É tarde demais para o Desenvolvimento Sustentável?
Em 1972, o guru ambiental Dennis Meadows previu em seu estudo seminal “The Limits to Growth” (“Os limites para o crescimento”) que o mundo estava caminhando para um colapso econômico. O fato de o colapso econômico não ter ocorrido, não o faz desacreditar que ocorrerá no futuro. “Não há dúvida de que o mundo está mudando, e nós vamos ter de acompanhar essas mudanças. Há duas maneiras de fazer isso: uma é você perceber a necessidade de mudança antes do tempo e realizar a alteração necessária. A outra é você não fazer nada e, no final, ser obrigado a fazer a mudança de qualquer maneira”, responde Meadows à Markus Becker.
Professor Meadows, 40 anos atrás, você publicou “The Limits to Growth” (“Os limites para o crescimento”, em tradução livre) com sua esposa e seus colegas. Esse livro transformou você no pai intelectual do movimento ambiental. A mensagem central do livro continua válida hoje: a humanidade está explorando brutalmente os recursos naturais e está no caminho da autodestruição. Você acredita que o colapso final do nosso sistema econômico ainda pode ser evitado?
O problema que deve ser enfrentado por nossas sociedades é o fato de termos desenvolvido indústrias e políticas que eram adequadas para um determinado momento histórico, mas que agora começam a reduzir o bem-estar da humanidade. Por exemplo: a indústria do petróleo e dos automóveis. Seu poder político e financeiro é tão grande que ela é capaz de impedir as mudanças. Eu espero que ela tenha sucesso. Isso significa que nós vamos evoluir por meio de uma crise, e não por meio de uma mudança proativa.
Várias das previsões centrais feitas em seu livro se tornaram realidade, como o crescimento exponencial da população mundial e a destruição ambiental generalizada. Mas sua previsão de que o crescimento econômico cessaria e que a economia mundial entraria em colapso ainda não aconteceu.
O fato de o colapso não ter ocorrido até agora não significa que ele não acontecerá no futuro. Não há dúvida de que o mundo está mudando, e nós vamos ter de acompanhar essas mudanças. Há duas maneiras de fazer isso: uma é você perceber a necessidade de mudança antes do tempo e realizar a alteração necessária. A outra é você não fazer nada e, no final, ser obrigado a fazer a mudança de qualquer maneira. Vamos dizer que você esteja dirigindo um carro dentro de um armazém ou de uma fábrica. Há duas maneiras de parar o carro: ou você põe o pé no freio ou você continua até bater na parede. Mas você vai parar, pois o edifício é finito. E o mesmo vale para os recursos da Terra.
Isso soa convincente, mas será que é realmente verdade? Será que as empresas privadas não vão reagir à escassez de recursos com inovação, em um esforço para manter sua lucratividade?
As mudanças realmente grandes não são promovidas por indústrias estabelecidas. Quem fez o iPhone? Não foi aNokia nem a Motorola nem nenhum dos outros fabricantes de celulares estabelecidos. O iPhone foi criado pelaApple, que estava totalmente fora desse setor. Há muitos outros exemplos desse tipo.
E quanto às áreas que estão sob o controle de governos ou são regidas por algum tipo de regulamentação?
Essa situação é ainda pior. Nossa história com a pesca mostra que estamos destruindo os ecossistemas dos oceanos, por exemplo. E estamos usando nossa atmosfera como um depósito gratuito de lixo industrial. Ninguém recebe incentivos para protegê-los.
Será que o desejo de sobrevivência da humanidade não é motivação suficiente?
Veja você, existem dois tipos de problemas de grandes dimensões. Um desses grupos eu chamo de problemas universais e o outro eu batizei de problemas globais. Ambos afetam a todos. A diferença é a seguinte: os problemas universais podem ser resolvidos por pequenos grupos de pessoas, pois elas não têm de esperar pelos outros para agir. Você pode limpar o ar em Hanover sem ter que esperar que Pequim ou a Cidade do México façam o mesmo. Os problemas globais, no entanto, não podem ser resolvidos em um único lugar. Não há nenhuma maneira de Hanoverconseguir resolver a questão das mudanças climáticas ou impedir a disseminação de armas nucleares. Para que isso aconteça, as pessoas na China, nos EUA e na Rússia também precisam fazer alguma coisa. Por isso, não faremos nenhum progresso em relação aos problemas globais.
Você não está subestimando as pessoas e sua reação no momento em que elas forem encostadas contra a parede? O empresário australiano e ambientalista Paul Gilding, por exemplo, diz em seu livro “The Great Disruption” (“A Grande Ruptura”, em tradução livre) que, apesar de a crise estar se aproximando, a humanidade vai se mobilizar para combatê-la como costumamos fazer em tempos de guerra.
