Especial Água: A água nossa de cada dia
por Dal Marcondes, da Envolverde
O futuro social e econômico do Brasil depende do uso correto dos recursos hídricos.
Água para promover a paz
A UNESCO, agência das Nações Unidas para a promoção da ciência e da cultura foi escolhida para promover o ano de 2013 como Ano Internacional da Cooperação na Esfera da Água. Há um mito internacional de que a água será o motivo de intensos conflitos internacionais, principalmente nas áreas mais áridas. No entanto, essa não é a visão de Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO. Ex-chanceler da Bulgária com formação pela Universidade de Harvard, ela acredita que a água pode ser um elemento de construção de acordos: “A água atua como elemento unificador, capaz de estimular a cooperação”.
A história é recheada de bons exemplos, segundo a diretora da UNESCO. Ela conta que o Comitê do rio Mekong, que nasce na China e atravessa o Laos, o Camboja e o Vietnã, funciona desde 1957, e trocou informação durante toda a Guerra do Vietnã. Também aponta que foram realizadas reuniões secretas entre Israel e Jordânia entre 1953 e 1955, ainda quando esses países estavam em guerra. A Comissão do rio Indo sobreviveu a duas guerras entre Índia e Paquistão, e os dez países banhados pelo rio Nilo agora participam de negociações para cooperarem na exploração de sua bacia. Irina Bokova mostra inúmeros exemplos nos onde os recursos hídricos transfronteiriços são fonte de cooperação em lugar de conflito. “Entre 1820 e 2007 foram assinados aproximadamente 450 acordos sobre águas internacionais” conta a executiva.
Cidades tratam mal seus rios
Apena 1% dos rios que passam por cidades no Brasil tem ótima qualidade da água. Cerca de metade deles tem qualidade entre boa e regular, enquanto a outra metade fica com a qualificação de ruim ou péssima. Esse é o resultado de um estudo feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) e apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que monitorou 135 pontos em rios urbanos de todo o país. Nas áreas rurais a situação é bem melhor, mas mesmo assim merece cuidados. 75% de 1988 pontos monitorados tem boa qualidade de água e6% tem excelente qualidade, enquanto 18%, o que significa 358 pontos de análise, apresentam qualificação ruim ou péssima. A maior parte dos poluentes encontrados nos rios é formada por esgotos urbanos, o que prejudica não apenas os indicadores de saúde pública das cidades, como também inibem investimentos empresariais pelo alto custo de captação e tratamento de água.
Prejuízo líquido
Quase 40% de toda a água tratada no Brasil não chega às torneiras dos consumidores, se esvaem em sistemas de distribuição arcaicos e cheios de vazamentos. Um estudo realizado pela ONG Trata Brasil mostra que uma redução de apenas 10% nas perdas representaria aumentar a receita operacional das empresas de água e saneamento em R$ 1,3 bilhão. Esse valor representa mais de 40% dos investimentos realizados no setor de abastecimento de água em 2010. Um aumento na eficiência do sistema de distribuição pode representar mais capital para investimento em saneamento. O estudo se baseou em dados de 4.926 cidades do país, informados em 2010 ao Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades.
Ganhos com melhor gestão:
• Nas 100 maiores cidades, reduzir as perdas em 10% aumentaria a receita em R$ 758 milhões.
• No Amapá uma redução de apenas 10% nas perdas traria um ganho de R$ 8,3 milhões, valor mais de 6 mil vezes maior do que o Estado investiu em água em 2010.
• Redução de 10% nas perdas no estado de São Paulo aumentaria a receita em R$ 275,8 milhões, valor maior do que todo o investimento realizado em abastecimento de água em Minas Gerais em 2010
Simbiose empresarial
Corporações globais estão colaborando para melhorar sua gestão de água. O complexo de Alumar, formado pelas empresas Alcoa, BHP Billiton e Rio Tinto Alcan Alcoa, gigante da produção de alumínio instalado no Maranhão, e a Ambev, líder da área de cervejas e refrigerantes integraram rede de reuso de água. Os efluentes da Ambev agora são destinados ao Projeto Alumar e utilizados nas linhas de produção de alumínio. Com isso são reaproveitados parte dos 3,1 milhões de litros tratados diariamente pela cervejaria Equatorial, da Ambev. Esse volume equivale a todo o esgoto de uma cidade com 55 mil habitantes.
