O maior desafio do século XXI é a regeneração e a ampliação dos bens e serviços públicos e coletivos que tornam a vida civilizada possível. O mais importante deles é o sistema climático que será destruído caso a exploração das reservas em mãos dos gigantes fósseis contemporâneos seja levada adiante. Mas outros bens e serviços comuns da humanidade encontram-se sob ameaça.
A destruição florestal e o esforço de avançar sobre áreas protegidas é um exemplo. Outro exemplo são as cidades dos países em desenvolvimento, que encolhem, de forma crescente, sua natureza pública: seus espaços são limitados não só por um carrocentrismo doentio, mas pelo apartheid territorial que afasta os mais pobres dos locais de maior provisão de utilidades e empregos.
A internet e a rede mundial de computadores (World Wide Web) são os mais importantes bens públicos até hoje criados pela inteligência humana. A Web foi concebida por um grupo de pesquisadores liderados pelo britânico Tim Berners-Lee, no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN, no acrônimo francês). Berners-Lee não só fez a opção de abrir inteiramente a rede, mas trabalhou, desde o início dos anos 1990, para preservar sua neutralidade. A ideia é que os provedores de serviços da internet e os governos não podem estabelecer barreiras econômicas para o acesso a informações, o que diferencia radicalmente a rede de computadores da oferta de programas de televisão paga, por exemplo.
A internet e a rede mundial de computadores abrem possibilidades inéditas para o avanço da cooperação humana. Daí vem a importância da economia colaborativa. Ela desfaz o mito segundo o qual esta cooperação só pode existir sobre a base da estrita defesa de interesses individuais. A Wikipédia é hoje um dos sites mais consultados da internet, tem qualidade equivalente às grandes enciclopédias convencionais e é elaborada inteiramente sobre a base de um processo colaborativo e não remunerado.
Mas isso não quer dizer que a colaboração social a que a internet e a web dão lugar não possa realizar-se em mercados. A sociedade da informação em rede permite que o empreendedorismo de indivíduos e de grupos adquira uma escala que vai muito além dos círculos limitados de suas relações locais. Daí derivam três tendências fundamentais da economia colaborativa que vale a pena observar em 2015.
A primeira é que a internet das coisas, a conectividade generalizada entre objetos e, cada vez mais, entre objetos móveis, abrem caminho para que sejam colocados em comum e valorizados uma quantidade cada vez maior de ativos. Isso já se observa no campo da hospedagem e da mobilidade urbana e vai marcar, cada vez mais, a produção e distribuição de energia. A mais importante empresa alemã de energia declarou publicamente sua renúncia aos fósseis e sua aposta na oferta descentralizada e distribuída de eletricidade.
A segunda tendência é expressa em De Baixo Para Cima, livro aberto recém-publicado por Eliane Costa e Gabriela Agustini , que mostra a impressionante capacidade de produção cultural vinda de comunidades consideradas até recentemente como periféricas. A novidade não está nas organizações pelas quais passa a expressão cultural destas comunidades. Ela está no fato de que dispositivos digitais poderosos, cada vez mais baratos e funcionando em rede, permitem a difusão ampla e o reconhecimento social de expressões que até recentemente confinavam-se a uma esfera quase paroquial, o que facilitava, inclusive, sua criminalização.
A terceira tendência refere-se à apropriação privada dos conteúdos que os indivíduos produzem nas redes. Os modelos de negócios dos gigantes da internet que se apoiam no uso destas informações são objeto de crescente contestação e esta será uma das questões mais interessantes do debate público em torno da colaboração social em 2015.
* Ricardo Abramovay é professor Titular do Departamento de Economia da FEA/USP.
** Publicado originalmente no blog Ricardo Abramovay.
(Blog Ricardo Abramovay)
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