O cenário do saneamento básico – oferta de água limpa com coleta e tratamento de esgoto – no Brasil é de uma discrepância inaceitável. Sétima maior economia do Planeta, o país ocupa a 112ª posição num ranking entre 200 nações avaliadas no Índice de Desenvolvimento do Saneamento. Na aferição mais recente, de 2011, esse indicador, que vai de zero a um, sendo um a situação ideal, nos pontuou com 0,581, desempenho que nos deixa distantes da média desejável de países da América do Norte e da Europa e abaixo de algumas nações do Norte da África, do Oriente Médio e de vizinhos da América Latina.
O indicador, que leva em consideração a cobertura por saneamento atual e sua evolução recente, reflete impactos negativos em áreas vitais para qualquer sociedade – saúde, educação, produtividade, geração de renda, qualidade ambiental e até no índice de felicidade das Nações Unidas. Em resumo, o saneamento interfere de forma direta e concreta nas três principais dimensões da sustentabilidade – econômica, social e ambiental.
Nosso passivo na área de saneamento é histórico. Há 50 anos, apenas uma em cada três moradias estava ligada à rede de coleta de esgoto ou à rede pluvial. Em relação ao destino do esgoto coletado, a situação era ainda mais dramática: apenas 5% dos efluentes líquidos recebiam algum tipo de tratamento. O restante era despejado diretamente no meio ambiente. Evoluímos de lá para cá, mas em ritmo lento, quando comparamos com a expansão econômica do país, o salto no número de habitantes e a excessiva concentração demográfica nos perímetros urbanos. Hoje, 55% das moradias estão cobertas com rede coletora, mas apenas 37,5% do esgoto é tratado. Também não conseguimos ainda universalizar a rede de água: 17,6% dos brasileiros não contam com esse serviço.
As consequências negativas do quadro atual do saneamento para a sociedade brasileira são detectadas em múltiplas áreas. Ajudam a explicar, por exemplo, nossos índices tão ruins nos indicadores de saúde pública, perdendo comparativamente para países de economias bem mais modestas. Tanto na taxa de mortalidade infantil, que é de 12,9 mortes por 1.000 nascidos vivos, quanto na expectativa de vida, 73,3 anos, estamos em situação inferior à de países latino-americanos como Argentina, Chile e Cuba.
O Instituto Trata Brasil e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) concluíram recentemente o estudo “Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro”, no qual comparam os dados reais extraídos dos órgãos oficiais brasileiros em diversas áreas com um cenário hipotético (e almejado) de um Brasil com déficit zero de saneamento básico. No fim das contas, o estudo revela que o custo para alcançarmos este patamar ideal seria de R$ 312,2 bilhões em valores de hoje.
Em 2013, de acordo com o DataSus, do Ministério da Saúde, foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções gastrointestinais, das quais 50% eram crianças e adolescentes de até 14 anos. Caso o país tivesse universalizado o saneamento, o número de internações cairia para 266 mil, o volume de despesa do Sistema Único de Saúde seria reduzido em R$ 27,3 milhões com as internações e teríamos uma queda de 15,5% no número de mortes de pacientes internados.
Os impactos desse problema na educação são da mesma forma evidentes. Estudantes que residem em áreas sem saneamento têm maior atraso escolar em relação aos colegas que vivem em bairros saneados. Com a universalização do acesso ao saneamento, haveria uma redução de 6,8% do atraso escolar, melhorando assim o nível da escolaridade média com efeitos positivos de longo prazo, tanto para estudantes na vida adulta quanto para a sociedade.
A produtividade do país também é bastante afetada. Em 2012, houve uma perda estimada de 849,5 mil dias de trabalho por afastamento causado por diarreia ou vômito. O custo desse abstencionismo foi de R$ 1,11 bilhão em horas pagas e não trabalhadas. A universalização dos serviços de água e esgoto reduziria o número de faltas em 23% e os custos em R$ 258 milhões.
O descompasso entre os que têm acesso ao saneamento e os excluídos desse serviço leva a uma defasagem salarial entre os dois grupos. Trabalhadores sem acesso ao saneamento ganham em média ao longo da carreira 10% menos do que os colegas da mesma faixa hierárquica, reflexo de uma formação escolar mais frágil, no passado, e de problemas de saúde no presente. Com a universalização do serviço de água e esgoto, haveria uma elevação de 6,1% na massa de salários do país (hoje em torno de R$ 1,7 trilhão), possibilitando um crescimento da folha de pagamentos de R$ 105,5 bilhões por ano.
Os impactos econômicos e sociais podem ser observados ainda no mercado imobiliário e no turismo, duas atividades intrinsecamente ligadas à infraestrutura e qualidade ambiental. Há por exemplo uma diferença de 13,6% entre o valor de dois imóveis – um com e outro sem acesso ao saneamento. Com a universalização, a valorização dos imóveis chegaria a R$ 178,3 bilhões e incidiria, como consequência, no aumento da arrecadação de impostos, como IPTU e ITBI, calculado em valores de hoje em R$ 1,02 bilhão por ano.
No turismo, estima-se que a universalização criaria quase 500 mil postos de trabalho, entre colocações em hotéis, pousadas, restaurantes, agências de turismo, empresas de transportes de passageiros etc. A renda gerada com essas atividades alcançaria R$ 7,2 bilhões por ano em salários e um crescimento de PIB de mais de R$ 12 bilhões para o país. Hoje, nossa taxa de fluxo de turistas estrangeiros é de 27 visitantes por mil habitantes, desempenho muito abaixo de alguns de nossos vizinhos mais bem atendidos por saneamento, como Cuba (238 turistas por mil habitantes), Chile (176) e Argentina (139).
As projeções feitas para um cenário ideal nos levam a constatar o tamanho do nosso passivo, mas indicam que é possível vencer o desafio de universalizar o saneamento no país. Se somarmos os benefícios financeiros demonstrados no estudo, aliados aos ganhos tangíveis e intangíveis nas dimensões social e ambiental, chegaremos à conclusão que esses ganhos superam amplamente o valor necessário para alcançar a universalização desses serviços.
Uma bem estruturada aliança entre governos, empresas e sociedade civil é o melhor caminho para adequar a nossa infraestrutura ao tamanho e pujança do Brasil, além de, e principalmente, possibilitar condições mais dignas de vida aos brasileiros.
* Marina Grossi e Édison Carlos é presidenta do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e Presidente do Instituto Trata Brasil, respectivamente.
** Publicado originalmente no site Eco21.
(Eco21)
Um comentário:
Bem como Enfermeira Sanitarista, apesar de aposentada, só podemos parabenizar o Blog pela postagem. Sabemos, vivenciamos o efeito danoso da falta de interesse em investir em sanemento básico, o efeito danoso sobre a saúde da comunidade, Não melhoraremos a qualidade de vida sem investirmos nesta ação vital em saúde pública,.Grata, repassando para os Blogs e rede. Sonia
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