Um rio chamado Tietê
Um dos significados da palavra Tietê na língua Tupi “agua boa”, o que há muito tempo não reflete a verdade do rio Tietê, que se tornou sinônimo de poluição. Desde 1995 o projeto de despoluição do Tietê já custou mais de R$ 3,5 bilhões e deve precisar ainda de R$ 4 bilhões até 2015. O BNDES garantiu neste mês de março R$ 1,35 bilhão e a Sabesp. Empresa gestora do projeto de despoluição, ainda precisa garantir o financiamento do restante. Esse dinheiro deverá ser utilizado para aumentar a coleta de esgotos em São Paulo de 84% para 87% em dois anos e ampliar a capacidade das estações de tratamento de esgotos de 70% para 84%. Com isso o rio ficará mais limpo, mas não despoluído.
Uma certificação para a pegada hídrica
Está em estudos a implantação da certificação ISO 14046, que trata da pegada hídrica das empresas. Medir a quantidade de água necessária para a operação e produção das empresas é um fator relevante para o planejamento e para a redução de riscos em relação ao fornecimento de água, o tratamento de efluentes e até mesmo os impactos que as mudanças climáticas podem ter sobre o regime hídrico onde as empresas estão instaladas. O conceito de pegada hídrica é bastante abrangente e incorpora uma série de dados sobre a água, como a qualidade da água captada e a qualidade da água devolvida às bacias hidrográficas; o número de vezes que é reciclado um m³ de água extraída de uma bacia hidrográfica; etc.
Diversos setores da economia já se preocupam com a gestão da água de forma mais profissional, uma vez que o recurso é insumo fundamental para a produção. Em um trabalho recente realizado pelo varejista Walmart Brasil com 13 de seus principais fornecedores, que se comprometeram a melhorar o desempenho social e ambiental de produtos líderes, ao final de um ano a produção desses itens (apenas dos volumes vendidos em lojas do Walmart Brasil), que iam de sabão, aveia, refrigerante até televisores e refrigeradores, a economia global de água foi de quase 2,5 milhões de litros.
* Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência Estado, Gazeta Mercantil, revistas IstoÉ e Exame. Desde 1998 dedica-se à cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial.
* Conteúdo produzido exclusivamente para a edição 741 da revista Carta Capital.
(Envolverde)
Água para promover a paz
A UNESCO, agência das Nações Unidas para a promoção da ciência e da cultura foi escolhida para promover o ano de 2013 como Ano Internacional da Cooperação na Esfera da Água. Há um mito internacional de que a água será o motivo de intensos conflitos internacionais, principalmente nas áreas mais áridas. No entanto, essa não é a visão de Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO. Ex-chanceler da Bulgária com formação pela Universidade de Harvard, ela acredita que a água pode ser um elemento de construção de acordos: “A água atua como elemento unificador, capaz de estimular a cooperação”.
A história é recheada de bons exemplos, segundo a diretora da UNESCO. Ela conta que o Comitê do rio Mekong, que nasce na China e atravessa o Laos, o Camboja e o Vietnã, funciona desde 1957, e trocou informação durante toda a Guerra do Vietnã. Também aponta que foram realizadas reuniões secretas entre Israel e Jordânia entre 1953 e 1955, ainda quando esses países estavam em guerra. A Comissão do rio Indo sobreviveu a duas guerras entre Índia e Paquistão, e os dez países banhados pelo rio Nilo agora participam de negociações para cooperarem na exploração de sua bacia. Irina Bokova mostra inúmeros exemplos nos onde os recursos hídricos transfronteiriços são fonte de cooperação em lugar de conflito. “Entre 1820 e 2007 foram assinados aproximadamente 450 acordos sobre águas internacionais” conta a executiva.
Cidades tratam mal seus rios
Apena 1% dos rios que passam por cidades no Brasil tem ótima qualidade da água. Cerca de metade deles tem qualidade entre boa e regular, enquanto a outra metade fica com a qualificação de ruim ou péssima. Esse é o resultado de um estudo feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) e apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que monitorou 135 pontos em rios urbanos de todo o país. Nas áreas rurais a situação é bem melhor, mas mesmo assim merece cuidados. 75% de 1988 pontos monitorados tem boa qualidade de água e6% tem excelente qualidade, enquanto 18%, o que significa 358 pontos de análise, apresentam qualificação ruim ou péssima. A maior parte dos poluentes encontrados nos rios é formada por esgotos urbanos, o que prejudica não apenas os indicadores de saúde pública das cidades, como também inibem investimentos empresariais pelo alto custo de captação e tratamento de água.
