Dizem que a gente deixa a roça, mas a roça não deixa a gente. Nasci e passei minha primeira infância no sítio. A casa ficava perto de um pasto e tinha um belo pomar na porta da cozinha, muito comum na época. Logo de manhã, uma das diversões era espantar os canários-da-terra que alegravam a paisagem com seu canto. Outro passatempo era caçá-los (naquele tempo não era crime, nem politicamente incorreto) para que, na gaiola, cantassem por mais tempo e mais perto. Bons tempos.
Fui crescendo e, já na cidade, estudando. Mas as tardes ainda eram passadas no sítio. Depois, a agronomia, os novos amigos, a nova vida e os novos horizontes. Novas técnicas aprendidas e empregadas. A agricultura mundial e a brasileira se modificavam a uma velocidade incrível. Novas espécies cultivadas, como a soja, invadiam os campos paulistas. O café e o algodão se deslocavam para o Paraná. Novas máquinas eram desenvolvidas, gente deixando o campo, cidades inchando. E a agricultura crescendo, produzindo alimentos cada vez mais baratos, mais acessíveis à população. O uso de sementes melhoradas aumentava, a calagem deu grande impulso às produtividades, os fertilizantes contribuíram muito para que tudo acontecesse.
Com o desenvolvimento acelerado, com o aumento das lavouras, com o uso de cultivares mais uniformes e mais produtivos, também foi acentuado o problema com pragas e doenças das culturas. Novas tecnologias e novos defensivos eram desenvolvidos e utilizados. E eu crescendo, estudando, aprendendo, trabalhando e ainda visitando o sítio. Mas começava a perceber algo muito triste. Estava desaparecendo uma das boas memórias de minha infância: os canários-da-terra estavam sumindo. Desaparecendo mesmo. Também me afastei um pouco do sítio, por imposições da vida. Por um bom tempo.
Terminava então uma era na agricultura. Foi descoberto que os defensivos utilizados à época, se viabilizavam a produção de alimentos e matéria-prima cada vez mais baratas, também agrediam os rios, as matas e a fauna. A situação não era sustentável. A sociedade cobrou, a indústria mudou seu rumo e assim também foi com os produtores rurais. Começava então uma nova era na agricultura. Novas exigências, novos produtos, novas técnicas. O manejo integrado de pragas, racional e econômico, se tornou realidade. Aprendemos a usar o cerrado, antes pária da natureza. Reaprendemos a produzir lavouras, carne e leite nas mesmas áreas, com a integração lavoura-pecuária. Aprendemos a fazer semeadura direta, mitigando a emissão de gases de efeito estufa. Desenvolvemos agrocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, melhorando nossa matriz energética. E nossa agricultura cada vez mais competitiva, gerando empregos, divisas, alimentos, matérias-primas, energia e sustentando esse país. Suportando o crescimento de nossas cidades. E, agora, também preservando a natureza.
Quis o destino que eu, agora, depois de quase uma vida vivida, depois de ter aprendido muito mais que ensinado, passasse mais tempo no sítio, novamente. Com um pouco de tempo para contemplação do pasto, do pomar e, surpresa, dos canarinhos -da-terra! O canarinho voltou. Canta novamente no pasto, no pomar. E nossa agricultura cada vez mais produtiva, sustentando esse país.
Feliz de quem pode assistir, depois de sua quase extinção, o retorno dos canários. Feliz de quem pode perceber a evolução de nosso conhecimento resultando no uso racional de produtos menos agressivos à natureza, no desenvolvimento de técnicas para uma agricultura competitiva, econômica e sustentável em favor da vida. Bons tempos!
***********************************
FONTE : * Ciro Rosolem é professor titular da Faculdade de Ciências Agronômicas, UNESP, Botucatu e membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável – CCAS.
** Publicado originalmente no site Revista Ecológico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário