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sábado, 30 de janeiro de 2016

Por que retroceder no campo de energias?


Por Washington Novaes*
Se a notícia não estivesse estampada em jornais e sites de organizações sociais (ISA, 21/1), seria difícil acreditar que a Presidência da República houvesse vetado vários pontos do Plano Pluriranual (PPA), “com foco em objetivos, metas e iniciativas para o setor de energia elétrica”. E todos os vetos dizem respeito às energias renováveis não hidráulicas e às energias alternativas. Não houve vetos para termoelétricas e hidrelétricas.
O Objetivo 1.169 do programa é voltado para “promover o uso de sistemas e tecnologias para inserir a geração de energias renováveis na matriz elétrica brasileira”. Ele inclui a adição de 13.100 megawatts de capacidade instalada de geração de energia a partir de fontes renováveis, incentivo ao o uso de fonte solar e, talvez o veto mais grave, o incentivo ao uso de fontes renováveis por meio de geração distribuída – caminho extremamente promissor para o Brasil.
As reações foram contundentes. Para o professor Paulo Artaxo, da USP, os vetos contrariam as posições assumidas pelo Brasil na reunião da Convenção do Clima em Paris (quando se comprometeu a aumentar a parcela das renováveis na matriz energética) e, da mesma forma, nos últimos leilões de energia, que dão prioridade às energias renováveis. Também não faz sentido o veto ao incentivo ao uso da modalidade solar fotovoltaica para geração de energia. O diretor executivo do Centro Brasil no Clima, Alfredo Sirkis, entende o veto como “surrealista, meio incompreensível”. Até mesmo porque a meta brasileira declarada no ano passado era de chegar a 45% de energias renováveis na matriz.
Em 2014 o País já foi o quarto colocado na expansão da energia eólica no mundo, onde as renováveis devem chegar a 36% no mix energético – o que elevaria o PIB global em até 1,1% ou US$ 1,4 trilhão (Agência Internacional de Energias Renováveis). Mas pelo andar retrógrado da carruagem no veto, vamos na direção contrária, embora o benefício da implantação de renováveis seja estimado em três a quatro vezes mais que o impacto sobre o PIB (avivcomunicaçao, 18/1), sobre a geração de empregos e ao reduzir no mundo o uso de carvão e de petróleo.
Hoje, as eólicas no Brasil estão em torno de 6% da matriz, com 9 gigawatts. Este ano deverão ser acrescidos mais 2,7 mil MW ao parque eólico (Estado, 10/1). Para o próximo ano estão previstos (Plano Nacional de Operação Elétrica) mais 2,9 mil MW para a matriz de 140 mil MW (91 mil MW de hidrelétricas). A forte expansão das eólicas se deve a que seus projetos preveem preços inferiores (R$ 210 por megawatt-hora no último leilão) aos de geradoras a biomassas (R$ 280) e de energia solar (R$ 320). No Nordeste brasileiro, esse avanço das eólicas tem ainda como uma de suas causas as fortes secas na região, as maiores em mais de 80 anos, afetando as hidrelétricas.
No mundo já existem 30 mil turbinas eólicas. A China é a maior geradora no setor, mas a Dinamarca tem a maior participação (30%) de eólicas na matriz. E até 2020 a previsão é de que a energia dos ventos gerará 12% do total mundial – embora países como a Índia planejem abrir a mineração de carvão (a fonte mais poluente) a empresas privadas (centenas de milhões de pessoas na Índia não dispõem de energia elétrica).
A hidrelétrica de Itaipu, no Brasil, ao contrário, pretende instalar em parte do seu estacionamento uma microgeradora com 78 painéis movidos a energia solar. As microgeradoras com consumo local e distribuição pelas redes da parte excedente da geração são um amplo caminho aberto para a energia no Brasil. Permitem gerar a energia no próprio local de consumo, principalmente propriedades rurais, a partir de biogás (que pode vir de dejetos animais, palha de cana e sobras de outras colheitas, entre outros formatos). O câmpus do Fundão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, implantou no ano passado 414 painéis fotovoltaicos, com produção de 140 mil kWh em 2015.
No mundo, diz The Sidney Morning Herald (4/1), os preços da energia solar caíram 20% em um ano. Com isso, a solar e a eólica devem superar o carvão em 2020 como fonte. Uma usina de 500 megawatts está sendo construída na Índia. E o país espera chegar a 100 gigawatts de capacidade solar em 2022, com preços baixando. Dessa forma, será mais barata que a do carvão até em residências.
Entre nós, o grande desafio para as eólicas tem sido instalar linhas de transmissão, como no Nordeste. Na Bahia há um gargalo para 493 MW e 164 parques em construção, além de 46 parques eólicos com potência instalada de 1,2 GW; no Rio Grande do Norte são 4 GW cadastrados. O volume total de eólicas contratado em três leilões em 2015 chegou a 4 GW cadastrados e 1,2 GW contratados, que se traduzirão em 17 mil empregos, R$ 7 bilhões em investimentos e 2,5 milhões de casas abastecidas, que evitarão a liberação de 2,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono.
Além disso, o BNDES liberou até setembro (Estado, 10/9/15) R$ 1,07 bilhão para três projetos eólicos, chegando ao total a R$ 3,4 bilhões – que poderiam atingir R$ 5,5 bilhões até o fim do ano. Em 2014 foram R$ 5 bilhões. Para seis complexos eólicos em Campo Formoso (BA) também foram liberados recursos.
O ângulo das emissões evitadas com projetos de energias alternativas e não poluentes é hoje decisivo. A temperatura global continua subindo (0,6 grau Celsius em 2014 e 0,72 grau em 2015), com recordes negativos em sucessão. Para 2016 está previsto aumento de 0,84 grau, comparado com o do período 1961-1990. Nesse quadro, influi a maior participação de poluentes gerados pela queima de carvão e combustíveis fósseis. Torna-se, então, vital aumentar a participação de energias alternativas, não poluentes, no quadro global. Esse é um dos temas centrais hoje no mundo.
Infelizmente, os vetos presidenciais nos mostram regredindo nessa área e na qualidade do ar que respiramos. E tome mais hidrelétricas a carvão. Como explicar o veto? (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.

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