Agência Fapesp – Uma ferramenta computacional desenvolvida por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) permite prever com pelo menos 48 horas de antecedência como será a qualidade do ar nas diferentes partes da Região Metropolitana de São Paulo considerando as condições meteorológicas e os níveis de emissão e dispersão de poluentes.
Os resultados das simulações de qualidade do ar realizadas com o modelo matemático nomeado WRF/Chem (Weather Research and Forecasting model coupled with Chemistry) – uma adaptação da ferramenta usada no The National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) e no The National Center for Atmospheric Research (NCAR), dos Estados Unidos – estão disponíveis para consulta gratuita na página http://www.lapat.iag.usp.br/.
A plataforma foi aperfeiçoada no âmbito do Projeto Temático FAPESP “Narrowing the uncertainties on aerosol and climate changes in São Paulo State: NUANCE-SPS”, coordenado pela professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP) Maria de Fátima Andrade.
“Um dos principais objetivos da plataforma é combinar a estimativa de concentração de poluentes com a previsão de possíveis impactos na saúde pública e o impacto de uso dos diferentes combustíveis para a qualidade do ar. A ideia é antecipar eventos de maior poluição que possam causar aumento na admissão em hospitais decorrente, por exemplo, de doenças respiratórias. Isso ajudaria no planejamento dos serviços de saúde”, disse Andrade.
Outra vantagem da ferramenta é permitir estimar a qualidade do ar em áreas da Região Metropolitana de São Paulo que não contam com estações de monitoramento da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), ressaltou Thiago Nogueira, bolsista FAPESP de pós-doutorado e membro da equipe do Projeto Temático.
“A Região Metropolitana de São Paulo tem 26 estações de monitoramento que registram as concentrações de poluentes e, com base em padrões legais e nas condições meteorológicas, informam se naquela região a qualidade do ar está boa ou ruim. Mas essas estações não conseguem medir de maneira tão representativa toda a região metropolitana, que é muito extensa”, disse Nogueira.
Uma terceira utilidade da ferramenta, de acordo com os pesquisadores, é a possibilidade de desenhar cenários futuros de concentração de poluentes considerando fatores como mudanças climáticas, estimativas de desenvolvimento urbano e alteração no perfil e no tamanho da frota veicular. Isso poderia, por exemplo, ajudar a avaliar benefícios de políticas públicas que visam a estimular o uso de etanol, biodiesel e outros combustíveis considerados menos prejudiciais ao ambiente.
Levantamento de dados
A plataforma leva em conta a concentração de gases de efeito estufa e dos principais poluentes regulamentados, ou seja, aqueles que têm uma concentração máxima aceitável estabelecida por órgãos nacionais e internacionais, como Cetesb, Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA).
Entre os compostos medidos estão os óxidos de nitrogênio (NOx), o monóxido de carbono (CO) e alguns compostos precursores do ozônio troposférico, como hidrocarbonetos e aldeídos. Também foi avaliada a concentração de material particulado fino que, dependendo da composição, pode refletir ou absorver a radiação solar e ter diferentes impactos no clima e na saúde humana.
“As fontes de poluição podem ser classificadas em estacionárias, como as indústrias e residências, e em fontes móveis, representadas principalmente pelos veículos. No caso da Região Metropolitana de São Paulo, a principal fonte de poluição atmosférica é a emissão veicular”, afirmou Nogueira.
Segundo dados da Cetesb, contou o pesquisador, cerca de 72% do CO existente na atmosfera paulistana tem como fonte os veículos leves. As motos emitem outros 19% e os veículos pesados, como caminhões e ônibus, 6%.
No caso dos hidrocarbonetos, poluentes primários que reagem na atmosfera e formam ozônio, 60% vêm de veículos leves, 11% de motos e 6% de veículos pesados. Já 60% dos óxidos de nitrogênio, poluente também responsável pela formação de ozônio na atmosfera, são emitidos por veículos pesados, 19% pelos veículos leves e 1% pelas motos.
Para determinar a quantidade de poluente emitido pelos veículos são realizados experimentos para a determinação dos chamados “fatores de emissão”, ou seja, a quantidade (em massa) de cada um dos poluentes emitida por cada tipo de veículo existente na frota da capital a cada quilômetro rodado.
Os experimentos envolvem medidas em túneis de tráfego de veículos e medidas em laboratório. Além disso, foram usadas para alimentar o modelo matemático as medições feitas rotineiramente pela Cetesb em veículos novos para verificar se atendem aos padrões legais de emissão.
