A crise hídrica tem sido assunto recorrente nas conversas de todas as rodas, principalmente na cidade de São Paulo. Seja dentro de nossas casas com pessoas queridas, nas portarias de prédios entre vizinhos ou como “quebra gelo” em reuniões de negócios, a falta d’água entra em pauta. Nesses casos, em alguns momentos a impressão que fica é que ela toma conta do tempo da reunião, tamanha é a necessidade das pessoas em discutir e, quem sabe, ouvir que existe uma solução já encaminhada que mantenha nosso suprimento de água.
Já faz algumas semanas que venho relutando em escrever este artigo. Tenho discutido com pessoas altamente gabaritadas nos campos da sustentabilidade no Brasil, e esses diálogos, somados ao que assisti ontem no programa Entre Aspas (apresentado pela Mônica Waldvogel na Globo News), me encorajaram de vez a manifestar meus mais sombrios temores acerca das consequências de uma crise hídrica em São Paulo. E quem sabe a externalização desses temores sirva para engrossar as fileiras de quem percebe na crise hídrica uma questão de ampla gravidade.
Nos últimos dias tem se falado sobre o “êxodo urbano” que a seca causará em São Paulo. Isso é um quadro real e bem possível, mas ele não reflete integralmente a dramaticidade da situação. O movimento Nossa São Paulo também está alertando sobre esse cenário, mas ao findar a leitura do artigo de Oded Grajew, parece que a crise afetará somente a capital.
Então, digo: se São Paulo colapsar por falta de água, as consequências serão só comparáveis a de uma guerra. E pior, uma guerra em que o Brasil tivesse saído derrotado. E chegar a essa conclusão é simples: a cidade de São Paulo tem o terceiro maior orçamento do Brasil, atrás somente do Estado de São Paulo e da União. Na cidade e região metropolitana sensível à falta d’água residem mais de 20 milhões de pessoas. No entanto, como é o centro financeiro do país, base de matrizes de empresas nacionais e multinacionais, o impacto nos níveis social e econômico desse possível nocaute pode ser equivalente a algumas situações comuns apenas em situação de exceção.
Ao constatarem que a vida não é mais viável na cidade, as pessoas começariam a sair de forma desorganizada e o pânico começaria a se instalar na população. Rapidamente assumiria a forma de efeito manada, e isso traria consequências como: quebra generalizada de contratos, sejam de financiamentos bancários e crédito, seguros, serviços, trabalhistas, imobiliários, dentre todos os outros que se possa imaginar. Bancos e seguradoras entrariam em concordata ou falência, dezenas ou centenas de milhares de trabalhadores pelo Brasil inteiro perderiam seus empregos (de CEOs a porteiros de prédios, não importa). O sistema judiciário colapsaria junto com a água, sem condições de atender à súbita e avassaladora demanda. Invejaríamos o ambiente institucional atual de países como Venezuela e Ucrânia.
Sim, é assustador. Mas, ainda pode ser evitado.
Como?
Com a conscientização das pessoas em torno da gravidade do que nos aguarda. É chegada a hora de correligionários de governo e oposição encerrarem esses enfadonhos “debates” políticos que não levam a nada, que não seja fustigar ainda mais a severidade da situação. Já não importa mais de quem é a responsabilidade, pois quando a água faltar não vai adiantar dizer “eu avisei para não votar neles!”. É preciso canalizar a energia de ressentimentos políticos de eleições perdidas e cobrar dos governantes soluções efetivas – unidos!
Acredito que nem a presidente Dilma ou o governador Alckmim querem entrar para a história como os governantes eleitos pelo voto popular que levaram o Brasil a uma derrocada histórica, provocando um retrocesso de décadas. Eu não discordo totalmente do ministro de Minas e Energia Eduardo Braga, quando deposita fé que “Deus é brasileiro” e vai nos salvar (dito ontem 20 de Janeiro). A hora é de ter fé sim, mas nas pessoas, na movimentação social em torno da questão e nos nossos governantes e instituições, que ainda têm os meios para impedir essa tragédia.
Se a água virá de perfurações no aquífero Guarani, de transposição de rios, ou mesmo das improváveis chuvas no que resta do Verão, agora não importa. Temos que pressionar pela busca da solução mais adequada, seja ela qual for.
Deus já fez muito pelos brasileiros, então é hora retribuirmos a Ele fazendo a nossa parte.
* Rodrigo Holtermann Lagreca é empreendedor na área de educação para consumo e concorrência e na área comportamental para conservação de recursos.
** Publicado originalmente no site Mercado Ético.
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