[EcoDebate] A Ilha da Queimada Grande se situa no litoral paulista, estando distante cerca de 35 km do litoral, no paralelo aproximado da cidade de Itanhaém. É um local desabitado, com acesso proibido e restrito a colaboradores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ou a cientistas autorizados pela instituição.
Desde 1.984, a ilha é uma Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), segundo institucionalização dos decretos 91.887 e 89.336. A ilha é considerada um dos maiores serpentários naturais do mundo devido a enorme quantidade de jararacas-ilhoas (Bothrops insularis), presentes no local, com densidades elevadíssimas segundo os registros.
A área da ilha tem aproximadamente 43 hectares e não apresenta praias, somente costões rochosos, que ao penetrarem no mar, se tornam alvos da presença de cracas, moluscos e algas que determinam a implantação de cadeia alimentar muito peculiar, alimentando peixes de menor tamanho e estes, por sua vez, a espécies maiores, estabelecendo sensível teia ecológica.
A jararaca-ilhoa que faz da ilha seu santuário, é considerada a cobra venenosa com a peçonha mais potente do mundo. Esta realidade histórica, inspirou até mesmo a denominação do local. Queimada Grande decorre do fato que eventuais visitantes, particularmente pescadores da região, utilizavam a defesa através de fogueiras ateadas à vegetação rasteira litorânea da ilha, como subterfúgio para afugentar as serpentes e tornarem mais seguras as condições de desembarque em terra firme quando necessário. Esta técnica de defesa dos pescadores e eventuais visitantes da ilha da queimada grande jamais foi capaz de ameaçar a hegemonia das jararacas-ilhoas no local.
As águas ao redor da ilha, apresentam variadas espécies de peixes como garoupas, budiões e caranhas, além de espécimes como tartarugas marinhas. Em porções a sul da ilha ocorrem ainda outras espécies marinhas de maior porte. A ilha da Queimada Grande apresenta ainda espécies em extinção, como a dormideira da Ilha de Queimada Grande, além de mais de trinta espécies de aves, das quais a mais abundante é a corruíra. Existem ainda poucas espécies de anfíbios endêmicos e lagartos, além de espécies de cobras-cegas e dezenas de espécies de aracnídeos (aranhas), já catalogadas.
Mas o que caracteriza a ilha, também chamada de “Ilha das Cobras”, é a elevada quantidade da espécie conhecida como jararaca ilhoa. A elucidação científica desta ocorrência decorre do isolamento geográfico que a ilha determinou para está espécie após a última glaciação registrada, no final do período pleistocênico (ou pleistoceno também, período da escala de tempo geológica, é a época do período quaternário da era cenozoica do eón fanerozóico que está compreendida entre 2,558 milhões de anos e 11,5 mil anos atrás, abrangendo todos os períodos das glaciações que se repetiram recentemente na história do planeta).
Isolada em ilha rochosa e com cadeia alimentar centrada nas aves, consta que houve uma adaptação da jararaca do local, que passou a subir em árvores, o que não ocorre na espécie quando ocorre no continente. Registros de estudos relacionado a filogenia (estudo da relação evolutiva entre grupos de organismos) e hábitos alimentares, indicam que a jararaca-ilhoa apresenta alterações de sua dieta alimentar durante sua vida, com os indivíduos jovens baseando sua alimentação em anfíbios diversos e lagartos, e os indivíduos adultos se especializando em aves em geral e nos tipos migratórios em particular.
Esta ocorrência certamente instigaria grandes discussões entre os especialistas em neo-darwinismo. A própria justificativa para a letalidade do veneno desta espécie advém do fato que é necessário garantir a morte imediata da presa, sob pena de perda da mesma, que poderia se afastar e fugir utilizando mecanismos de vôo.
Os desembarques são realizados nas plataformas rochosas menos íngremes, mas que sempre exibem grande desenvolvimento de musgos e limo, tornando o acesso que já é restringido, ainda muito mais difícil. Existem grutas nas rochas da ilha e nenhuma reserva remanescente da mata atlântica é protegida por protetores tão temidos quanto a enorme quantidade de cobras, cujo veneno é extremamente letal. Se estima que totalizem 15 a 20 mil indivíduos na área total da ilha, onde não existem postos de guarda florestais ou habitantes ocasionais ou permanentes.
Este espécime de cobra de veneno letal, é parente das jararacas continentais, só que pelos motivos já explicitados, desenvolveu um veneno que é considerado 15 a 20 vezes mais letal. A ilha da Queimada Grande pode ser considerado um refúgio e um paraíso ecológico para a vida marinha, apenas com uma quantidade desproporcional de cobras. A evolução filogênica desta espécie de cobra foi muito influenciada pelo isolamento a partir de eventos de glaciação mensurando em torno de 10 mil anos pretéritos. Quando as águas decorrentes de degelo cobriram grandes extensões de continente, formaram-se na época várias ilhas análogas a esta. A maioria dos animais migrou para as áreas continentais, mas os remanescentes, impedidos de nadar, ficaram confinados nas ilhas. E só sobreviveram os indivíduos que puderam evoluir e se adaptar às condições que passaram a ser hegemônicas.
O fato não ganha a dimensão fatual que tem, mas é uma experiência muito análoga às descobertas de Charles Darwin e às descrições encontradas de fenômenos observados nas Ilhas Galápagos no Equador. Isolada em uma ilha rochosa, com boa parte de suas perspectivas alimentares reduzida a presença de aves, esta espécie de jararaca passou a frequentar a escalada de árvores, o que não ocorre na sua parente habitante do meio continental. Do mesmo modo como se enfatizou, o veneno tornou-se mais letal, para impedir que a presa acabasse perecendo em vôo sobre o mar. Também a pela da jararaca-ilhoa sofreu uma espécie de mimetismo para se confundir com as galhadas das árvores, passando mais desapercebida assim.
O entorno da ilha favorecido pelas cadeias alimentares que se formam nos ecossistemas possibilitados pelos paredões de rocha que submergem, as áreas são povoadas por uma infinidade de animais marinhos, como barracudas, peixes-frade, peixes-voadores, arraias e tartarugas. Restos de navios naufragados são outras atrações do entorno.
Diante das dificuldades, já em 1918, a marinha automatizou farol existente na ilha. Atualmente existe um movimento patrocinado por cientistas, ONGs, mergulhadores, pescadores, ambientalistas e outros interessados em transformar o local em Parque Nacional Marinho, ampliando a área de proteção no entorno da ilha, onde existem corais e outras espécies vulneráveis da fauna marinha. E onde já foi registrada a reprodução da caranha por pesquisadores do “Conservation Internacional”.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
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in EcoDebate, 30/09/2015
"Ilha da Queimada Grande, artigo de Roberto Naime," in Portal EcoDebate, 30/09/2015,http://www.ecodebate.com.br/2015/09/30/ilha-da-queimada-grande-artigo-de-roberto-naime/.
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