Prejuízo líquido
Quase 40% de toda a água tratada no Brasil não chega às torneiras dos consumidores, se esvaem em sistemas de distribuição arcaicos e cheios de vazamentos. Um estudo realizado pela ONG Trata Brasil mostra que uma redução de apenas 10% nas perdas representaria aumentar a receita operacional das empresas de água e saneamento em R$ 1,3 bilhão. Esse valor representa mais de 40% dos investimentos realizados no setor de abastecimento de água em 2010. Um aumento na eficiência do sistema de distribuição pode representar mais capital para investimento em saneamento. O estudo se baseou em dados de 4.926 cidades do país, informados em 2010 ao Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades.
Ganhos com melhor gestão:
• Nas 100 maiores cidades, reduzir as perdas em 10% aumentaria a receita em R$ 758 milhões.
• No Amapá uma redução de apenas 10% nas perdas traria um ganho de R$ 8,3 milhões, valor mais de 6 mil vezes maior do que o Estado investiu em água em 2010.
• Redução de 10% nas perdas no estado de São Paulo aumentaria a receita em R$ 275,8 milhões, valor maior do que todo o investimento realizado em abastecimento de água em Minas Gerais em 2010
Simbiose empresarial
Corporações globais estão colaborando para melhorar sua gestão de água. O complexo de Alumar, formado pelas empresas Alcoa, BHP Billiton e Rio Tinto Alcan Alcoa, gigante da produção de alumínio instalado no Maranhão, e a Ambev, líder da área de cervejas e refrigerantes integraram rede de reuso de água. Os efluentes da Ambev agora são destinados ao Projeto Alumar e utilizados nas linhas de produção de alumínio. Com isso são reaproveitados parte dos 3,1 milhões de litros tratados diariamente pela cervejaria Equatorial, da Ambev. Esse volume equivale a todo o esgoto de uma cidade com 55 mil habitantes.
Um rio chamado Tietê
Um dos significados da palavra Tietê na língua Tupi “agua boa”, o que há muito tempo não reflete a verdade do rio Tietê, que se tornou sinônimo de poluição. Desde 1995 o projeto de despoluição do Tietê já custou mais de R$ 3,5 bilhões e deve precisar ainda de R$ 4 bilhões até 2015. O BNDES garantiu neste mês de março R$ 1,35 bilhão e a Sabesp. Empresa gestora do projeto de despoluição, ainda precisa garantir o financiamento do restante. Esse dinheiro deverá ser utilizado para aumentar a coleta de esgotos em São Paulo de 84% para 87% em dois anos e ampliar a capacidade das estações de tratamento de esgotos de 70% para 84%. Com isso o rio ficará mais limpo, mas não despoluído.
Uma certificação para a pegada hídrica
Está em estudos a implantação da certificação ISO 14046, que trata da pegada hídrica das empresas. Medir a quantidade de água necessária para a operação e produção das empresas é um fator relevante para o planejamento e para a redução de riscos em relação ao fornecimento de água, o tratamento de efluentes e até mesmo os impactos que as mudanças climáticas podem ter sobre o regime hídrico onde as empresas estão instaladas. O conceito de pegada hídrica é bastante abrangente e incorpora uma série de dados sobre a água, como a qualidade da água captada e a qualidade da água devolvida às bacias hidrográficas; o número de vezes que é reciclado um m³ de água extraída de uma bacia hidrográfica; etc.
Diversos setores da economia já se preocupam com a gestão da água de forma mais profissional, uma vez que o recurso é insumo fundamental para a produção. Em um trabalho recente realizado pelo varejista Walmart Brasil com 13 de seus principais fornecedores, que se comprometeram a melhorar o desempenho social e ambiental de produtos líderes, ao final de um ano a produção desses itens (apenas dos volumes vendidos em lojas do Walmart Brasil), que iam de sabão, aveia, refrigerante até televisores e refrigeradores, a economia global de água foi de quase 2,5 milhões de litros.
* Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência Estado, Gazeta Mercantil, revistas IstoÉ e Exame. Desde 1998 dedica-se à cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial.
* Conteúdo produzido exclusivamente para a edição 741 da revista Carta Capital.
(Envolverde)
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