Por Joaquín Roy*
Miami, Estados Unidos, 22/9/2015 – Thomas Wenski, arcebispo católico de Miami, qualificou Cuba como “geopoliticamente” importante. Essa afirmação é redundante, considerando a crucial história do país, que é o único no hemisfério ocidental ainda dirigido por um regime marxista-leninista. Mas esse rótulo é relevante pela visita do papa Francisco a Cuba, iniciada no dia 19 e encerrada hoje, que em seguida passará cinco dias nos Estados Unidos.
Esta semana papal na América, para usar os termos de Wenski, revela algumas intenções geopolíticas.
A essa altura da evolução do papado do arcebispo argentino Jorge Bergoglio, de filiação jesuíta, poucas cartas se mantém cobertas.
Por um lado, Francisco segue fiel às obrigações da empresa sagrada e “do reino que não é deste mundo”. Mas é obvio que prioriza os temas “deste mundo”, que, aparentemente, são mais urgentes e graves do que os da outra vida.
Francisco assinalou em cada uma de suas decisões recentes a persistência de um dos “pecados mortais” (que geram condenação) nesse vale de lágrimas, com a imposição de uma existência insuportável para milhões de fiéis, agnósticos e crentes de outras inclinações religiosas.
Antes de passar pelas cidades cubanas e norte-americanas, Francisco surpreendeu, agradou e escandalizou igualmente católicos e gentis com uma série de medidas de alto alcance midiático. Suavizou o processo de anulação do matrimônio, propôs o perdão para as mulheres que decidiram em seu momento pelo aborto, e renunciou a julgar a conduta dos homossexuais.
Para mais travessuras, arremeteu contra o capitalismo, que acusou pelo vergonhoso estado de pobreza e inaceitável desigualdade, além de apontar o desenvolvimento desenfreado como a raiz da ameaçadora mudança climática, cujas consequências afetam com mais sanha “os de baixo”.
É perfeitamente congruente que tenha sido apontado (erroneamente) como integrante da Teologia da Libertação. Por outro lado, deixou sem emprego motoristas, alfaiates, mulheres de limpeza e sapateiros ao se negar a viver como um papa e optar por se comportar como um cidadão normal.
Mas também se comportou com alarmante facilidade como um político terreno, desprezando a aura celestial e se despojando do peso da púrpura, uma carga muito incômoda por estar equipado com apenas um pulmão funcionando.
Em sua esgotadora semana, Francisco se dedicará a uma operação política imponente em dois países americanos de impacto universal. Do êxito que conseguir dependerá de certa maneira que a história não somente o absolva (como em seu dia temerariamente previu Fidel Castro), mas que o reconheça por seus êxitos.
Mas Francisco vai a Cuba e aos Estados Unidos não somente com uma agenda de acordo com suas obrigações do cargo “do outro mundo”, mas para consolidar a presença católica no continente americano, onde os desafios de manter os fiéis são importantes.
Em Cuba, Francisco sabe que a Igreja Católica paradoxalmente aumentou sua influência no castrismo, em comparação com a modesta importância da época republicana. Na época sofreu a competição do surgimento dos ritos africanos e o desdém da liturgia republicana, além da implantação das denominações protestantes.
Durante o castrismo a hierarquia católica soube de suas limitações e se restringiu a cumprir seus trabalhos de conforto e esperança, recebendo silenciosamente o escárnio dos setores radicais do exílio.
Os recentes êxitos na libertação de presos e na mediação da normalização das relações entre Estados Unidos e Cuba somente receberão sua qualificação na história. O cardeal cubano Jaime Ortega se sentiria muito desiludido se algum dia tivesse que confessar que “contra Castro vivíamos melhor”.
Nos Estados Unidos, Francisco enfrenta outro descomunal desafio. Deverá aumentar, ou pelo menos conservar os fiéis, não somente os católicos conservadores, mas também os liberais e não praticantes.
Além disso, terá que conseguir o necessário apoio aos mais necessitados da imigração latino-americana, numericamente de raiz histórica. Uma esmagadora maioria chegou aos Estados Unidos, mais do que fugindo de regimes políticos autoritários, buscando escapar da pobreza, desigualdade, discriminação de gênero e racial em níveis de ignomínia.
A perspectiva de receber uma recompensa em um “reino além deste mundo” não é um canto que os convença. Daí Francisco ter que exercer uma pressão conveniente para que o sistema, pelo qual os recém-chegados (“os pobres da terra” de José Martí) optaram, seja justo e generoso.
Portanto, é na América onde a Igreja Católica, com ou sem Francisco, joga seu futuro. Promessas de recompensa em outro mundo não bastarão para conseguir o apoio dessa imensa maioria. Estão esperando uma oferta que, para dizê-la em terminologia anglo-americana, não possam rechaçar. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. jroy@Miami.edu
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