No meio da mata, surgem casas de alto padrão. Da janela de uma delas, uma moderna mansão de dois andares, o engenheiro civil Arthur Pinheiro da Costa Ramos Neto, de 34 anos, tem uma vista privilegiada: a Floresta Amazônica. O condomínio em que vive está em uma área de quatro milhões de metros quadrados, duas vezes o tamanho do principado de Mônaco, cravada na região do Tarumã, em Manaus, capital do Amazonas. “Acordar com a vista para a floresta é impagável. Tenho que sentir essa paz e todo dia olhar essa exuberância”, conta sorrindo. “Tem o canto dos passarinhos, os macacos passando de um lado para o outro, preguiça, arara, cobra.”
Localizado em Ponta Negra, a área mais nobre da capital manauense, o local integra a rede nacional de condomínios de luxo Alphaville. Em Manaus, a primeira unidade existe desde 2008, quando todos os lotes esgotaram oito horas após o lançamento. Hoje, a franquia vende espaços em mais duas áreas do local. E começa a atrair a atenção dos ricos da região. “Em menos de um ano, houve um boom de interessados”, explica Agnaldo Jenkins, administrador do condomínio.
Mas, em meio à paisagem bucólica e tranquila do local, faltam habitantes humanos. Há apenas seis casas com moradores e outras oito em construção. São menos de 40 pessoas, ante um número bem maior de funcionários para manter limpa a piscina semiolímpica, cercada por árvores gigantes da floresta, além das quadras esportivas e as instalações de lazer.
Somando os três empreendimentos, há mil lotes disponíveis e a previsão de que 7 mil pessoas passem a viver na floresta nos próximos anos. Mas o condomínio não é o único, há outras empresas construindo casas semelhantes na região. “É até engraçado, mas os animais respeitam as casas. Os pássaros, macacos e cobras estão sempre em volta, mas não dentro das residências”, conta Neto.
As cordas amarradas nos topos dos muros para que os macacos circulem pelo condomínio, no entanto, evidenciam o impacto ambiental da obra. Devido à dimensão do complexo Alphaville, a área engloba diversos corpos d’água, como nascentes e igarapés. Entretanto, segundo o Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam), um dos órgãos responsáveis pela licença ambiental, a construção não está em Área de Preservação Permanente (APP). “Mas APP’s encontram-se inseridas no complexo, pois nem toda a área é efetivamente APP”, diz o órgão em nota.
Como o interesse ecológico da região é relevante, o licenciamento foi feito em conjunto pelos três órgãos ambientais responsáveis: Ibama, Ipaam e Secretaria de Meio Ambiente de Manaus (Semmas). O condomínio não é irregular, mas exemplifica um processo de crescimento desordenado de Manaus que precisa ser contido, sustenta Kátia Schweickardt, secretária da Semmas. “A sociedade precisa participar do diálogo e preservar o máximo da mata. Hoje, a legislação prevê que empreendimentos precisam manter o mínimo de 5% de área preservada. Mas o plano diretor da cidade está sendo revisto.”
O crescimento desordenado é comum em diversas cidades brasileiras, mas é agravado pelo desrespeito ao zoneamento urbano. “O uso destas áreas de mata sempre passa por algum órgão de controle, mas a administração brasileira não respeita a legislação”, afirma Reinado Correia, geógrafo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “É comum que os donos destes empreendimentos tenham influencia política para facilitar a construção.”
Para equilibrar o impacto ambiental da obra, a construtora dos condomínios criou uma APP ao longo das margens do Igarapé do Gigante com as características originais, pois os animais da área se movimentam seguindo o curso das águas. No maior dos Alphavilles, há sete áreas de preservação.
O “atrativo” da vida na floresta a 30 minutos do centro de Manaus precisa concorrer com a ausência de sinal de internet e celular. Mas o condomínio tenta “compensar” os futuros moradores com “mimos”. Além das áreas de lazer planejadas com paisagismo, estuda-se a construção de uma marina, diz Jenkins. O local fica próximo ao Rio Tarumã. “É uma área de poder aquisitivo alto, muita gente que vem para cá tem lanchas em marinas próximas.”
Para manter o alto padrão do empreendimento, os interessados em morar ali devem seguir uma “cartilha” para a construção de suas casas. “Não é só comprar o lote e fazer a casa do jeito que quiser”, afirma o administrador. Todas as casas precisam ter dois andares, mas o estilo arquitetônico fica ao gosto do dono.
Toda essa exclusividade custa caro. Os lotes variam entre 200 e 250 mil reais e as construções chegam a 2 milhões. São casas que, como na maioria das áreas ricas do Brasil, exigem como status uma legião de empregados domésticos. Sem carros, para esse contingente de funcionários a distância do centro é longa e a ausência de transporte público um complicador. Nada que não possa ser resolvido, sugere Jenkins. “Oferecemos precariamente transporte para as domésticas. Aqui é tudo mato ainda. Está sendo desbravado.”
* Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)
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