guillo 300x210 Especial Água: Como administrar o insumo   Entrevista com Vicente Andreu Guillo
Vicente Andreu Guillo, presidente da Agência Nacional de Águas, explica como a boa gestão dos recursos hídricos facilita o compartilhamento entre seus diversos usos
A primeira coisa que se pensa quando se fala em água é saneamento básico, ou a falta dele. De fato, o Brasil tem indicadores de ruins a péssimos nesse quesito, com reflexos trágicos em saúde pública. Por exemplo, em 2011, quase 400 mil pessoas deram entrada no Sistema Único de Saúde – SUS – em todo o país com doenças diarreicas, sendo que cerca de 50 mil delas vivem nos 100 maiores municípios brasileiros. Mais trágico ainda é que cerca de 70% dessas pessoas são crianças de 0 a 5 anos, uma idade onde as questões de saúde assumem com mais força a dimensão de vida ou morte. Há, no entanto, outros usos para a água, onde a gestão tem impactos importantes na capacidade de geração de empregos, renda e qualidade de vida. Nesta entrevista ao jornalista Dal Marcondes, Vicente Andreu Grillo, presidente da Agência Nacional de Águas, fala da importância da Água para o desenvolvimento e da necessidade de boa gestão no compartilhamento do recurso entre os diversos usos.
Qual o diferencial de desenvolvimento que a disponibilidade de água pode oferecer a municípios e regiões do Brasil?
Existe um sentimento comum em relação à água: que ela vem da torneira, daí a sensação de que é um bem infinito. As pessoas em geral não tem a percepção de que a água é parte de todos os processos produtivos, seja na indústria ou no campo. Ou seja, a água de má qualidade não é apenas um problema social ou ambiental, mas tem também um impacto econômico muito negativo. Recentemente uma grande empresa de computadores a FoxCom, quase não veio para o Brasil porque a cidade onde irá se instalar, Jundiaí (SP) enfrenta problemas com disponibilidade hídrica. Não passa pela cabeça da maioria das pessoas que uma fabricante de tablets precise de água para suas operações.
O Brasil ocupa uma posição de destaque enquanto exportador de produtos agrícolas e da pecuária. Essa liderança tem relação com a disponibilidade hídrica do país?
O Brasil tem uma disponibilidade de água invejável, já que cerca de 13% de toda a água doce superficial do planeta está aqui. Mas a distribuião geográfica da Água não é homogênea. Á muita água na Amazônia e muito pouca no semiárido Nordestino. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste o domínio do agronegócio acontece justamente por uma disponibilidade equilibrada de água. A produtividade do agronegócio, seja na exportação de grãos ou na pecuária, não seria possível sem a disponibilidade de grandes volumes de água. Temos muita tecnologia e recursos aplicados nesses setores, mas a água é um insumo fundamental.
A distribuição da água por tipo de uso no Brasil é uma coisa tranquila, ou há disputas entro os diversos setores?
Esta é a questão crítica. É preciso compatibilizar as atividades produtivas com a disponibilidade hídrica adequada. Em algumas regiões já se instalou o conflito pelo uso entre o abastecimento público e a irrigação, entre a irrigação e a geração de energia elétrica e outros usos. Há diversos exemplos de reservatórios criados com um fim definido e que agora tem seu uso compartilhado, algumas vezes comprometendo a atividade original. No Nordeste muitos reservatórios foram construídos para a irrigação e com o crescimento das cidades passaram a ter de abastecer o consumo urbano. Outro conflito é a expansão da irrigação, por exemplo, na região de Cristalina, em Goiás, na bacia do Rio São Marcos, aonde a produção de soja com irrigação utiliza uma grande quantidade água, comprometendo a geração de energia rio abaixo.
E não é apenas a quantidade de água que importa, temos problemas também com a qualidade, não?
A qualidade da água no Brasil, próximo das grandes cidades, é muito comprometida por conta da ausência do tratamento de esgoto e, em algumas regiões há, também, a contaminação por fertilizantes e agrotóxicos, além de outros usos. Com isso é necessário cada vez maior volume de água para diluição dos poluentes e para que se consiga tratar a quantidade que a demanda exige.
* Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência Estado, Gazeta Mercantil, revistas IstoÉ e Exame. Desde 1998 dedica-se à cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial.
* Conteúdo produzido exclusivamente para a edição 741 da revista Carta Capital.
(Envolverde)