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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A sustentabilidade e o desastre em Mariana


Bombeiros fazem busca por desaparecidos em Bento Rodrigues. Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
Bombeiros fazem busca por desaparecidos em Bento Rodrigues. Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
Uma análise sobre os impactos social, ambiental e econômico da tragédia –
Por Isabela Balau Garcia e Julia Maillet Lenzi*
O caso do rompimento da barragemdo Fundão, ocorrido no dia 05 de novembro de 2015, no município de Mariana, estado de Minas Gerais, evidencia a necessidade de agregar ao modelo de negócios das empresas aspectos relacionados à sustentabilidade e gestão de riscos. Entender e considerar os impactos que a atividade econômica das organizações pode causar à sociedade, ao meio ambiente e à economia deve ser prioridade na tomada de decisão, de modo que os riscos mapeados sejam totalmente inseridos e mitigados, a fim de prevenir externalidades negativas inerentes ao negócio.
No caso de Mariana, por exemplo, uma das possíveis causas do desastre foique a distância entre os rejeitos da mineradora e a barragem não era suficiente, tanto do ponto de vista de estrutura de projeto quanto em caso de desestabilização da pilha de rejeitos,ou por conta de algum processo de erosão natural do solo.
Não só a quantidade de resíduos gerada deveria ter sido considerada, mas também os impactos decorrentes de sua composição, em caso de rompimento da estrutura da barragem. O laudo solicitado pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAEE) de Baixo Gandu (ES), em 12 de novembro de 2015, mostra alta concentração de uma série de metais pesados na lama, entre eles arsênio, chumbo e manganês.
Ainda assim, mesmo sem ser apresentada como uma mistura tóxica, a lama resultante do rompimento da barragem contém metais pesados em concentração suficiente para prejudicar os ecossistemas, com impactos nos rios, na fauna, no solo e na agricultura.
Dentre esses impactos ambientais, podemos listar a desestruturação química e infertilidade do solo, a destruição da vegetação local, o assoreamento dos rios, soterramento de nascentes e mudança na biota, entre outros.
Do ponto de vista da Samarco, há de se considerar também os impactos econômicos gerados após o desastre, tais como:encerramento da operação no local, custo de reparação da área degradada, ações judiciais e respectivas penalidades, custos de imagem, entre outros, que serão enfrentados pela organização no curto e médio prazo.
Nesse mesmo contexto econômico, uma Ação Civil Pública foi impetrada pela União e pelos governos do Espírito Santo e Minas Gerais contra a Samarco e suas controladoras decretando a suspensão dos bens das empresas, de modo que sejam garantidos recursos financeiros suficientes para a reparação dos impactos ambientais causados, estimados em R$ 20 bilhões.
Além dessa, outras 18 medidas judiciais – 17 no Brasil e 01 no exterior – já estão em andamento contra a Samarco e suas controladoras. Conforme divulgado site EM (até o dia 10 de dezembro passado, já seriam 13 ações civis públicas em Minas Gerais, Brasília, Rio de Janeiro e Espirito Santo; 02 ações coletivas, uma delas nos Estados Unidos, 01 ação popular e uma ação cautelar. Partindo do IBAMA, constavam até o dia 10 de janeiro de 2016, 37 notificações contra a Samarco e uma multa de R$ 250 milhões.
Dado que cerca de 80% das atividades do município estavam ligados à mineradora, é possível citar impactos sociais em larga escala, como desemprego, redução da atividade econômica local e, portanto, geração e distribuição de renda.
Soma-se a esses impactos sociais a disseminação de doenças, o elevado número de desabrigados, indisponibilidade de recursos e o risco de contaminação da população, causado pela ingestão de água e alimentos que tiveram contato com a lama.
Há de se considerar também os danos decorrentes das perdas materiais. São as referências de uma vida comunitária que foram perdidas, as relações interpessoais, a vizinhança, o sentimento de pertencimento à aquela comunidade e todas as referências da memória coletiva de um povo. Os ribeirinhos enfrentam agora essa situação, que não se pode estimar em números, mas que são igualmente danosas.
Os impactos ambientais da tragédia de Mariana parecem incontáveis, sejam reversíveis ou irreversíveis. Contaminação da água e do solo, impactos no ecossistema como um todo (aquático, marinho, terrestre), perda de biodiversidade, assoreamento dos rios e eliminação da mata ciliar são apenas alguns dos muitos pontos a serem analisados a respeito. De acordo com reportagem da BBC Brasil, divulgada em 22 de dezembro de 2015, foram liberados em torno de 60 milhões de metros cúbicos de lama, que já percorreram 700 kms até a foz do Rio Doce, no Espirito Santo. Em dados preliminares, estima-se que cerca de 263,1 km2 de área mínima afetada pela lama, 379 km2 de áreas de agricultura e pastagens e 1.469 ha devastados, sem considerar o encontro da lama com o Rio Doce.
A adoção de medidas em caráter de urgência não remediará os danos causados por um projeto que não considerou eventuais riscos e impactos internos e externos. O caso da barragem de Mariana evidencia que a análise e atuação preventiva das organizações, do ponto de vista de mitigação de impactos negativos ao meio ambiente, à sociedade e à geração de valor do negócio, são essenciais para a condução de negócios rentáveis e sustentáveis, e evitam os custos inevitavelmente superiores após o impacto negativo gerado.
Ao analisar as informações apresentadas no Relatório de Sustentabilidade da Samarco de 2014, ano anterior aodesastre , encontramos o retrato de uma empresa comprometida com as questões ambientais e sociais. De acordo com dados do Relatório, foram investido em 2014 R$ 88,3 milhões em projetos, equipamentos e tecnologia, e, nos últimos anos, R$ 80 milhões em segurança do trabalho. Apesar disso,estes investimentosestão relacionados ao crescimento financeiro e aumento da produtividade da Samarco, em detrimento de valores que legalmente deveriam ser destinados ao cumprimento das exigências ambientais, e não foram.
Apesar da declaração feita à mídia pelos diretores da Samarco, não existia, há época do acidente,um plano detalhado de alerta à comunidade em caso de situações de emergência para barragens, como prevê a Resolução 526/2013 do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral).
No que tange ao tratamento de resíduos, “lama”, a Samarco divulgou os seguintes números “em 2014, a geração de rejeitos resultantes atingiu 21,978 milhões de toneladas, entre arenosos e lamas. Já a massa movimentada de estéril, realizada para liberar minério no avanço da lavra, registrou 5.988.493 toneladas métricas naturais”. De acordo com o Relatório, “todo o rejeito (materiais arenosos e lamas) gerado na etapa de beneficiamento do minério de ferro é armazenado em um sistema, composto das barragens de Germano e de Fundão e do empilhamento na Cava do Germano, na unidade de Germano (MG). A água proveniente desse processo é tratada nas Estações de Tratamento de Efluentes Industriais (Eteis) e armazenada na barragem de Santarém, onde parte é bombeada para reutilização no processo.
Já o estéril é disposto, em conformidade com os procedimentos de segurança e as leis ambientais, ao longo das pilhas de estéril João Manoel e Alegria Sul. A análise e o controle de riscos são realizados por meio da metodologia FailureModesandEffectsAnalysis (FMEA), que avalia o potencial de ocorrências e falhas nas barragens, bem como as consequências potenciais sobre a saúde e a segurança das pessoas e do meio ambiente”.
Novamente, surge uma incongruência entre as informações divulgadas no Relatório e os fatos apresentados. O Ministério Público Federal ainda investiga as causas de rompimento da barragem, mas já foram apontados: o grande aumento de rejeitos depositados, a mudança feita na estrutura da barragem para aumentar a capacidade do reservatório e a utilizado a barragem de Fundão, pela Vale, sem licença dos órgãos fiscalizadores.
O processo de identificação de todas consequências econômicas, sociais e ambientais ainda está longe de ser finalizado e talvez nunca o seja. Desde o dia do desastre até hoje estamos assistindo ao delinear de uma história que conta, entre tantas outras coisas, como são tratadas as questões de cunho ambiental e social no Brasil.
O desastre em Mariana nos mostra, em uma proporção gigantesca, a negligência em relação às questões socioambientais. Enfraquecimento do processo de licenciamento ambiental – que pode ser agravado, pois tramita o Projeto de Lei do Senado, nº 654/2015 – Desrespeito ao Código Florestal, Política Nacional do Meio Ambiente e uma série de outros dispositivos legais; Supremacia dos interesses econômicos sobre as questões socioambientais, a partir da geração de valor não sustentável. (#Envolverde)

Isabela Balau Garcia, economista e especialista em sustentabilidade pela Unicamp e em finanças pela FGV – isabelabalau@gmail.com; e Julia Maillet Lenzi, advogada ambiental, especialista em agronegócios pela USP e diretora executiva da Valor Verde Consultoria – julia@valorverdeconsultoria.com.br