70% eram de cor preta ou parda, enquanto a população que se declarou com essa característica era de 56,3% da população total. A pobreza afetou ainda mais as mulheres pretas ou pardas: eram 28,7% da população, mas 39,8% dos extremamente pobres e 38,1% dos pobres. “A população de cor ou raça preta ou parda está mais presente na informalidade, possui menos anos de estudo, está em atividades que remuneram menos, então tudo isso contribui para que a renda do trabalho seja menor. Certamente, todos esses elementos tanto do mercado de trabalho quanto de fora do mercado de trabalho fazem com que tenham um rendimento domiciliar per capita inferior e se insiram relativamente mais nessas categorias de pobreza e extrema pobreza”, analisa Hallak. pessoas em condição de pobreza no Brasil (%) por sexo ou raça pessoas em condição de extrema pobreza no Brasil (%) por sexo e cor ou raça A desigualdade também aparece nos indicadores de moradia. O estudo mostra que 45,2 milhões de pessoas residiam em 14,2 milhões de domicílios com pelo menos uma de cinco inadequações – ausência de banheiro de uso exclusivo, paredes externas com materiais não duráveis, adensamento excessivo de moradores, ônus excessivo com aluguel e ausência de documento de propriedade. Desta população, 13,5 milhões eram de cor ou raça branca e 31,3 milhões pretos ou pardos. “Não é possível elencar um único indicador como mais importante em termos de desigualdade. Percebemos uma desigualdade estrutural que ocorre ao longo dos anos da série em vários indicadores, e não apenas em 2019. Eu entendo que a análise conjunta das informações é que tem sua força para mostrar a desigualdade”, conclui João Hallak. in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 13/11/2020

EcoDebate - Edição 3.553 de 13 / novembro/ 2020

Desejamos a todos(as) um bom dia e uma boa leitura Um quinto dos países correm risco de colapso ecossistêmico Entenda melhor o Diabetes Mellitus Tipo 2 Diabetes e as amputações dos membros inferiores, como prevenir? Rotina saudável contribui para afastar o risco e a controlar melhor o diabetes Neuropatia diabética, conheça os sintomas, diagnóstico e tratamento Racismo estrutural no Brasil: desigualdades entre brancos e pretos ou pardos persistem no país “Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

A luta dos povos indígenas do Rio Negro foi premiada !

James, A luta e resistência das comunidades indígenas da região do Médio Rio Negro acaba de ser premiada! O projeto da Casa de Frutas de Santa Isabel do Rio Negro (AM) foi apresentado pela Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (Acimrn), recebeu nota máxima e foi a 1ª colocada no II Prêmio BNDES Boas Práticas Agrícolas para Sistemas Tradicionais do BNDES (Prêmio SAT 2020). Leia mais aqui. Armindo Brazão visitando roça de abacaxi na comunidade Canadá, localizada na Terra Indígena Alto Rio Negro (AM). Créditos: Glenn Shepard Hoje, a Casa de Frutas está em fase de acabamento e instalação de equipamentos, como despolpadeira, desidratador e freezer. O prêmio vai ajudar a iniciar a operação. A casa deve produzir, inicialmente, frutas desidratadas como abacaxi e banana, barrinhas de frutas desidratadas preparadas com banana, açaí e cupuaçu, além de polpas de buriti, bacaba e cupuaçu para entrega na merenda escolar. À medida que as atividades se firmarem, outros frutos poderão ser igualmente beneficiados, apresentando a agrobiodiversidade das roças do Médio Rio Negro e alimentando as crianças da região. A Casa de Frutas valoriza e ajuda a manter vivo o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, reconhecido há 10 anos como patrimônio imaterial brasileiro pelo Iphan. Consagra o conjunto de práticas e saberes milenares dos povos do Rio Negro, agricultores por excelência. Viva o conhecimento tradicional dos povos indígenas do Rio Negro! Junte-se ao ISA! Apoie iniciativas indígenas que mantêm vivas suas culturas e seus territórios. Quero me juntar ao ISA! Natalia Pimenta Instituto Socioambiental - ISA Mais informações sobre o ISA. Dúvidas ou comentários, ligue ou envie um whatsapp para (11) 93500 1149 e fale com Mariana Barros ou escreva para relacionamento@socioambiental.org

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Compostagem gera alimentos mais saudáveis e economia para produtores

