“A água é um recurso para a cooperação”
por Thalif Deen, da IPS
Bokova destacou que a história demonstra que as disputas pela água são resolvidas inclusive entre os inimigos mais acirrados, e mesmo que o conflito possa envolver outros temas. “Alguns dos inimigos mais intransigentes do mundo negociaram acordos pela água ou estão em processo de fazê-lo”, destacou esta ex-chanceler búlgara que estudou nas universidades de Maryland e Harvard, nos Estados Unidos.
“Em geral, se diz que a água pode ser uma fonte de conflito. Mas na Unesco somos guiados pela ideia oposta. Queremos ver a água como um tremendo recurso para a cooperação, para o intercâmbio e o trabalho conjunto entre os Estados e as sociedades”, ressaltou Bokova, primeira mulher a liderar a Unesco, e espera-se que inicie um segundo mandato de quatro anos a partir de outubro.
A Organização das Nações Unidas (ONU) indicou que o Ano Internacional da Cooperação na Esfera da Água destacará iniciativas de sucesso em colaboração neste campo, além de enfatizar “temas importantes sobre educação, diplomacia, administração transfronteiriça, cooperação financeira, marco legal nacional e internacional e vínculos com as Metas do Milênio”. Segundo Bokova, “Precisamos de uma nova visão que coincida com a igualdade social, a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico sustentável”.
IPS: Quais são atualmente as áreas específicas de cooperação entre os países em matéria de água?
Irina Bokova: O Comitê do Mekong funciona desde 1957, e trocou informação durante toda a Guerra do Vietnã. Foram realizadas reuniões secretas entre Israel e Jordânia desde as fracassadas negociações de Johnston entre 1953 e 1955, ainda quando esses países estavam em guerra. A Comissão do Rio Indo sobreviveu a duas guerras entre Índia e Paquistão, e os dez países banhados pelo Nilo agora participam de negociações para cooperarem na exploração de sua bacia. Há numerosos exemplos nos quais recursos hídricos transfronteiriços são fonte de cooperação em lugar de conflito. Entre 1820 e 2007 foram assinados aproximadamente 450 acordos sobre águas internacionais.
IPS: São viáveis os esforços da ONU para fomentar a cooperação na esfera da água em um contexto de conflitos por esse recurso, como os existentes entre Índia e Paquistão e Israel com Jordânia e Palestina?
IB: O papel da ONU é oferecer uma plataforma para o diálogo e a comunicação por meio das ferramentas que estão disponíveis. Cada agência facilita a cooperação a partir de um ângulo específico de intervenção. A Unesco, por exemplo, utiliza a educação e a ciência como meios para intervir em uma situação na qual é preciso estabelecer ou fortalecer a cooperação. Dois programas únicos proporcionam aos Estados-membros informação científica necessária para todo tema de administração da água em qualquer nível, seja local, nacional, regional ou internacional. O Programa Hidrológico Internacional é o único plano científico cooperativo intergovernamental que procura ajudar os Estados-membros a administrarem seus recursos de água e atenderem as necessidades de seus povos por meio da ciência e da educação. Em segundo lugar há o Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos, que proporciona informação valiosa e avaliações regulares dos recursos de água no planeta, sem a qual os que tomam as decisões não poderiam avançar em sua tarefa.
IPS: Algum exemplo concreto?
IB: O programa Do Conflito Potencial Para a Cooperação Potencial, da Unesco, facilita o diálogo interdisciplinar e em vários níveis para fomentar a paz, a cooperação e o desenvolvimento, fortalecendo capacidades para administrar recursos hídricos transfronteiriços. Por exemplo, pesquisas no Lago Titicaca envolveram atores tanto da Bolívia quanto do Peru, e foi preparado um documento conjunto detalhando o estado do conflito e da cooperação nesse corpo de água transfronteiriço. Em 1992, esses dois países criaram a Autoridade Binacional Autônoma do Lago Titicaca, reconhecendo a importância da administração conjunta. Outro exemplo: os países árabes cooperam na administração de recursos hídricos compartilhados por meio de vários fóruns intergovernamentais. Um deles é o Conselho Ministerial Árabe para a Água, que adotou a Estratégia para a Segurança da Água na Região Árabe, procurando enfrentar os desafios e as futuras necessidades do desenvolvimento sustentável entre 2010 e 2030. Envolverde/IPS
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