Por Nurit Bensusan*
Congresso mantém vetos à Lei de Acesso ao Patrimônio Genético. Alguns deles atendem reivindicações dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil e reduzem os impactos negativos da lei, que, no geral, prejudica os direitos de populações indígenas e tradicionais, entre outros pontos
Na última terça (22/9), finalmente, o Congresso Nacional apreciou os vetos da presidente Dilma à Lei 13.123 de 20 de maio de 2015, que regula o acesso e exploração do patrimônio genético e conhecimentos tradicionais associados. O resultado foi a manutenção dos vetos (saiba mais sobre a nova lei no box no final da notícia).
Vale comemorar, pois alguns deles atendem reivindicações dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil e minoram os impactos negativos da lei, que, no geral, prejudica os direitos de populações indígenas e tradicionais, entre outros pontos (leia mais).
Um dos dispositivos vetados isentava de repartição de benefício os produtos derivados de acesso ao patrimônio genético realizado antes de 29 de junho de 2000. Ou seja, criava a possibilidade de qualquer um alegar que acessou o patrimônio genético antes dessa data e ficar isento de repartir benefícios. Como certamente seria muito difícil comprovar que o acesso não foi realizado antes dessa data, haveria sempre uma janela aberta para os que quisessem agir de má-fé.
Outro dispositivo que ficou fora da lei definitivamente abria a possibilidade das indústrias escolherem, com exclusividade, o destinatário final da repartição de benefícios não monetária, no caso de acesso a recursos genéticos. Isto quer dizer que a despeito da região e das condições onde o acesso ao patrimônio genético foi feito, o usuário é que determinaria quem seria o beneficiário da repartição. No mínimo, estranho
Outro veto garantiu que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) fiscalize o acesso e exploração do patrimônio genético, evitando a fiscalização exclusiva do Ministério da Agricultura para as atividades de agricultura.
Agora, para o bem e para o mal, o texto da lei é definitivo. As esperanças, talvez vãs, de ter um sistema de acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional que realmente valorize nossa biodiversidade, que seja participativo e plural, que fomente a inovação e que funcione como estratégia de conservação da natureza estão depositadas no processo de regulamentação da lei, ora em curso.
Tal processo deve terminar em meados de novembro quando a lei entrará em vigor e será lançado um decreto que visa sua regulamentação, pois sem ele, a lei não poderá funcionar (saiba mais). Se funcionará com ele, é ainda um enigma. Até o momento, porém, nada deixa entrever um futuro auspicioso…
Entenda a Lei de Acesso ao Patrimônio Genético
O que são os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais?
Os recursos genéticos da biodiversidade são encontrados em animais, vegetais ou micro-organismos, por exemplo, em óleos, resinas e tecidos, encontrados em florestas e outros ambientes naturais. Já os recursos genéticos da agrobiodiversidade estão contidos em espécies agrícolas e pastoris. Comunidades de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares, entre outros, desenvolvem e conservam, por décadas e até séculos, informações e práticas sobre o uso desses recursos.
Tanto o patrimônio genético quanto esses conhecimentos tradicionais servem de base para pesquisas e produtos da indústria de remédios, sementes, gêneros alimentícios, cosméticos e produtos de higiene. Por isso, podem valer milhões em investimentos. O Brasil é a nação com maior biodiversidade do mundo e milhares de comunidades indígenas e tradicionais, por isso é alvo histórico de ações ilegais de biopirataria, crime que a nova lei deveria coibir e punir.
O que é a “repartição de benefícios” prevista na nova Lei e na CDB?
A Convenção da Diversidade Biológica (CDB), tratado internacional que regula o tema dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, prevê que quem usa e explora economicamente os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais deve remunerar, de forma “justa e equitativa”, os detentores desses recursos e conhecimentos, reconhecendo-os como instrumento valioso de produção de saber.
Especialistas e representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil afirmam que, da maneira como ficou o texto final da nova lei brasileira sobre o assunto, o direito à repartição de benefícios de comunidades indígenas e tradicionais foi prejudicado.(Instituto Socioambiental/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Instituto Socioambiental.
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