San Nicolás Lempa, El Salvador, 15 de outubro de 2012 (Terramérica).- Com motosserras, facões e pás, moradores da salvadorenha bacia do Bajo Lempa, perto do Oceano Pacífico, desobstruem vias fluviais e cortam galhos das árvores sobre as ribeiras para evitar que caiam nas águas de cor de chocolate. Um grupo trabalha no Rio El Espino. Outro faz o mesmo no El Borbollón, situado na mesma área do Bajo Lempa, departamento de Usulután, sudoeste do país.
Quando as águas fluem mais livremente, evita-se que os rios transbordem com as chuvas e inundem as plantações, fenômeno cada vez mais frequente com os transtornados ciclos de chuva e estiagem. Vários quilômetros para o sul, nos mangues da Baía de Juquilisco, Brenda Arely Sánchez percorre, com a água pela cintura, um canal do Cuche de Monte que, à força de facão, ela e um pequeno exército de mulheres reabrem para melhorar o fluxo de água salgada e fomentar o reflorestamento do mangue.
O canal, obstruído durante anos por raízes e sedimento, não permite a entrada da água salgada quando há maré alta, e 70 hectares de mangue estavam morrendo lentamente porque essa espécie necessita um meio salobre. “Carregando nas costas, em recipientes plásticos, tiramos o lodo e raízes do canal”, contou Sánchez, uma das 30 mulheres que participam deste esforço. Estas mulheres e estes homens são parte da Associação Mangue, da área do Bajo Lempa e da Baía de Jiquilisco, uma zona que em 2007 foi declarada Reserva da Biosfera Xiriualtique, Juquilisco pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
A Associação Mangue estende suas ações da proteção da diversidade biológica até a gestão de riscos para reduzir a vulnerabilidade às inundações, que ficam mais severas ano após ano. As terras do Bajo Lempa – uma planície costeira que compreende a maior extensão de mangues de El Salvador – foram exploradas por latifundiários como algodoeiras até a década de 1970, quando o cultivo diminuiu. Ao fim da guerra civil salvadorenha com os acordos de paz de 1992, muitos ex-combatentes da então insurgente e agora governante Frente Farabundo Martí para a Liberação Nacional receberam terras nessa área para se reintegrarem à vida civil.
Isso explica a abundância de organizações comunitárias. Os moradores alegam que a tradição organizacional dos tempos de guerra é aplicada agora em projetos sociais e ambientais, sobretudo para enfrentar o que todos identificam como efeitos da mudança climática. “Antes sabíamos que as chuvas começavam em maio e acabavam em outubro. Agora já não se sabe quando começarão ou terminarão, se haverá seca ou temporal”, afirmou ao Terramérica o coordenador da limpeza dos rios e da abertura do canal em Cuche de Monte, Carlos Barahona.
Até agora foi feita metade da dragagem de 4,2 quilômetros de El Espino e El Borbollón, iniciada em julho e financiada pelo Ministério de Meio Ambiente e Recursos Naturais após os destroços deixados pela depressão tropical 12-E, em outubro de 2011. Esta tempestade foi o evento meteorológico mais severo registrado em El Salvador, porque causou chuvas de 1.513 milímetros, equivalentes a 42% da média das precipitações anuais no período 1971-2000, afirmou em outubro de 2011 a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Morreram 35 pessoas e o prejuízo econômico chegou a US$ 900 milhões. A região mais afetada foi o Bajo Lempa.
“Com o furacão Mitch (1998) a situação foi feia, mas este foi pior. Deixamos nossas casas e fomos para abrigos quando a água já chegava ao pescoço”, recorda Sánchez. A mudança climática associa-se a precipitações variáveis e mais intensas. Mas as inundações aqui se prolongam porque os canais de drenagem, construídos durante o auge do algodão, não encontram desafogo nos sedimentados rios El Espino e El Borbollón. Outra causa das inundações são as descargas da represa hidrelétrica 15 de Setembro, situada águas acima no Rio Lempa, quando as chuvas torrenciais obrigam à abertura das comportas. Frequentemente essas descargas são feitas sem aviso prévio, queixa-se a população.
O Lempa, o mais longo rio deste país, transborda em seu trecho inferior cobrindo cerca de 20 comunidades. “Sempre teremos inundações, mas agora a vantagem é que, com os rios limpos, a água seguirá mais rápido”, opinou Barahona. Além disso, esses rios voltarão a ser navegáveis, e agricultores e pescadores poderão transportar seus produtos em barcos. A abertura do canal em Cuche de Monte, de quatro quilômetros, está dando frutos desde que começaram os trabalhos, em julho. Deteve-se a morte de 70 hectares de mangues, e já se vê brotos de mangues e os peixes e crustáceos, ausentes quando o canal permanecia fechado, voltaram.
Pargos, bagres, robalos e camarões são algumas espécies observadas nas águas do canal, explica ao Terramérica o guarda florestal da reserva da biosfera, José Manuel González, natural do Bajo Lempa. Pela importância de suas espécies, desde 2005 a reserva está protegida pela Convenção Relativa aos Mangues de Importância Internacional Especialmente como Habitat de Aves Aquáticas, assinada em 1971 em Ramsar, no Irã. “O projeto está ajudando as pessoas, porque recuperar o mangue é bom para todos e, ao mesmo tempo, se dá emprego às famílias envolvidas nos trabalhos”, explicou González.
Este esforço é impulsionado pelo Fundo da Iniciativa para as Américas, um acordo assinado em 1993 pelos governos de El Salvador e Estados Unidos para o alívio da dívida soberana deste país, em troca de investimento em programas ambientais. O fundo criado para esse fim conta com US$ 41,4 milhões. Em Cuche de Monte se pretende que o ecossistema se regenere naturalmente, mediante a restauração ecológica do mangue (REM), que, em lugar de promover a plantação de uma ou outra espécie de mangue, requer identificar as causas do dano e depois fazer sua remoção. A REM é ensinada na área por especialistas do Projeto de Ação pelos Mangues (MAP). “A natureza é a que melhor sabe quais espécies de mangue são as que convêm ser desenvolvidas ali”, observou Barahona.
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FONTE : Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.
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