“No laboratório é avaliada uma amostra, composta de veículos usados de diferentes modelos e idades. Equipamentos são acoplados no escapamento do carro e é simulada uma condição real de uso. Nesses experimentos são medidas as emissões de veículos rodando com gasolinas de diferentes composições, com etanol, e de veículos movidos a diesel ou biodiesel”, explicou Nogueira.
Dois experimentos em túneis foram realizados em 2011: no Túnel Presidente Jânio Quadros, sob o rio Pinheiros, onde passam apenas veículos leves e motos, e em um dos túneis do Rodoanel Mário Covas, onde o fluxo é variado.
“Levamos grande parte do nosso laboratório para dentro dos túneis e, durante duas semanas, captamos amostras de ar e analisamos o que estava sendo emitido pelos veículos. Esse tipo de estratégia é interessante porque temos ali uma frota mais representativa do real, em condições reais de uso e não temos interferência de radiação solar e de outras fontes de emissão de poluentes”, explicou Nogueira.
Para complementar a coleta de dados, durante o projeto de mestrado de Ivan Hetem, foi medida a ressuspensão de poeira do solo decorrente da movimentação de veículos, fator que influencia na concentração de material particulado da atmosfera.
“Partindo dessas fontes, é possível calcular no modelo as concentrações ambientais de poluentes. Mas o fluxo de veículos varia de acordo com o tipo de via e isso precisa ser informado ao modelo. Para isso usamos informações da CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] e de mapas georreferenciados”, contou Andrade.
Ainda segundo Andrade, o grupo vem realizando análises para entender como os poluentes emitidos reagem na atmosfera em função de fatores como temperatura, umidade relativa do ar, direção e velocidade dos ventos.
“O objetivo é entender a química de formação desses poluentes na atmosfera, principalmente a do ozônio e a do material particulado fino, que têm um importante papel no balanço radioativo e impacto significativo na saúde”, disse Andrade.
A plataforma continua sendo aprimorada pelos pesquisadores e é diariamente comparada com as medições do ar atmosférico feitas por um conjunto de equipamentos alocados no IAG/USP. O grupo planeja ainda realizar uma nova campanha de medições em túneis para obter dados atualizados dos fatores de emissão veicular.
“As medidas feitas diariamente no IAG servem para validar as previsões do modelo e para alimentá-lo continuamente. Estamos acompanhando, por exemplo, o impacto das mudanças no perfil da frota de veículos pesados. Hoje já está disponível um diesel com menor teor de enxofre, o que permite aos veículos pesados utilizar um novo motor e catalisador. Mas até que haja renovação da frota serão necessários alguns anos”, contou Nogueira.
Segundo Andrade, o modelo matemático ajudará a alcançar um dos objetivos centrais do Projeto Temático, que é entender como a Região Metropolitana de São Paulo contribui como fonte de gases e partículas para as mudanças climáticas e, por outro lado, como o clima local e a formação de poluentes serão afetados pela elevação da temperatura e demais alterações meteorológicas associadas às mudanças climáticas.
Segundo a pesquisadora, as primeiras análises sugerem que, embora exista a tendência de queda na emissão de alguns poluentes, os níveis de ozônio devem continuar aumentando nos próximos anos por influência das mudanças climáticas.
“A diminuição da emissão dos precursores primários acaba sendo compensada pela mudança nos padrões de temperatura e umidade que favorecem as reações que formam o ozônio na atmosfera. As forçantes do clima têm uma influência significativa que podem impedir uma queda mais significativa nessa concentração, conforme mostrou a tese de doutorado de Caroline Mazzoli”, contou a pesquisadora.
Andrade destacou, para o desenvolvimento da ferramenta, a parceria com pesquisadores da Cetesb e de diversas instituições da USP, como a Faculdade de Medicina (FMUSP), o Instituto de Física (IF/USP), o Instituto de Química (IQ/USP), o Instituto de Botânica (IB), a Faculdade de Saúde Pública (FSP/USP), o Instituto de Geociências (IGc/USP), a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH/USP) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Também colaboraram cientistas da Universidade Federal do ABC (UFABC), da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
“Muitos resultados relevantes estão sendo obtidos a partir dessa colaboração. Alguns projetos estão ligados diretamente à melhoria da resolução e representação das emissões no modelo, como os projetos de tese de Angel Vela e Sergio Ibarra e as dissertações de mestrado de Mario Calderon e Camila Homann. Outros trabalhos dedicam-se ao conhecimento da composição e do comportamento dos constituintes atmosféricos, como nas teses de Pamela Dominutti, Beatriz Oyama, Marcelo Silva Viera-Filho e Carlos Oliveira”, ressaltou Andrade.
* Publicado originalmente no site Agência Fapesp.
(Agência Fapesp)
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