Ele está certo. Mas será que a humanidade vai conseguir? Ela até poderia conseguir caso os atrasos fossem menores. Mas, infelizmente, eles não são. Em relação às mudanças climáticas, por exemplo, os atrasos são grandes. Mesmo que reduzíssemos a zero nossas emissões de gases de efeito estufa hoje, o aquecimento globalainda se manteria durante séculos. O mesmo é válido para o solo, que estamos destruindo em todo o mundo. A recuperação pode levar séculos.
Com certeza as inovações tecnológicas têm servido para reduzir o impacto de alguns problemas no longo prazo. Desde que seu livro foi lançado, quatro décadas atrás, a medicina moderna, por exemplo, tem aumentado a expectativa de vida das pessoas e reduzido a mortalidade infantil. As novas tecnologias aumentaram drasticamente as colheitas – e os computadores e a internet reduziram as distâncias e melhoraram o acesso à educação.
A tecnologia não inventa a si própria. Essas conquistas foram resultado de décadas de trabalho duro – e alguém tem de pagar por esses programas. Uma grande fonte de dinheiro são os orçamentos militares. Outra fonte são as empresas, e elas não estão motivadas a resolver os problemas globais. Elas estão motivadas a ganhar dinheiro. As empresas farmacêuticas dos Estados Unidos gastam mais dinheiro na prevenção da calvície do que na prevenção das infecções por HIV. Por quê? Porque os ricos ficam carecas e as pessoas pobres pegam HIV.
Mas imagine os lucros que o inventor de uma nova fonte de energia, limpa e ilimitada, obteria.
Eu espero que você não esteja falando a respeito de fusão, porque isso é besteira. Acho que vamos descobrir uma nova e importante fonte de energia. Mas depois dessa descoberta, levaria décadas para que seu impacto fosse sentido. Mesmo que não houvesse nenhuma resistência a ela, mesmo que não houvesse impactos ambientais ou até mesmo se essa nova fonte de energia não levasse um monte de gente à falência – ainda assim, levaria muito tempo para implementá-la totalmente. Então, se alguém disser a você que a tecnologia vai nos salvar dessa forma, essa pessoa não sabe como as tecnologias são desenvolvidas.
E os recursos naturais? Previsões passadas diziam que não haveria quase nenhum petróleo disponível em 2012, mas ainda parece existir muito petróleo disponível. Estimativas recentes chegam até a mostrar que os EUA em breve produzirão mais petróleo do que a Arábia Saudita.
E os recursos naturais? Previsões passadas diziam que não haveria quase nenhum petróleo disponível em 2012, mas ainda parece existir muito petróleo disponível. Estimativas recentes chegam até a mostrar que os EUA em breve produzirão mais petróleo do que a Arábia Saudita.
Pode ser que sim. Mas as reservas de petróleo de que estamos falando são escassas e muito caras para explorar. E elas também se esgotarão um dia. E então teremos um problema. Por exemplo: eu tenho uma vizinha rica. Digamos que a conta de luz dela corresponda a 1% de sua renda. Então, chega o furacão Sandy e, de repente, ela fica sem energia elétrica em casa. Será que a qualidade de vida dela vai piorar 1%? Não! A comida dela vai estragar, ela não poderá ligar as luzes de casa, ela não poderá mais trabalhar. Será um desastre para ela. Dê uma olhada ao seu redor. A cadeira em que você se senta, a janelas de vidro, as luzes – tudo está aqui por uma razão simples: nós gostamos de energia barata.
Vamos supor que você esteja certo e que o colapso vai chegar neste século. Como ele será?
Ele vai ser diferente em lugares diferentes. Alguns países já estão entrando em colapso, e algumas pessoas nem vão perceber. Há quase um bilhão de pessoas morrendo de fome atualmente, e as pessoas aqui basicamente não estão percebendo. E há a questão da velocidade: a diferença entre o declínio e o colapso é a velocidade. Os ricos pode pagar para escapar de várias situações. O fim da energia fóssil, por exemplo, será gradual. Mas as mudanças climáticas também alcançarão os países industrializados, independentemente do que vier a acontecer. E os registros geológicos mostram claramente que a temperatura global não aumenta de forma linear. Ela salta de repente. Se isso acontecer, um colapso ocorrerá. Mas não seria nada de novo, é claro. Sociedades surgem e desaparecem. E isso tem ocorrido com elas há 300 mil anos.
Fonte: www.ihu.unisinos.br
A entrevista foi publicada pela revista Der Spiegel e reproduzida pelo portal Uol, 26-12-2012.
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