O processo de negociação em Varsóvia deixou claro que falta um elemento fundamental para discussões multilaterais “civilizadas”, no tradicional padrão ONU: confiança. Países como Canadá, Austrália e Japão não tiveram receio algum de amarrar algumas pedras nas pernas dos negociadores em Varsóvia e afundar com as discussões de temas sensíveis. O anúncio do governo japonês, que reduziu sua ambição num momento em que todos esperavam aumentá-la, é um indicativo de como o processo multilateral de negociação está desacreditado. A Austrália veio à Varsóvia decidida a reafirmar a postura intransigente e irracional que o seu novo governo adotou domesticamente, ao desmontar todas as políticas nacionais em clima. Os países desenvolvidos não quiseram sequer pensar em responsabilidades históricas, não trouxeram compromissos de financiamento, e alguns deles estavam decididos a “rediscutir a Convenção” – o que daria margem para revisar alguns princípios fundamentais que lhes incomodam desde 1992, e que resguardam as nações em desenvolvimento dentro das negociações. A falta de confiança dificulta os entendimentos e gera um sentimento de desilusão com o processo político. Essa desilusão fez com a sociedade civil presente na COP 19 abandonasse uma conferência já tida como perdida.
A verdade é que em momento algum Varsóvia chegou perto de entregar o pouco que prometia. O problema é que esse pouco com toda certeza fará falta no contexto mais amplo das negociações. Ao postergar decisões importantes que poderiam ser tomada hoje, a COP 19 joga mais pressão na agenda de discussões da COP 20 de Lima (2014) e da COP 21 de Paris (2015). O grande temor dos negociadores e da sociedade civil é que a importantíssima Conferência de Paris se transforme numa “Copenhague II: O fracasso reloaded”. Como disse o representantes francês nesta manhã, depois da oficialização da França como anfitriã da COP 21, se fracassarmos em 2015, descartaremos qualquer possibilidade, mesmo a mais surreal, de impedir o aumento da temperatura global acima dos fatídicos 2ºC, o que joga o planeta num processo de mudanças climáticas difícil de prever e quase irreversível no longo prazo.
E para que esse fracasso monumental não aconteça, a COP 19 nos reafirma uma lição que o Secretariado da Convenção esqueceu no ano passado: o papel central do país anfitrião nas negociações. Essas duas semanas mostraram que o engajamento do governo polonês nas discussões sempre foi marginal, tendendo a compromissos básicos e mínimos. Já tinha sido assim na Conferência de Doha, no ano passado, quando a Polônia bateu o pé para aproveitar seu hot air no segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto e obstruiu as negociações da época. Neste ano, o país conseguiu organizar uma das piores conferências em termos de processo político, confiança e resultados. A COP 19 será marcada como a COP do Carvão: a presença de empresas poluidoras no rol de “parceiros da COP”, a realização da Coal & Climate Summit em meio à Conferência, a demissão do presidente polonês da COP durante as negociações com o motivo de acelerar as operações com gás de xisto na Polônia. Em momento algum o governo polonês sinalizou que a COP 19 era um evento estratégico, o que simplesmente reafirma que o tema das mudanças climáticas na Polônia está longe de ser uma preocupação do primeiro-ministro Donald Tusk.
Espera-se que Peru e França sejam mais proativos na liderança das negociações, o que, dependendo da falta de resultados de Varsóvia, pode não ser suficiente para avançar rumo a um acordo climático global amplo e justo. Hoje, os corredores esvaziados, as rodas de conversa pessimistas e os negociadores cansados por discussões prolongadas mostram o tamanho do esforço empreendido e perdido em Varsóvia. Que isto não nos custe caro demais no futuro.
* Publicado originalmente no site Observatório do Clima.
(Observatório do Clima)
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