Por Juliana Stern Cerca de 50% dos resíduos gerados em São Paulo poderiam ser transformados em adubo para agricultura familiar da cidade; A reciclagem diminui custos para os produtores e promove a oferta de alimentos mais saudáveis; Cerca de 10 mil toneladas de resíduos são recolhidas na capital paulista diariamente. O investimento em compostagem, que é a reciclagem de resíduos orgânicos, pode ser uma das respostas para melhorar o acesso da população à alimentos mais saudáveis e a diminuir custos de produção de agricultores. É o que defendem especialistas da Campanha São Paulo Composta, Cultiva, iniciativa do Instituto Pólis, apoiada por mais de 54 organizações, que tem como intuito melhorar as políticas que envolvem a gestão desses resíduos na cidade. Durante a pandemia, o número de pessoas que não podem pagar por alimentos de uma dieta mais saudável chegou a três bilhões mundialmente, de acordo com a ONU. No Brasil, um estudo recente da Embrapa Hortaliças e do Instituto Brasileiro de Horticultura (IBRAHORT) acompanhou o consumo domiciliar de hortaliças durante a pandemia e revelou que 36% dos consumidores brasileiros sentiram a diminuição da quantidade e qualidade dos produtos disponíveis. O composto resultante da reciclagem dos resíduos orgânicos, quando utilizado como adubo, devolve os nutrientes e melhora a saúde do solo. Esse material beneficia a produção agrícola pois aumenta a capacidade de infiltração de água e faz com que cresça o número de microrganismos e outros pequenos animais, importantes para manter a fertilidade da terra. O composto também contribui com a redução de erosões e mantém a temperatura e os níveis de acidez do solo, o que diminui a incidência de doenças nas plantas. “Ao estimular a vida no solo, o composto favorece os agricultores que optam pelo sistema orgânico de produção”, explica o especialista em gestão ambiental urbana André Biazoti, assessor técnico da campanha São Paulo Composta, Cultiva. “A utilização do composto substitui o uso de fertilizantes químicos e fortalece as plantas, reduzindo sua suscetibilidade a pragas e fazendo reduzir o uso de agrotóxicos para controle biológico”, completa. Relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que analisou 12 mil amostras de alimentos entre 2017 e 2018, mostra que, no geral, 23% dos alimentos testados tinham agrotóxicos proibidos ou acima do volume permitido. Das variedades de verduras, legumes e frutas testadas, o pimentão apresentou um dos índices mais preocupantes: oito em cada 10 tiveram resquícios de fertilizantes proibidos ou acima do limite. Agrotóxicos e insumos químicos podem estar associados a efeitos crônicos no corpo – como cânceres, más-formações congênitas, distúrbios endócrinos ou neurológicos – cujo diagnóstico pode ocorrer em meses ou até décadas após a exposição. A constatação é do Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde, divulgado em 2014. Economia A compostagem também pode significar economia aos produtores, o que impactaria no preço final dos alimentos, amentando o acesso da população a produtos saudáveis. “No Brasil, 70% dos alimentos consumidos pela população são produzidos pela agricultura familiar e pequenos produtores”, enfatiza Biazoti. “A ampla distribuição do composto feito a partir da reciclagem de resíduos orgânicos não só reduziria os custos com menos uso de fertilizantes como poderia aumentar a qualidade da safra”, defende. Na cidade de São Paulo, cerca de 80% das unidades de produção agropecuária são propriedades de pequeno porte, com forte presença da agricultura familiar segundo levantamento da Prefeitura. Avaliação da Campanha São Paulo Composta, Cultiva indica que mais de 50% dos resíduos urbanos gerados na capital paulista, que produz cerca de 10 mil toneladas diárias, poderiam ser destinados à compostagem. Campanha São Paulo Composta, Cultiva | A Campanha São Paulo Composta Cultiva é uma iniciativa do Instituto Pólis, em parceria com mais 54 organizações da sociedade civil, que busca aumentar o nível de comprometimento do governo municipal de São Paulo com as políticas públicas que envolvem a reciclagem dos resíduos orgânicos na cidade, como sobras de alimentos e poda. A ação preparou cartas-compromisso, destinada aos candidatos aos cargos nos poderes legislativo e executivo da capital paulista. Saiba mais em: www.polis.org.br/projeto/sp-composta-cultiva/ Sobre o Instituto Pólis | Organização da sociedade civil (OSC) de atuação nacional, constituída como associação civil sem fins lucrativos, apartidária e pluralista in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/11/2020