Nairóbi, Quênia, 29/1/2015 – As vozes femininas se fazem ouvir cada vez mais em plataformas internacionais que buscam acordar a agenda hídrica pós-2015, mas isso não acontece no âmbito local. A exclusão das mulheres das áreas rurais gera falências que já causam impacto em países como o Quênia, alertam especialistas.
Na Conferência Internacional da Água, realizada entre 15 e 17 deste mês na cidade espanhola de Zaragoza, “foram adotadas certas posições, mas os que cuidam de implantá-las, que frequentemente são mulheres das áreas rurais, ainda estão na obscuridade”, apontou à IPS o especialista ambiental Dismas Wangai. Como exemplo, citou as cinco represas construídas no rio Tana, o maior do Quênia.
Segundo Wangai, as represas não funcionam de maneira ótima devido ao mau manejo agrário, pois os agricultores continuam cultivando excessivamente perto desses locais. “Essa é uma importante causa de preocupação, porque aproximadamente 80% da água potável do país procede dessas represas, bem como entre 60% e 70% da energia hidrelétrica”, acrescentou.
O especialista destacou que há uma ampla erosão do solo originada na agricultura extensiva que é praticada em torno das represas e, em consequência, “boa parte do solo se assenta nelas. Se isso continuar, as represas produzirão cada vez menos água e energia”.
Mary Rusimbi, diretora-executiva do não governamental fundo de Mulheres da Tanzânia e oradora na conferência de Zaragoza, disse à IPS que as mulheres devem participar do manejo da água em todos os níveis. É muito importante que os movimentos comunitários de mulheres “tenham ingerência no manejo da água, porque elas são as mais afetadas pelas tensões hídricas, e são as melhor posicionadas para implantar melhores práticas”, afirmou.
Segundo Rusimbi, as mulheres constituem pelo menos 80% da mão de obra agrícola na África. “Isso significa que, se não lhes forem ensinadas práticas de cultivo, isso terá sérias implicações para o manejo da água”, acrescentou.
Alice Bouman, presidente fundadora honorária da Associação de Mulheres para a Água, disse à IPS que o déficit para atender necessidades básicas afeta a população feminina em particular, ou seja, “elas estão melhor situadas para fornecer informação valiosa sobre os desafios que enfrentam para ter acesso à água”. Portanto, acrescentou, “elas têm mais probabilidades de abraçar soluções para o mau manejo da água, porque são as que sofrem as tensões hídricas em um nível mais imediato”.
Segundo Bouman, é hora de os sócios hídricos mundiais começarem a incluir as mulheres locais como sócias e não meramente como grupos vulneráveis aos caprichos da mudança climática. Ela afirmou que as ações em torno da água devem aproveitar o capital social das mulheres, porque elas “estabelecem conexões e redes fortes de maneira muito fácil, e estas redes podem se tornar veículos para criar consciência sobre o manejo hídrico”.
Bouman também pediu o desenvolvimento de um enfoque mais exaustivo do manejo hídrico que inclua a perspectiva de gênero. Por sua vez, Rusimbi ressaltou que, embora para as mulheres talvez seja mais difícil se fazerem ouvidas nas conferências internacionais sobre a água, podem consegui-lo por meio de organizações da sociedade civil.
Rusimbi também pediu que se “envolva as mulheres das áreas rurais nesses debates desde o momento de desenhar essas intervenções. Elas têm mais para dizer do que o resto de nós, porque interagem com a água em níveis muito diferentes, que são cruciais para um manejo sustentável”, destacou.
Wangai enfatizou que as mulheres das áreas rurais, que passam muitas horas procurando água, costumam ser associadas apenas às necessidades domésticas da água. “Frequentemente, a gente diz que elas passam horas caminhando em busca de água e, portanto, precisam que sejam cavados poços mais perto de onde moram”, mas o debate sobre a água deve ser ampliado e abordar de modo proativo e consciente a necessidade de incluir as mulheres das áreas rurais na abordagem dos desafios hídricos que ainda enfrentamos, acrescentou. Envolverde/IPS
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